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A lama ainda não secou, pelo menos na alma

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Poema épico de mais de 150 páginas, ‘A vida de um rio morto’ (no detalhe), de Carlos Nejar, relembra a tragédia que matou 19 pessoas no distrito de Mariana

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Assim como as curvas de um rio, o destino também segue caminhos tortuosos. O poeta, escritor e crítico literário Carlos Nejar estará nesta quinta-feira em Belo Horizonte, no Instituto Idea, para promover o seu mais recente livro, “A vida de um rio morto”, sobre a tragédia ocorrida em Mariana em 5 de novembro de 2015, quando duas barragens da mineradora Samarco se romperam e despejaram toneladas e toneladas de lama, rejeitos sólidos e água sobre o distrito de Bento Rodrigues, matando dezenove pessoas e levando um rastro de destruição que atingiu o Rio Doce e passou por Minas e Espírito Santo até chegar ao Oceano Atlântico. Por essas coincidências do destino, o evento acontece na mesma semana em que Samarco, Vale e BHP Billiton apresentaram um relatório que confirma a responsabilidade das empresas em relação à tragédia.

Dessa forma, a questão não poderia ser ignorada na entrevista que Nejar deu à Tribuna esta semana por e-mail (“Por telefone sempre pode acontecer alguma coisa, a ligação pode cair”, justificou o escritor em uma rápida conversa telefônica). Para ele, não basta apenas assumir a culpa. “Não é suficiente, nada é motivo, nem a cobiça, nem a riqueza, nem a indústria para suprimir vidas, peixes, animais, a sobrevivência humana. O rio não pode falar. Mas a palavra pode. Nada justifica, muito menos as explicações dadas, nada justifica – repito – tal crime. Contra a natureza e a história. Ou contra o futuro.”

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Lançado no meio do ano, “A vida de um rio morto” é um poema épico de mais de 150 páginas, escrito em dísticos (poemas escritos em duas estrofes, como os épicos gregos e romanos) e permeado por ilustrações de Pablo Picasso. “A ‘Guernica’ de Picasso revelou ao mundo a tragédia de uma cidade devastada, tal qual Mariana”, explica.

No poema, o poeta não se concentra apenas na tragédia ocorrida na cidade mineira e no trágico destino do Rio Doce: Carlos Nejar também fala de outros rios do país, como o Guaíba e São Francisco, assim como lamenta nossa situação política e do Brasil em geral, transformando o rio em metáfora de tudo o que ocorre em nossa terra. “A tragédia de Mariana foi a tragédia do Brasil. Moro em Vitória, no Espírito Santo, e o barro alcançou Colatina e o próprio mar. O Rio Doce no meu poema é o memorial de nossa pátria, invadida pelo barro da corrupção em todos os quadrantes da república, começando pelo Mensalão, Petrolão… A destruição do Rio Doce foi a destruição de vidas humanas soterradas, com cidade soterrada, morte de peixes, jacarés, tartarugas. Além da falta de qualidade da água e do prejuízo ao turismo. Matar um rio é matar a própria sobrevivência humana. No futuro, a água será mais preciosa do que o ouro.”

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O escritor gaúcho diz, ainda, que este foi o livro mais pesaroso que já escreveu. “O livro mais doído que escrevi e se impôs como se fosse o próprio movimento subterrâneo do Rio. O Brasil sobreviverá , como o Rio Doce pode ressuscitar pela palavra.”

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Afetividade mineira

O tema do livro pode ser árido, mas o lançamento em Belo Horizonte não deve ter clima de velório. Carlos Nejar e seu filho, o também escritor Fabrício Carpinejar, farão um recital sobre o Monumento ao Rio Doce. Além disso, há toda uma ligação afetiva dele com o Estado. “(Será) o primeiro evento em Minas. O que não quer dizer que não tenha tido o sopro antes do poderoso espírito de Minas com Guimarães, Drummond – que foi meu amigo -, Murilo Mendes, o contista Murilo Rubião, Emílio Moura, Henriqueta Lisboa e alguns poetas de Juiz de Fora, como Yacir, Polidoro e outros”, destaca. “Nunca esqueço o presidente e depois embaixador Itamar Franco, que ficou meu amigo e encontrei em Roma. Deu-me uma pequena bandeira de Minas que levo comigo. E mais, Fabrício Carpinejar, meu filho, casou agora com Beatriz, advogada mineira. Rio Grande e Minas se enlaçam.”

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