É necessário colocar o rosto no sol. Encarar a claridade com vontade até que se afirme o que está vendo. “É um pouco de se jogar. Pegar a estrada. Seguir o caminho. Ficar parado não leva a lugar nenhum.” Foi Noah Mancini quem disse isso. Toda essa sensação de acreditar naquilo que se faz é o caminho que ele decidiu seguir para lançar seu primeiro livro, o “Excertos”, pela editora mineiro-portenha Caravana, com revisão de Francisco da Silveira, e a orelha feita por MARÉ. Em linhas gerais, é preciso “meter o louco”, ele mesmo afirma.
Nessa necessidade quase que urgente de colocar em palavras alguns devaneios, surge outra vontade também urgente de compilar esses escritos e fazer com que outras pessoas tenham acesso a eles e consigam recriar outros devaneios. É mesmo um ciclo que envolve deixar-se levar pelos sentimentos. “Excertos” é, pois, uma junção de vários desejos: de Noah, dos personagens reais e fictícios, do ar que a cidade respira. O livro, por enquanto, está em pré-venda no site da editora, sonhando, agora, com o dia em que seu lançamento será presencial, em Juiz de Fora.
Primeiro que nenhum livro nasce de uma hora para outra. É necessário tempo para entender os rumos e qual, então, será o caminho. “O livro é fruto de bons anos tentando me identificar”, confessa Noah. Ele, natural de Juiz de Fora, é bacharel interdisciplinar em Artes e Design pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). E, de certa forma, essa interdisciplinaridade está presente tanto na vida de Noah quanto no livro pela própria necessidade de ser. A ideia do livro é um tanto recente. Mas, antes disso, tinham os textos que ele escrevia por escrever, tanto que ele diz: “‘Excertos’ começou sem saber”.
“Eu gosto de escrever e isso sempre foi natural. Eu escrevia contos e diálogos inspirados em coisas que eu ouvia, seja no ônibus ou na rua. Eu ouvia e colocava isso em texto. O material, isso de ‘laboratorializar’ os processos criativos, foi se acumulando. Até que em 2020 eu parei para olhar tudo isso de novo. Conforme fui vendo, quis compilar e escrever um livro. A partir disso, me propus a escrever mais periodicamente, mas sempre com base no primordial: escrever as coisas que me atravessam, aquilo que vivi ou que me contaram e eu absorvi.”
As pessoas nas fotos e nos textos
Noah, para além dos textos, gosta de fotos de pessoas que foram tiradas por outras que ele não conhece. Ele encontrou esse tipo de imagem, por exemplo, na feira da Avenida Brasil. Encontrou também um grande acervo de fotos do Miss Brasil Gay em uma caixa no IAD. Tudo foi guardado e serviu para disparar novas ficções. Olhando as fotos, ele parava para entender o que elas diziam a ele. Não em uma tentativa de reconstruir cenas, mas de entender como aquilo chega ao seu corpo. Desse processo surgiram outros contos. A maior parte em primeira pessoa, como se o personagem daquelas imagens tivessem assumido o eu-lírico.
“Excertos” foi tomando corpo. Já era uma mescla entre realidade e ficção, de fatores que foram ativados por sua memória. Entre tantos, Noah foi escolhendo aqueles que, mesmo depois de um tempo, ainda faziam sentido tanto a ele quanto a outras pessoas. Pelas redes sociais, por exemplo, chegou a publicar alguns desses textos e foi analisando a forma como as pessoas eram tocadas por eles. “Algumas pessoas respondiam ou com identificação ou indagação. E eu entendi qual era o entusiasmo, como fazia sentido. Durante uns 5 meses eu fiz essa curadoria, a partir daqueles que continuavam me provocando. É um limiar entre o que me era caro e o que as pessoas denotavam importante.” Trinta e cinco contos compõem o livro.
Mais que apenas colocar na publicação as fotos que serviram de mote para a escrita, Noah selecionou algumas, incluindo de pessoas desconhecidas e de sua família, e as reproduziu em decalque. Onze delas compõem o livro. “Eu levei as fotos para um outro lugar. Coloquei meu traço, e conservei o primordial.” Para além de promover um diálogo entre texto e imagem, os decalques servem também para provocar: gerar novas sensações.
Foto e texto são retrato da vida das pessoas. A maior parte das imagens e dos contos falam sobre pessoas. É, de certa forma, sobre os encontros em Juiz de Fora, apesar de, da forma como eles se apresentam, dizer também sobre a vida de qualquer pessoa em qualquer cidade. “Eu busquei identificar a arqueologia afetiva, as coisas que a gente vive. Tem conto de queixa, lamúria, desafeto, mas também de um retomada, de se ver enquanto potência. Os sonhos e os desejos, e é o desejo que guia as histórias”, afirma. “Cada conto é uma pedra no caminho. Não uma pedra que tropeço, mas a que forma os paralelepípedos, que calça o caminho. Eu coloco as pedras e vou vislumbrando esse caminho. Até porque muito se fala de um suposto dom do artista, mas é preciso um trabalho de inspiração. Os últimos contos, inclusive, são sobre as crises de escrever. O artista precisa estar o tempo todo se fertilizando. E é se colocando que se descobre.”