Seu nome vem pequenininho, sutil, no diminutivo, mas é um alguém que clama em sua cantoria e melodia por um Brasil com valores melhores executados, legislados, justiçados. Causa-lhe angústia e faz lembrar dos dias que antecederam a chuva. É ávido leitor desse tempo indigesto e, por não digerir, o que lhe sobra é esvair em poesia. Tortura seus versos por acreditar na expressão e mudança através da arte.
A cada toque no violão sai criação, tudo que está trancado no fundo de sua percepção é colocado à prova de seu dedilhado, que vislumbra no novo a exploração de rimas. O jornal não suporta em seus caracteres as blasfêmias dos fatos, então ele canta a melodia e constrói a poesia. Luzinho Lopes desabafa e deságua suas lágrimas nas métricas. “Eu vivo há dois anos em um estado de angústia, essas coisas me agridem, me deixam triste. Eu rompi com pessoas que eu tinha amizade, em um processo de depuração”, lamenta Luizinho sobre o quadro político que está sendo pincelado com sangue.
Arteria: final de semana com shows
Hoje (2) e sábado (3) tem reunião para celebrar sua música, Luizinho é desses artistas que gostam de partilhar o palco e está com convidados novos, na parceria e na idade. Às 20h deste sábado (3), vai acontecer o segundo show no Arteria Fábrica de Cultura, um aconchego noturno com comidas de bistrô e chope artesanal. Este será o segundo show de uma dobradinha, já que ontem ele estreou junto a Bré Rosário, percussionista que o acompanha em sua trajetória, o compositor Dudu Costa e a cantora Luisa Moreira.
Luisa conta quase cantando de sua admiração por Luizinho, amigo de seus pais desde quando era criança. Sempre frequentou sua casa levando música e poesia, e se emociona lembrando que foi, também, por palavras de incentivo dele, querendo fazer a menina cantar, que começou essa história na música. Após o colégio, entrou para a Bituca – Universidade de Música Popular e se formou em canto. Hoje é ela quem contribuirá com sua voz durante o show. Com Dudu, a história é também afetiva, sua mãe colocava o álbum “Nem tudo o que nasce é novo” (1990), de Luizinho, para ouvir em casa, e desde então foi aprendendo as letras de cor. Será um encontro de gerações, em um ambiente de admiração mútua.
O afeto é revolucionário, já diz o muro da cidade
O repertório é do quinto álbum “Falas perdidas”, sendo que pela primeira vez ele preparou “Poesia vaza”, sexta faixa, para ser tocada ao vivo. E ainda terá a inédita “Alguém”. Dudu Costa entregou a letra para Luizinho, que passou o dia seguinte inteiro musicando. Isso faz menos de um mês.
Vem de um tempo indigesto
A mão rugosa e fria
A torturar meu verso
Monstro d’alma vaziaVozes da tragédia
Trancam lá no futuro
O corpo besta fera
Erguendo cego seu muro(Trecho de “Alguém” / Parceria Dudu Costa e Luizinho Lopes, 2017)
É uma canção de protesto, mas metafórica. A abertura é melancólica, fechada, com acordes menores, em quarta, e dissonantes. A parte mais melódica acontece mais ao fim, quando ela abre e dá esperança: “Alguém exala ao vento / U’a poesia rara / Restaura um sentimento/ A voz que canta ampara”. “Eu sou muito pessimista, mas uma hora, acredito que nós como sociedade, vamos ter que acordar (…) tenho a impressão que estamos anestesiados”, comenta Luizinho.
Essa última parte é a reação do povo, e é quando o próprio artista percebe que a arte começa a ajudar no processo de luta. “A partir do momento que você coloca os artistas para tocarem nesses movimentos (políticos e sociais), você dá oportunidade para o povo se sensibilizar com isso. Quando eu falo da poesia, eu acho que ela não vai modificar, revolucionar, mas é um instrumento que auxilia, porque mexe com a expressão de cada um. É o despertar pela estética”, reflete Luizinho.
Na pele que o outro habita, canto eu
Em 1979, Luizinho cursava engenharia na UFJF e vivenciava os últimos anos de ditadura militar. As palavras dilaceravam os cálculos em uma enorme vontade de viver e ir à luta. Era um universitário, com violão embaixo do braço e muitas músicas de protesto se formando junto ao momento conturbado. Abriu o Jornal do Brasil e correu o olho por uma das cartas publicadas na sessão de leitores. O que sentiu se transformou em arte em tom de protesto.
21 de abril de 71
Tô me preparando
Pra ser torturado
O carrasco pede
Para eu me apressar
Que é pra ele gozar
O resto do feriadoMinha carne ‘tá que é carne viva, mãe
E o meu corpo ‘tá que é uma peneira
Vão me rasgar com seus truques
Não suporto mais seus choques
Não suporto mais morrer(Letra de “21 de abril”, Luizinho Lopes, 1979)
O texto era uma carta escrita em 20 de abril de1971, publicada 8 anos depois. O autor era um rapaz que escrevia em tom de despedida e desespero para sua mãe. Ele estava preso em um dos porões de tortura da ditadura militar e previa sua morte no dia seguinte. Luizinho fez da carta, uma música, com o eu lírico no corpo que se acabava aos poucos. E naquela época, ela foi apresentada em um anfiteatro do antigo ICHL, em pleno período autocrático e de censura. No mesmo ano em que a carta chegou finalmente às mãos daquela mãe.
“Eu era integrante do grupo musical ‘Vértice’ e fomos convidados para fazer a calourada do ICHL. Quando chegamos, estava lotado, com gente sentada pelo corredor. O diretor do instituto proibiu que fosse ligado o som, para poder melar o show. Aí nós perguntamos se o pessoal queria ouvir sem microfone, sem nada, tocando acusticamente. Já estava entrando na época da anistia, ampla, geral e restrita”, relembra Luizinho.
Gilmar Santanna era seu amigo da engenharia e intérprete da música “21 de abril”. Neste dia, em 1979, o momento foi de comoção. Ele lançou-se ao público efervescente e, como em um teatro, cantava encarnando o próprio menino torturado. Luizinho guarda a memória do colega arrancando a própria camisa e evocando os estudantes a sentirem como se os ferimentos estivessem ali, naquela pele, à mostra.
Neste vai e vem de atrocidades históricas que ainda permeiam nosso presente, Luzinho tem uma última música pronta, talvez uma das mais novas: “Na Véspera Choveu”. Essa ele ainda não tem a coragem de mostrar a ninguém. Faz ele lembar da ditadura e o machuca muito. Em poucas palavras, apenas compreendi o que o título queria passar “Na época, quando teve a Marcha dos 500 na Praça da Sé, na véspera havia chovido muito, eu usei como metáfora”, conclui Luizinho.
Luizinho Lopes
Com Dudu Costa, Bré Rosário e Luísa Moreira.
Neste sábado, às 20h, na Arteria (Rua Chanceler Oswaldo Aranha 535 – São Mateus)