De Norte a Sul, ela se confunde com diversas representação de Nossa Senhora, numa prova do quanto o sincretismo religioso – apesar das perseguições obscurantistas – ainda é forte no Brasil. Associada a Nossa Senhora da Conceição, da Glória, dos Navegantes, da Candelária, entre outras, é em 2 de fevereiro que o Dia de Iemanjá, uma das mais populares orixás, é celebrado na maior parte do país. É o caso de Juiz de Fora, que terá neste sábado (2), às 14h (abertura da casa), na Cervejaria Golem, a primeira edição do “Canto a Iemanjá”, show que reunirá pela primeira vez os cantores Carlos Fernando Cunha e Alessandra Crispin, com participação especial do grupo Guerreiras de Clara.
O show terá como base algumas canções próprias da dupla (inclusive duas de Carlos Fernando sobre Iemanjá), além de versões de canções de outros artistas dedicadas à padroeira dos pescadores, jangadeiros e marinheiros e outras não ligadas ao tema. A dupla será acompanhada pela banda que toca com Alessandra Crispin, mais participação especial de Caetano Brasil. Na sequência, as Guerreiras de Clara fazem sua apresentação, cujo repertório é composto por músicas de Clara Nunes, que durante a carreira teve uma ligação muito forte com Iemanjá e a cultura e religião afro em geral. Por fim, todos sobem ao palco para encerrar as celebrações.
Carlos Fernando explica que o show é consequência de uma vontade antiga dele e Alessandra Crispin realizarem um show juntos, pois até então eles só dividiram o palco em participações especiais da cantora nos eventos do Ponto do Samba. “Queríamos fazer alguma coisa juntos há bastante tempo. Temos uma parceira longa, de amizade, em que ela gravou três sambas meus para seu disco, mas nunca fizemos um show juntos. Foi numa dessas conversas que tivemos a ideia, conversamos sobre o tema e resolvemos aproveitar a data para fazer o ‘Canto a Iemanja'”, conta o artista, que pretende realizar o evento todos os anos a partir de agora.
Em defesa da diversidade
Atualmente, o sincretismo religioso e as religiões afro-brasileiras têm sofrido perseguição de alguns setores conservadores da sociedade. Carlos Fernando acredita na importância do artista em se valer de seu trabalho para questionar, provocar inquietude. “Vivemos tempos bastante complicados, de muito discurso único, de muito ódio, propagação de violência, e infelizmente as religiões de matriz africana têm sofrido muito por conta dessa questão. O evento também tem essa dimensão política, de resistência, de mostrar que o samba, nossa música, é fruto de uma série de matizes, de etnias, de povos; negros, índios, brancos, europeus, africanos, orientais, e que essa é a questão que mais deveria ser valorizada por nós brasileiros”, defende.
Parceira de Carlos no projeto, Alessandra Crispin fala sobre a importância de reafirmar a presença feminina na arte e na música em um dia dedicado a uma das mais cultuadas padroeiras da pluralidade religiosa brasileira. “O nosso legado musical traz, ao longo da história, vozes femininas que eternizaram e enriqueceram a nossa cultura. Eu, assim como as Guerreiras de Clara, sabemos que essas artistas são as responsáveis por esse espaço que temos hoje, e que a nossa missão é continuar essa resistência pela presença da mulher em todos os setores artísticos”, diz Alessandra, lembrando que o show será uma forma de homenagear não apenas Iemanjá, mas cantoras e compositoras como Clara Nunes, Dona Ivone Lara, Jovelina Pérola Negra, Beth Carvalho, Maria Bethânia “e todas as mulheres que se sintam representadas por nossos projetos. Sem dúvida, será uma festa linda!”
Em nome da ‘Clara Guerreira’
Para Gabriele Generoso, o convite para o “Canto a Iemanjá” é visto pelas Guerreiras de Clara não só com satisfação, mas também como reconhecimento do grupo como uma potência feminina no cenário musical juiz-forano. “Nosso trabalho busca exaltar a memória de uma das grandes representações femininas, reconhecida mundialmente, que é Clara Nunes. A cantora trouxe uma visibilidade importante para as religiões de matriz africana, porque sempre ressaltou em seus trabalhos – do figurino às letras – essa religiosidade citando e contextualizando as características dos orixás. Se autodeclarava filha de Ogum com Iansã, porém Iemanjá, como todos outros orixás do panteão africano, tinha lugar na sua referência musical. Exemplo disso é a música ‘Guerreira’, na qual, ao final, a cantora saúda a todos os orixás. E Iemanjá é a grande mãe, o seio e o útero do mundo, dela vertem todas as águas e o cuidado materno a todos que nessa terra pisam”, contextualiza, para encerrar: “Não somos um grupo religioso, porém consideramos de suma importância nos identificar com essa faceta de Clara Nunes. O evento dialoga muito com nossa proposta de trabalho”.