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Júlia Pêssoa lança seu primeiro livro

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Júlia mostra – ou esconde – suas muitas caras no livro de crônicas e poesias “Heteronímia”. (Foto: Marcelo Ribeiro)

Comecei esse texto pelo título, Júlia de certo tem gene de “Pessoa”, sobrenome de escritores que conseguem ser muitos e, só assim, ser tão marcantemente eles mesmos. O circunflexo a mais é só porque tem marquinha própria, dos textos e jeitos de ser Júlia que são só dela. Ela detesta o tédio e também não preferiria o Toddy, talvez um café que lhe acorde para se reinventar de novo.

Desta vez, ela se reconhece como escritora, que já é faz tempo – desde criança – e compila tudo em um livro, seu primeiro de muita coisa que ainda pode e vai acontecer. Conversar com a Júlia dá essa sensação boa de um caminho indecifrável pela frente. Uma das primeiras crônicas de seu livro “Heteronímia”, que será lançado nesta quinta-feira (3), 20h, no espaço OAndarDeBaixo, fala sobre quando veio viver em Juiz de Fora. “Falta muito pouco agora para que 16 mil das Júlias que eu fui voltem a inundar a cidade de sonhos”, é o desfecho desse texto, que na verdade deve ser encarado só como uma vírgula.

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Dicas da autora: “O livro harmoniza com um chocolate da preferência de quem lê, acompanhado ora por um café forte e quase amargo, ora por um bom vinho tinto, de fazer as bochechas corarem”.

O livro sem índice é uma porta aberta a observar a mente ora carinhosa, ora amarga, ora agridoce, ora irônica, em todos os casos feminista, forte, que quer causar, não simplesmente por mero querer, mas porque é o que faz ao se expressar. Seu desejo maior é que as pessoas leiam, saibam o que pensa. Ela coloca as palavras na rua, que lhe serve de inspiração. “Me afetaria mais ver que os textos não estão causando nada, aí eu ficaria muito frustrada”, diz ela.

Na primeira parte do livro, Júlia assume-se “juiz-forana” de coração (já que ela é conterrânea trirriense). Entre suas crônicas favoritas, fala sobre os lugares da cidade que nem existem mais fisicamente, mas são os pontos de referência que levamos em nossa cabeça, um “alzheimer afetivo, uma epifania”, é o título. Entre amores e decepções por essa cidade, ela escreve outra crônica sobre a dificuldade de se comprar um vestido de festa que não seja confeccionado “em uma linha de produção fordista” (me identifiquei por completo). E claro, sobre o clima extremamente bi, tri, quadripolar de Juiz de Fora, metaforizando com seu próprio “mood”.

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Feminista e “suave coisa nenhuma”

Depois de clamar pelo “direito à rabugice”, vira-se a página, e ela torna-se “agridoce”. A segunda parte do livro começa com uma crônica sincera e madura sobre forçadores de amizade, o direito de nunca marcar aquela cervejinha e também de como perceber que “viver os desencontros é a melhor maneira de garantir que os encontros sejam obras-primas”. Em seguida vem uma crítica à maluquice obsessiva, à culpa de comer um docinho e viver para a academia se alimentando de whey protein, e também alertando ao abuso da gordofobia.

Depois ela traz uma crônica sobre amores livres, utilizando-se de símbolos e expressões que causam pavor aos adeptos de uma relação que celebra a liberdade de escolher estarem juntos: cadeados da ponte de Paris, “metades da laranja”, e “tampa da panela”, essa eu nem conhecia. Termina com uma analogia genial sobre os “sommeliers de internet”, expressão usada por sua amiga, leia o livro para saber.

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O terceiro capítulo “d’as meninas” é quando Júlia coloca para fora o que sente por ser mulher e por estar rodeada de outras tantas, inspiradoras e fiéis parceiras. As crônicas são de agradecimento pelas amizades e fortes sensações que só vive, escuta e sofre por ser menina-mulher. De querer escorregar dos rótulos e cobranças, e das punhaladas do machismo de cada dia. Uma das crônicas foi escrita a partir da revisita a uma memória pessoal quando tinha 10 anos e assistia à peça “Morte e Vida Severina” – tenha em mãos uma manga de camisa para enxugar as possíveis lágrimas, ou deixa molhar.

“Esquerda Caviar” dá alfinetadas necessárias, e bem humoradas, de um jeito que é totalmente característico de Júlia Pessôa, ela faz em pedido semiformal que livrem as coxinhas do significado baixíssimo nível empregado nos últimos tempos. E aí sucedem outras de cunho político, mas sempre ressaltando sua visão pessoal de cronista, que faz uma colagem de referências de sua própria realidade, para inventar outras histórias. “É meio uma epifania, quando estou escrevendo, não processo tanto, mas quando, às vezes releio, penso: era isso mesmo que eu queria dizer, que bom que saiu.”

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Antes que eu me esqueça

“Antes que eu me esqueça” é uma escolha a dedo de textos bem recentes de sua coluna na Tribuna, de mesmo nome. “Gosto de ir colecionando pedaços e juntar quase tudo que eu escrevo, por mais improvável que possa parecer, tem um ‘quê’ de realidade”, afirma a autora, que é leitora de Drummond, Veríssimo e Matilde Campilho, além de outros cronistas de internet.

São leituras que me fizeram rir alto no ônibus, refletir sobre mim mesma e até sentir vontade de chorar. E ao final ela ainda nos surpreende com suas pequenas poesias que, “desassossegada” que só, não deixa de experimentar, em uma escrita concisa e de tamanha filosofia dessa “pós-modernidade”. “São pseudo-haikais sem métrica, são piadistas, irônicas, meio ácidos”, brinca com a sonoridade e semântica das palavras essa cronista adotada por Juiz de Fora, que lança seu “rebento”, diz ela, como um presente de aniversário. Segunda-Feira que vem é dia de receber ligações, mensagens de parabéns, comer bolo de chocolate e brindar a vida com um vinho. Feliz aniversário, Júlia Pessôa.

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