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Pais temem retrocesso na educação inclusiva em JF

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Reunião realizada na Escola de Governo termina sem diálogo sobre as mudanças no processo da bidocência. Situação deve ser levada para audiência pública na Câmara Municipal (Foto: Olavo Prazeres)

A reunião para debater a questão da bidocência nas escolas da rede municipal terminou sem diálogo entre os pais, os professores e a Prefeitura de Juiz de Fora, na manhã desta sexta-feira (30). Parte dos pais de crianças com deficiências atendidas nas escolas não pôde entrar na reunião na Escola de Governo. Eles fizeram manifestação do lado de fora, reivindicando que a docência compartilhada seja mantida nas escolas. O encontro havia sido solicitado pelo vereador Marlon Siqueira (MDB), e um grupo de vereadores esteve no local para dar continuidade ao diálogo com as secretarias de Educação e Administração e Recursos Humanos. Os parlamentares foram surpreendidos pelo protesto. Uma das reivindicações dos manifestantes é de que todos participassem da reunião, e não apenas dez pais e cinco representantes de entidades, conforme havia sido acordado.

Durante o embate, parte dos presentes teve que deixar o local. Diante da desmobilização, os pais exigiram a remarcação da data do encontro, que, segundo o representante da Secretaria de Governo, Bebeto Faria, ficou para segunda-feira (3), às 8h na Secretaria de Educação. Além disso, a Câmara Municipal também propõe uma audiência sobre o tema para a próxima semana.

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Bebeto Faria afirmou que a administração municipal está aberta ao diálogo. “Trabalhamos para atender aos que ainda estão desassistidos e queremos um bom entendimento com os pais.” Para os familiares, houve uma tentativa de desmobilização do grupo, porque a agenda estava marcada há uma semana na Secretaria de Educação e teria sido alterada para a Escola de Governo, com o objetivo de dispersar o grupo. “Eles prepararam os mesmos slides que já haviam sido apresentados aos diretores das escolas, com uma ordem de cima para baixo. Percebemos que não teríamos direito a falar. Não deixaram o pessoal entrar, mas as famílias são fortes, estão unidas. Contamos apenas com uma parcela dos pais, porque as nossas crianças ficam adoentadas, têm imunidade baixa, não temos com quem deixar, por isso, não puderam vir todos”, explicou a advogada Alessandra Moraes Fernandes, mãe de uma criança com deficiência.

A presidente do Grupo de Apoio a Pais e Profissionais de Pessoas com Autismo de Juiz de Fora e Região (Gappa), Ariene Menezes, ressaltou que parte das crianças do grupo já ficou sem ir à escola nesse ano, por falta de professor de apoio, porque acontecem trocas devido a problemas internos. “Se fica sem o bidocente, ele é impedido de frequentar as aulas. Que confiança temos de deixar nossos filhos à mercê do perigo. Isso já acontece, imagina quando vierem os terceirizados.”

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“Não abaixamos a cabeça e, em protesto a esse ato, decidimos que ou participaríamos todos ou não participaria ninguém. Não tem nada de novo, eles mantiveram a posição de economizar às custas da educação inclusiva. A varredura de retirada dos bidocentes começou esse ano. Eles estão tirando completamente a autoridade dos laudos dos neuro e psiquiatras que cuidam dos nossos filhos, simplesmente, avaliando se a criança sabe ler e se usa o banheiro sozinha. Se ela tem essa autonomia, não precisaria do bidocente. Vamos continuar mobilizados, reivindicando nossos direitos,” disse Ariene.

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‘Perder a capacidade de oportunidades’

O médico e vereador Antônio Aguiar (MDB) deixou, indignado, a reunião na Escola de Governo, após perceber que a Secretaria de Educação não tinha feito qualquer alteração na proposta inicial. Ele explicou que os vereadores tiveram uma sessão, com duração de aproximadamente três horas, com a pasta na última terça-feira (27). Na ocasião, a medida foi detalhada, e os legisladores expuseram suas preocupações, pedindo a revisão do assunto. “Entendemos que o artigo III da Lei Brasileira de Inclusão, em seu artigo XIII, deixa claro que o profissional de apoio precisa ser um professor. Ele seria responsável pela parte pedagógica e também, eventualmente, deve dar um apoio nas questões funcionais. Mas parece que isso está sendo ignorado.”

Foto: Olavo Prazeres

Para o vereador, a solução técnica que as secretarias estão buscando não é compatível com o que as pessoas precisam. “Os conceitos estão sendo interpretados de maneira equivocada. Vamos ter que montar uma comissão na Câmara e ir direto ao prefeito, buscar uma solução por outra via, mostrando esse entendimento, de que haverá prejuízo, caso essa reorganização seja aprovada. Existem pessoas que têm um comprometimento intelectual acentuado, que, dependendo do nível de estimulação pedagógica ao qual são expostas, respondem muito positivamente e dão saltos de desenvolvimentos enormes. Abrir mão da questão pedagógica é quase levar os deficientes a uma sentença de perder a capacidade de ter oportunidades.” Ele lembra que a bidocência foi instituída na cidade em 1994, tornando-se pioneira no assunto.

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Audiência
Após a polêmica na reunião, os pais que estavam na manifestação foram para a Câmara Municipal. O vereador Carlos Alberto Mello (Casal, PTB) propôs um requerimento para que a secretária de Educação, Denise Vieira Franco, vá ao Legislativo falar sobre o assunto. Roberto Cupolillo (Betão, PT) pediu a realização de uma audiência pública em que a secretária esteja presente, ainda em dezembro. O líder do Executivo na Câmara, o vereador Júlio Obama Júnior (PHS), pediu calma a todos e se comprometeu a encaminhar um pedido para que o Município não dê publicidade a nenhum edital de contratação antes que se consiga concluir essa discussão.

Prefeitura
Em nota, a Prefeitura destacou que, em função da limitação de espaço para a reunião da próxima segunda-feira (3), no Centro de Formação do Professor, realizou um credenciamento prévio dos participantes, pais e representantes de entidades, até o fim da tarde dessa sexta-feira (30). Também no comunicado, reiterou que a proposta da reorganização política da inclusão visa à cobertura da demanda atual e a ampliação do âmbito desse atendimento, com a contratação do auxiliar de apoio ao educando.

“Para assegurar ao aluno e aluna com deficiência o acompanhamento individualizado para a realização de atividades funcionais com independência, com vistas ao seu desenvolvimento integral, contribuindo para a qualidade da permanência dos mesmos na escola regular.”

No informe, a PJF ainda reforçou que a contratação do auxiliar de apoio não exclui a possibilidade de disponibilizar um professor para atuação em situações específicas, identificadas, exclusivamente, pelos técnicos da SE. “A análise dessas situações deverá ser realizada considerando unicamente as questões pedagógicas e funcionais. A PJF reafirma a consolidação da educação inclusiva no município, assegurando as condições de acesso e da qualidade do trabalho escolar realizado junto aos alunos e alunas com deficiência, garantindo que não ocorrerá qualquer redução, supressão ou diminuição, nem mesmo parcial, do direito social à inclusão já materializado em âmbito da educação municipal.”

Mães levam preocupações à plenária da Câmara

Durante a sessão na Câmara, quatro mães inscritas levaram à platéia suas angústias e sua indignação sobre todo o contexto da reformulação proposta pela Prefeitura. “O Governo, no geral, tem se mostrado omisso, quando se trata das questões relativas aos deficientes. Eles dizem que as pessoas especiais eram invisíveis, mas elas são é ignoradas. O Poder Público não liga para as necessidades delas. O bidocente dentro da sala de aula é essencial para apurar as habilidades dos nossos filhos. Porque elas existem, só têm uma maneira diferente de serem acessadas”, descreveu Nawane Neves Souza, mãe de uma criança com autismo, que tem dois anos de idade.

“Eu sou mãe e sei que não estou preparada para acessar as habilidades dele (meu filho). É justamente por isso que eu não posso aceitar que uma pessoa, que, assim como eu, não tem essa qualificação para lidar com ele, sem desmerecer quem seja formado no ensino médio. Mas ele não precisa de quem o ajude a aprender a se limpar, comer sozinho, mas de alguém que adapte o conteúdo para ele”, ressaltou Nawane. Ela reclamou que em momento nenhum o Poder Público teria se disposto a ouvir as preocupações dos pais. “Apesar de ele não conseguir verbalizar, é extremamente inteligente. Ele precisa de alguém que esteja preparado para lidar com a deficiência dele. Estou pleiteando um professor bidocente desde junho, mas ainda não consegui, porque não há profissional disponível.”

A professora Luciana Guedes Serpa Palhas vive a angústia com a medida anunciada pela SE duas vezes, tanto no seu ofício, quanto no trato com seu filho que tem deficiência. “Não posso permitir, de maneira alguma, que isso aconteça, tanto por parte dos professores, que se qualificam tanto e correm atrás para trabalhar com esses estudantes, quanto como mãe. Não é justo que terceirizados sem preparação para lidar com as crianças especiais substituam esses profissionais. O prejuízo é enorme. Porque a criança, sem o bidocente, é deixada de lado, porque o educador não tem condição de dar atenção para toda a turma e para o aluno com necessidades especiais. A criança acaba num canto da sala brincando com massinha, ou desenhando, enquanto os demais desenvolvem a parte pedagógica.” Para a professora, o argumento da PJF não se sustenta, porque sobrecarregaria muito o profissional que, além de conduzir e preparar o material das aulas, também teria que ser responsável pelos relatórios e pelo Plano de Desenvolvimento Individual (PDI). “Por isso, continuamos na luta para que se mantenha a contratação de professores para a docência compartilhada.

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