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A Maria de Nazaré pela juiz-forana Suzana Nascimento no teatro on-line

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A figura de Maria de Nazaré é uma das principais na fé cristã, e se perguntar a um católico quase todos saberão o básico: o anjo Gabriel comunicou que ela foi a escolhida para gerar o filho de Deus, foi com José para Belém e deu à luz o menino Jesus em um estábulo, cercada por animais. Mais tarde, presenciou a crucificação de Jesus. E o que mais? Aí talvez seja o momento em que o cristão desconversa, diz que não lembra… mas há motivos para isso.

“Maria tem apenas seis falas em todo o Novo Testamento”, aponta a atriz juiz-forana Suzana Nascimento, que estreia na próxima sexta-feira (6), às 19h, em formato virtual, o monólogo “Em nome da mãe”, do qual também é responsável pela dramaturgia, inspirada pelo livro homônimo do italiano Erri de Luca. A peça tem direção de Miwa Yanagizawa e será transmitida de sexta-feira a domingo, sempre no mesmo horário, até 29 de agosto, no canal do Sesc-RJ no YouTube, dentro do projeto Arte em Cena _ Temporadas.

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Como explica Suzana, um dos objetivos é mostrar que Maria vai além da imagem de mulher pura e perfeita que gerou e deu à luz Jesus Cristo, e que mal aparece nos registros bíblicos – e de quem também pouco se sabe por meio dos registros históricos. A proposta é apresentar a trajetória de uma mulher jovem, pobre, não casada e grávida, vítima dos preconceitos de uma sociedade conservadora, patriarcal e machista, e que não tem seu espaço nos evangelhos escritos por homens.

A atriz relembra que este é um projeto que levou seis anos para se tornar realidade, desde o momento em que tomou contato com o livro de Erri de Luca em uma viagem de avião, a ponto de terminar a leitura antes do fim da viagem. “Quando terminei, estava em prantos. O livro me arrebatou pela visão humanizada de Maria, que todo mundo chama de Nossa Senhora, que é a nossa intercessora, casta, pura, e no livro vi um olhar para aquela moça comum, que passou por tanta coisa”, diz a atriz, que afirma ter uma relação muito forte com a espiritualidade, mas não com a religião, apesar de ter sido criada na Igreja Católica.

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Monólogo escrito e estrelado por Suzana Nascimento teve como inspiração o livro homônimo de Erri de Luca (Foto: Elisa Mendes/Divulgação)

Amadurecimento de uma ideia

A vontade de transformar o livro em peça veio na sequência da leitura, mas, como acontece tantas vezes no Brasil quando o assunto é cultura, o percurso para transformar o sonho em realidade foi longo. Por isso, Suzana aproveitou o tempo para transformar a adaptação em algo diferente. Ela passou a pesquisar sobre o feminino, o sagrado feminino e as diversas questões das mulheres na sociedade.

“Hoje, de alguma forma, sou muito grata por não ter feito essa peça antes, pois nesses anos eu mudei muito, me aproximei muito de ideias feministas, do feminino como algo sagrado, do movimento de empoderamento das mulheres”, reflete. “Se tivesse feito há seis anos, seria somente sobre o que o livro falava, que é o amor materno de Maria, sobre uma santa, não teria a maturidade que fui conquistando. Eu parto do livro, mas trago questões da atualidade, faço paralelos com o Brasil de hoje, criei personagens que não estão no livro, tanto que assino a dramaturgia da peça a partir do livro. A peça, agora, vai muito além do que me arrebatou lá atrás.”

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A vontade de criar a dramaturgia a partir do livro estava a se tornar realidade quando o Sesc-RJ e a atriz começaram a negociar para que “Em nome da mãe” estreasse em julho de 2020, mas os planos foram adiados por causa da pandemia. Mais para frente, em novembro, veio a proposta de fazer a encenação on-line.

“No início, fiquei resistente, porque esperei tanto para fazer a peça, e fazer on-line… Mas conversei com a diretora, com meu produtor, e vimos que estamos vivendo esses novos tempos. E o artista tem essa capacidade de se adaptar, se reinventar, então pensei: ‘por que vou ficar parada se essa possibilidade se apresentou?’. E também vi o lado bom, porque pessoas de qualquer lugar do mundo poderiam assistir.”

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A donzela, a mulher e a anciã

A partir da preocupação de dar voz a uma Maria que passou de menina para mãe, sem passar pela Maria mulher, a peça passou a retratar três arquétipos da alma feminina. No monólogo, Suzana dá voz a três mulheres: a donzela Maria (ou Miriam, como é chamada em hebraico), a atriz (uma mulher de 43 anos), e a anciã, que carrega em si a ancestralidade feminina. As três figuras são responsáveis por mostrar a jornada da protagonista, intercalada com histórias de vida da própria atriz e temas da atualidade.

Para chegar a essa proposta, foi acrescentado ao material original e de pesquisa outro ponto importante: o retorno ao ambiente familiar. “Eu voltei para Minas Gerais no início da pandemia, e meu pai faleceu quatro dias depois que cheguei. Por causa disso e como não sabíamos quanto tempo toda essa questão iria durar, fui ficando com minha mãe, na granja da minha irmã, e voltei a ter uma convivência diária com minha mãe que não tinha há 20 anos, desde quando me mudei para o Rio de Janeiro”, conta.

“Eu não sou mãe, e por isso me perguntava por que queria fazer essa peça. Mas, ao analisar a relação com minha mãe, vi que também sou mulher e que há uma série de questões como mulher que são muitos importantes”, acrescenta a atriz, que por conta desse período roteirizou e dirigiu o documentário “Árvore Mãe”, lançado ainda em 2020. “Passei a estudar a jornada da heroína e percebi que a tinha tudo a ver com minha história pessoal. Fui fazendo essas conexões, e graças a esse resgate da relação com minha mãe, vi que era agora que a peça tinha que acontecer, pois é um momento em que me vejo mulher e filha como não via antes.”

Voltando à figura de Maria, Suzana Nascimento ressalta que a peça busca tratar de uma mulher que, a despeito de sua relevância, sempre foi tratada como coadjuvante na Bíblia. “É difícil encontrar dados sobre a vida dela, sendo que ela é ‘só’ a ‘mãe do cara’. Fiquei chocada quando descobri que, na Bíblia inteira, ela tem apenas seis falas. Por isso temos a anciã na peça, que é a Maria que passou por tudo (que não é contado).”

Outro detalhe que causou espanto à atriz e dramaturga foi saber que as pesquisas apontam que Maria/Miriam teria apenas 13 ou 14 anos quando engravidou _ e não era de José, seu futuro companheiro -, sem a menor ideia do que o futuro reservava para seu filho.
“Isso mexeu muito comigo. Outra questão que pergunto na peça é se alguém já pensou nela como mulher, pois ela foi de menina para mãe. Por isso que eu, Suzana, uma mulher de 43 anos, entro na peça representando esse arquétipo da mulher, e temos a anciã que sabe tudo que aconteceu. É importante frisar que é a visão de uma Maria humana, não a santa. É sobre uma adolescente grávida, e não de seu noivo, obrigada a viajar no nono mês de gestação, durante o inverno, em cima de uma jumenta, e que tem que parir em um estábulo sem saneamento básico. Por isso essa história narrada em primeira pessoa.”

O desafio de encenar sem público

Com tudo certo, Suzana Nascimento iniciou os ensaios para o monólogo, que duraram três meses. Por causa da pandemia, todo o processo foi a distância por meio do aplicativo de vídeo Zoom, com a atriz em Juiz de Fora – acompanhada pelo músico Federico Puppi, que assina a trilha sonora – e a diretora Miwa Yanagizawa no Rio de Janeiro. Os ensaios presenciais aconteceram apenas próximos à gravação, no Teatro Ipanema, na capital fluminense, na última quinta-feira (29).

“Eu e minha diretora fizemos três ensaios presenciais no Teatro Ipanema com a diretoria de fotografia e queríamos manter a essência do teatro nesse trabalho, mesmo misturando as duas linguagens. E é muito desafiador, porque não temos o retorno da plateia, no máximo a respiração e os olhares de quem estava na gravação, diferente das quatro apresentações on-line que fiz de ‘Calango deu!’ pela Lei Aldri Blanc, pois sabia que havia pessoas assistindo em tempo real”, compara. “Sem contar que na gravação a gente podia voltar de novo se errasse, fazer mais de um take, e tive um trabalho de concentração absoluta para não perder a conexão, de ficar isolada entre uma gravação e outra para não perder aquela energia. Queríamos respeitar o fluxo da peça, tanto que apenas duas cenas não foram gravadas na ordem original do espetáculo, por questões técnicas, para manter a alma do teatro.”

Na opinião da atriz, esse tipo de experiência híbrida de teatro de audiovisual não vai se perder; ela acredita que a necessidade de adaptação pode ser vista como uma nova linguagem em si. “Fiquei muito feliz porque criamos uma linda obra audiovisual de teatro”, diz ela, que pretende realizar o sonho inicial de fazer “Em nome da mãe” no formato presencial, mas não tão cedo. “Não tenho segurança de estrear, por exemplo, daqui a um mês, ainda precisamos de um tempo. Mas vamos estrear essa peça presencialmente, com certeza, com as adaptações que forem necessárias, pois já preparamos a peça pensando na câmera.”

 

“Em nome da mãe”

Estreia dia (6), no no canal do Sesc RJ no YouTube (youtube.com/portalsescrio). Temporada até 29 de agosto.

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