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PJF notifica pousada de idosos com 30 casos de Covid-19 e três mortos

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À Tribuna, enfermeira responsável pelo lar relata medidas adotadas para evitar contágio, como isolamento dos residentes (Foto: Fernando Priamo)

O Departamento de Vigilância Epidemiológica e Ambiental (Dvea), da Secretaria de Saúde de Juiz de Fora, informou, nesta terça-feira (29), que notificou a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES/MG) e o Ministério da Saúde a respeito da confirmação de que 30 residentes na Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI), Pousada Despertar, sediada no Bairro Borboleta, na Cidade Alta, foram infectados pelo coronavírus. A Dvea também informou que, até esta terça, recebeu a notificação de que três residentes da instituição teriam morrido por Covid-19.

Conforme a Secretaria de Saúde, a equipe da Vigilância Sanitária constatou que a residência foi separada em dois ambientes para criar uma zona de isolamento: o primeiro pavimento foi destinado a residentes que apresentam quadro positivo para Covid-19, e o segundo andar aos que não estão contaminados. De acordo com o relatório realizado pela Vigilância, há equipes distintas para atuar em cada área, e mais profissionais foram contratados para realização do monitoramento dos pacientes. Os residentes infectados, como pontua a pasta, ficam em isolamento por 14 dias, e, após a constatação das contaminações no local, este período vai terminar nesta quinta-feira (31).

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Segundo a Secretaria, ao tomar conhecimento da situação, o Departamento de Vigilância Epidemiológica e Ambiental entrou em contato com a instituição para tomar ciência do fato, acionando ainda a fiscalização da Vigilância Sanitária. Além disso, conforme protocolo padrão, a SES/MG e o Ministério da Saúde foram notificados através do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).

A situação constatada na pousada para idosos veio à tona depois que familiares de dois residentes da instituição procuram a Tribuna para comunicar as mortes de seus entes, registradas no último dia 24, em decorrência do coronavírus. Conforme os parentes, a instituição teria demorado a realizar os testes para Covid-19 nos dois residentes e não teria avisado as famílias a respeito da situação a tempo. Todavia, em entrevista ao jornal, por telefone, a enfermeira e responsável técnica pela Pousada Despertar, Antonella Vairo de Almeida, afirmou que a instituição jamais deixou de comunicar aos familiares e órgãos responsáveis sobre as medidas adotadas na casa a respeito da Covid-19.

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Filha de vítima questiona demora para testagem

De acordo com Ana Paula Martins Croci, o pai dela, Manoel José Martins, de 85 anos, faleceu à 00h40 do dia 24, enquanto estava internado no Hospital Regional Doutor João Penido. Segundo a filha, ele deixou a pousada no dia 12 de dezembro, em estado grave, permanecendo hospitalizado até a sua morte. A família, que é moradora do município de Bicas, tinha deixado Manoel José Martins na instituição para um tratamento de abstinência, que duraria cerca de nove meses. Ele residia no local havia cinco meses.

“Fazíamos visitas duas vezes por semana, e o atendimento e acompanhamento do meu pai eram muito bom. No dia 11 de dezembro, recebi a informação da instituição de que meu pai apresentava alguns sintomas e que, por orientação médica, era necessário que começasse com a medicação contra a Covid. Solicitei que fizessem a compra do remédio e fiz o depósito para o pagamento, porque estávamos viajando. Foi minha filha que sugeriu que fosse realizado o teste de Covid. Solicitamos à direção para que um laboratório fosse até lá para colher o material para o exame”, relata Ana Paula.

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Segundo ela, como retorno, teria recebido a informação de que a pousada tinha entrado em contato com três laboratórios, mas nenhum conseguiria colher o material naquela data, só dois dias depois. “Mesmo assim, tivemos a informação de que estava tudo bem, porque meu pai receberia a medicação. Inclusive achamos que ele era o único da clínica nessa situação. Só que, no dia 12 de dezembro, ligaram informando que precisaram internar meu pai. Primeiro, ele foi para a UPA de São Pedro, onde ficou acompanhado de uma enfermeira, mas depois foi transferido para o Hospital João Penido, sendo que o exame de Covid não tinha sido realizado. Só que, ao conversar com a filha do idoso que ficava no mesmo quarto de meu pai, ela nos contou que o pai dela tinha feito o exame no dia 11. Achei estranho, porque eles dormiam no mesmo quarto, e meu pai deveria ter sido testado também. Questionei essa situação para a instituição, que me informou que ele teve sintomas só no dia 11, enquanto o outro residente, dois dias antes. Achei esse procedimento muito estranho, porque eles dividem o quarto. Questionei sobre outros casos, e a casa informou que outras duas pessoas também testaram positivo na quarta-feira anterior. Achei mais estranho porque, sendo uma pousada para idosos onde duas pessoas testaram positivo, por que não realizaram exame em todos?”, questiona.

‘Falta de vagas’

De acordo com Ana Paula, a pousada teria informado que o exame não foi realizado porque não havia mais vagas para testes na rede pública. “Em nenhum momento eu disse que tinha que ser feito exame numa instituição pública, porque iríamos pagar pelo exame, porque tudo que precisava para o pai, nós providenciávamos. Considero essa situação que o levou à morte como negligência”, afirma, completando: “O meu pai não volta, é uma dor muito grande, mas estamos preocupados com os outros residentes que ainda estão lá. A filha do residente que dividia o quarto com o meu pai até esta segunda-feira (28) não sabia nada do que estava acontecendo. Então não sabemos até que ponto a situação real do que está ocorrendo está sendo escondida das famílias. Estamos sentindo um descaso de informações, falta de transparência. As famílias precisam ser avisadas, porque podem levar o idoso para casa ou para outra instituição. Eles tinham todo o cuidado e carinho com meu pai, mas, neste ponto sobre a Covid, houve falha, e isso está doendo muito na gente.”
Ana Paula relatou que o pai foi sepultado no mesmo dia, no cemitério do município de Guarará, como era a vontade dele. “Não teve velório, e só pôde entrar a família, com número bem restrito. O caixão estava lacrado”, disse.

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Família relata morte de idosa

Moradora do Bairro Santa Luzia, em Juiz de Fora, a segunda família que trouxe o caso a público prefere não ser identificada. Como relata a filha da residente que faleceu, também em decorrência da Covid, a mãe dela, de 82 anos, residia na instituição. “Com o advento da pandemia, nós, familiares, ficamos impedidos de visitá-la como medida de prevenção. Estávamos tendo contato com ela por meio de conversas na janela. Só que houve uma onda grande de Covid na pousada neste mês. Solicitamos a realização de exames e houve uma negativa, sendo solicitado de nós o envio de medicamentos. Nós seguimos a solicitação, e todos os dias ligávamos para lá, porque era a única maneira de termos informações, porque sabíamos já de alguns idosos infectados no local. Depois de muita insistência, conseguimos a liberação do exame, por meio de um laboratório particular, que mandamos até lá para realizar o procedimento. Mas, antes de o resultado da minha mãe ficar pronto, a direção da casa nos ligou, avisando que ela estava sendo encaminhada para o hospital, porque não estava bem, e já deixou o local em estado de coma e faleceu, na madrugada do dia 24”, narra a filha da vítima.

Segundo ela, sua mãe deixou a pousada no dia 18 de dezembro. “Como não tinha vaga de UTI na cidade, ela ficou na UPA de São Pedro, aguardando uma vaga. Quando saiu, foi transferida para o Hospital Ana Nery, onde faleceu. Ao longo desse tempo, recebemos a notícia da morte de outros idosos que estavam na pousada. Eu liguei para a Vigilância Epidemiológica e tive a informação de que a instituição seria monitorada”, conta. “Estamos muito preocupados com a situação de quem permanece lá. Acho que está faltando uma atitude, para que outras famílias não passem por esse sofrimento pelo qual passamos. Estamos muito comovidos com essa situação.”

A mãe dela iria completar dois anos de permanência na pousada no próximo mês de abril. “Ela sempre foi muito bem tratada durante este período. Minha mãe sempre foi muito ativa e ajudava as outras pessoas lá dentro. Infelizmente, o que o aconteceu com minha mãe já passou, mas tenho a preocupação com os outros residentes e com as famílias deles. Depois que minha mãe entrou na UPA, não tive mais nenhum contato com ela. Ela foi sepultada no dia de Natal, no Cemitério Municipal, com caixão lacrado. O velório aconteceu em um tempo muito curto. Começou às 13h30, e o sepultamento foi realizado às 15h30, contando apenas com a presença da família.”

Instituição afirma que casos são notificados

De acordo com a enfermeira e responsável técnica pela Pousada Despertar, Antonella Vairo de Almeida, uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI), conforme a Resolução RDC Nº 283 de 2005, é um local de residência, não cabendo, como prevê a sua legislação, a necessidade de médicos no estabelecimento. “É uma casa que recebe os idosos para residir, que precisa ter cuidadores para prestar assistência no dia a dia. Em qualquer necessidade extra, como quando um residente se sentir mal, uma dor estômago, dor de cabeça ou um AVC, todo o atendimento é realizado fora da instituição”, explica.

Ainda como pontua Antonella, a Pousada Despertar existe há mais de 17 anos, e, ao longo deste tempo, aprimora seu trabalho, buscando garantir mais qualidade aos serviços que presta. “Temos a grande maioria do nosso quadro formada por técnicos em enfermagem, garantindo suporte para os residentes e para suas famílias em situações mais comuns que acontecem dentro de uma residência para idoso.”

A enfermeira afirma que desde o início da pandemia, em março, todos os protocolos realizados na instituição são notificados à Vigilância Epidemiológica e Sanitária, à Promotoria do Idoso e aos familiares dos residentes, com a descrição do cenário da situação, dos procedimentos adotados e, caso haja necessidade, de ajuda. “Isso porque temos em contrato que é de responsabilidade da família, no caso de um residente passar mal, em buscar atendimento médico, porque a instituição é apenas o local onde ele vive. Então, desde março, estamos passando por fiscalizações semanais e mensais, sempre fazendo comunicados para as famílias”.

Segundo ela, em junho, a casa teve dois casos de contaminação. Em julho e agosto, um registro em cada mês. “Em todas essas ocorrências, nenhum residente precisou deixar a instituição. Eles receberam atendimento médico, estavam assintomáticos e foram encaminhados para o isolamento de acordo com o protocolo. Depois deste tempo, ninguém mais positivou, e ficamos estáveis até o mês de dezembro”, relata.

Novos casos em dezembro

Entretanto, conforme Antonella, a situação se agravou neste mês de dezembro. “No dia 7 foi quando percebemos um residente com alteração de equilíbrio. Imediatamente, o médico dele foi notificado, assim como sua família. Ele foi medicado, mas teve uma piora dias depois, quando uma ambulância foi acionada e ele foi encaminhado direto para o hospital, no dia 9. Dessa forma, foram tomadas todas as medidas desde o primeiro momento, e assim temos procedido com todos os residentes. Também no dia 9, outra residente foi encaminhada ao hospital, porque apresentou uma falta de ar. Neste mesmo dia, depois dos dois casos, identificamos em outras três pessoas algum tipo de sintoma. Imediatamente, ligamos para a UBS, para a Vigilância Epidemiológica e para a UFJF (Universidade Federal de Juiz de Fora), para a qual solicitamos testes de Covid para essas três pessoas. Os exames foram marcados para o dia 11, quando foram realizados.”

Segundo a enfermeira, “um desses pacientes dividia o quarto com o residente Manoel José Martins, cuja família foi notificada dia 11 a respeito da testagem do colega de quarto, assim como informada sobre dois ficarem em isolamento, já que dividiam o quarto e tinham contato direto. Informamos ainda aos familiares que até aquela sexta-feira, o residente Manoel não tinha apresentado nenhuma alteração, e que o exame dele pela UFJF só poderia ser realizado no dia 13, porque no fim de semana o serviço não funciona. A filha responsável por ele solicitou que tentássemos fazer o exame num laboratório particular e, mesmo não sendo de responsabilidade da instituição, tentamos contato com um laboratório, mas não conseguimos exame para o sábado, e só para a segunda-feira.”

Antonella afirma ainda que Manoel passou a ser monitorado a partir daquele momento. “A filha dele estava viajando e disse que se houvesse qualquer alteração era para entrarmos em contato e tomar as providências necessárias. Então, passamos a monitorá-lo assim como os demais, só que no sábado ele começou a apresentar um desconforto respiratório e, como já tinha histórico de enfisema pulmonar, acionamos a ambulância para que fosse levado para o atendimento necessário. Entramos em contato com a filha, e ela nos disse que não poderia voltar. Ela nos pediu que o encaminhássemos para o hospital e dispuséssemos uma acompanhante para ele. Assim, a instituição, mais uma vez, prestou apoio à família, o que não faz parte das suas atribuições. E ao longo de todo esse tempo, a família foi notificada de todos os procedimentos, assim como as famílias dos três residentes que fizeram o exame pela UFJF e testaram positivo. Também realizamos uma notificação para os familiares de todos os residentes da instituição, demonstrando transparência em todo o processo”.

Como relata a enfermeira e responsável técnica pela pousada, a partir do dia 14, novos casos de infecções surgiram, e todas as famílias foram notificadas, inclusive os familiares da idosa de 82 anos, que preferem não ser identificados. “A filha dela, que assinava como responsável pela residente, foi notificada a respeito da situação. A família enviou a medicação prescrita pela médico e optou por mantê-la na casa, onde ela ficou por mais uns dias até que precisou ir para um hospital, porque observamos que não havia melhora no quadro dela.

Isso foi notificado para a filha responsável, mas quem esteve no local para acompanhar o procedimento foi outra filha. Para ela, foi explicado pelo Samu todo o procedimento, e foi dito que o estado da mãe dela, naquele momento, era estável e que ela poderia ficar na casa, já que não havia vagas em Juiz de Fora. Só se piorasse o quadro, ela deveria ser levada para o hospital, mas foi a própria instituição que disse que a residente deveria ir para um hospital, porque ela tinha um histórico de pneumonia, tendo sido internada duas vezes no ano por essa doença. A instituição não podia correr o risco com ela permanecendo na casa. Assim, ela foi levada para a UPA e transferida três dias depois para o hospital. Todo esse procedimento foi realizado junto com família, que sempre foi comunicada de toda a situação.”

Testagem em massa

No dia 15 de dezembro, de acordo com Antonella, a instituição tomou a iniciativa de testar todos os residentes, a fim de mapear a situação e protegê-los, tomando novas condutas. “Diante das 30 infecções constatadas, separamos no primeiro andar da casa os pacientes que testaram positivo e, no segundo andar, os que testaram negativo, a fim de diminuir o risco de contaminação. Também realizamos uma descontaminação com uma empresa especialista em desinfecção hospitalar para a Covid-19 em todo o imóvel. A equipe que cuida do primeiro andar só presta serviço no primeiro andar, enquanto a outra só cuida do segundo andar. Tudo está sendo realizado de acordo com os protocolos preconizados pelas autoridades de saúde.”

Ela informa que os residentes que estão no atual isolamento estão assintomáticos, e as famílias optaram por deixá-los na instituição. A partir desta quinta, quando terminar a isolamento, a pousada continuará seguindo os protocolos que já vinham sendo seguidos desde março. A responsável também comunica que, ao longo deste tempo, dois funcionários testaram positivo e foram afastados dos serviços. “A perda desses residentes foi muito dolorida para a instituição, porque eram muito queridos e faziam parte de uma grande família”, ressalta.

Monitoramento

A Secretaria de Saúde da Prefeitura de Juiz de Fora informou que o Departamento de Vigilância Sanitária se reuniu, em março, com representantes de todas as instituições de longa permanência da cidade. “Essa ação foi realizada em parceria com o Ministério Público. No encontro, o departamento realizou orientação para manejo adequado dos casos, se fosse necessário em algum momento. Nesse sentido, está o isolamento de casos suspeitos e/ou confirmados dentro da unidade e a verificação da possibilidade da recondução desse morador para a família, em caráter provisório. Além disso, foram orientados a afastar do trabalho os profissionais que apresentassem sintomas da Covid-19”.

Ainda conforme o departamento, ainda é realizado o “monitoramento constante desses serviços, sendo estabelecido que as instituições devem enviar uma planilha semanal relatando o aparecimento de novos casos, sejam eles suspeitos ou confirmados. Especificamente sobre a instituição mencionada, todas as orientações e medidas adotadas constam em documentação”, informa.

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