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Moradoras de rua perdem espaço próprio e voltam a ocupar albergue

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Representantes do Sinserpu estiveram em imóvel na Rua Oswaldo Cruz, que estava com placa de aluguel até a última quinta-feira (Foto: Olavo Prazeres)

O atendimento a mulheres em situação de rua e famílias em trânsito, uma conquista do município de Juiz de Fora, está à beira de um retrocesso. Com o fechamento da Casa de Passagem neste sábado, – a Fundação Maria Mãe não se habilitou no chamamento público realizado, em 2017, pela Prefeitura – o serviço deveria ser prestado pela Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (Adra). No entanto, a ADRA ainda não conseguiu o comprovante de inscrição no Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) para essa oferta, o que não habilita a entidade vencedora do certame a iniciar as atividades. Com isso, a Prefeitura colocará, provisoriamente, mais de 20 assistidas no Núcleo do Cidadão de Rua, “até que a nova entidade executora do serviço esteja devidamente inscrita no Conselho Municipal da Assistência Social”, admitiu a Secretaria de Desenvolvimento Social em nota. O núcleo, conhecido como albergue, é habilitado para o atendimento de homens em situação de rua e migrantes para pernoite. Com a capacidade praticamente esgotada em função do inverno, o albergue será improvisado para absorver a demanda feminina.

Pela Resolução Nacional, de 2014, que rege a inscrição de entidades nos conselhos municipais, existem várias etapas de análises dos requerimentos apresentados para obtenção dessa inscrição. A primeira é a avaliação documental, – quando a entidade protocola o requerimento no CMDCA e todos os documentos relativos ao plano de ação, relatório de atividades, estatuto, CNPJ passam a ser analisados. Analisada a documentação, uma comissão realiza a oitiva com a entidade e, a partir daí, o conselho pede uma visita ao local onde o serviço vai funcionar, já que a executora precisa demonstrar capacidade física instalada para prestar o serviço. Além de ter o imóvel, a entidade tem que possuir mobiliário adequado e equipe técnica montada, ou seja, mostrar que está apta para aquela oferta de serviço.

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E é exatamente essa visita que está causando polêmica. No início da semana, representantes da Adra levaram conselheiros a uma casa na Rua Oswaldo Cruz, no Centro. Em tese, o imóvel, que já deveria estar alugado, estava completamente vazio. Uma placa de aluga-se também podia ser vista na entrada e nas janelas. Em contato com uma das imobiliárias que anunciava o imóvel, a informação era de que a casa ainda estava disponível para aluguel até a última quinta-feira. No mesmo dia, a Tribuna acompanhou o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais (Sinserpu), Amarildo Romanazzi, em uma ida ao local após conseguir as chaves junto à imobiliária. “Eu fui lá, e a casa estava à disposição para alugar. Não há estrutura para atender à demanda. Como conseguiram alugar hoje (nesta sexta-feira)?”, questiona o sindicalista.

Amarildo teme irregularidades no processo. Ele vem lutando pela manutenção de 284 postos de trabalho na Amac ameaçados pela mesma reorganização da assistência social da cidade que levou a Fundação Maria Mãe a perder o serviço junto a mulheres em situação de rua. O sindicalista questiona se houve algum tipo de direcionamento do chamamento público para a definição da organização da sociedade civil responsável pela prestação de serviços relativos à Casa de Passagem. Nesta sexta-feira, a reportagem voltou ao local e, desta vez, encontrou uma equipe da Adra realizando adequações no imóvel. Uma mulher que se apresentou como psicóloga da entidade não permitiu a entrada do jornal na edificação e indicou o telefone de uma suposta coordenadora local da Agência Adventista.

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Por telefone, o jornal localizou a representante que assegurou que o contrato de aluguel foi assinado pela entidade na semana passada junto a outra imobiliária. A coordenadora prometeu apresentar, pessoalmente, o contrato, mas, no lugar dela, enviou um terceiro, que se apresentou como “dono da imobiliária que efetuou a locação”. O homem alegou que houve erro da outra imobiliária ao continuar oferecendo uma casa “já alugada”, garantindo que a negociação com a Adra foi iniciada no dia 19 de junho. No entanto, ao mostrar o documento, nesta sexta-feira, 29 de junho, a data de fechamento do negócio era para o dia seguinte: 30 de junho. Já o reconhecimento de firma no cartório apontava o dia 20 de junho. Uma retificação da data de assinatura do contrato indicando o dia 20 foi feita à caneta. Um documento de locação com data de 30 de junho também foi apresentado no CMAS.

Segundo o Conselho, o pedido de inscrição da Adra no colegiado ainda está sendo analisado, não havendo, assim, posicionamento sobre o deferimento ou o indeferimento da requisição. Uma reunião para discutir o assunto será realizada na próxima segunda-feira. E uma nova visita ao local apontado não está descartada.

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Por telefone, o jornal localizou a representante que assegurou que o contrato de aluguel foi assinado pela entidade na semana passada junto a outra imobiliária. A coordenadora prometeu apresentar, pessoalmente, o contrato, mas, no lugar dela, enviou um terceiro, que se apresentou como “dono da imobiliária que efetuou a locação”. O homem alegou que houve erro da outra imobiliária ao continuar oferecendo uma casa “já alugada”, garantindo que a negociação com a Adra foi iniciada no dia 19 de junho. No entanto, ao mostrar o documento, nesta sexta-feira, 29 de junho, a data de fechamento do negócio era para o dia seguinte: 30 de junho. Já o reconhecimento de firma no cartório apontava o dia 20 de junho. Uma retificação da data de assinatura do contrato indicando o dia 20 foi feita à caneta. Um documento de locação com data de 30 de junho também foi apresentado no CMAS.

Segundo o Conselho, o pedido de inscrição da Adra no colegiado ainda está sendo analisado, não havendo, assim, posicionamento sobre o deferimento ou o indeferimento da requisição. Uma reunião para discutir o assunto será realizada na próxima segunda-feira. E uma nova visita ao local apontado não está descartada.

Estopim

O aluguel do referido imóvel parece ter sido o estopim de uma reação do Conselho contra o edital lançado pela Prefeitura que permitiu que uma entidade “sem comprovação de capacidade física instalada” na cidade participasse do chamamento público. Imposto por lei federal, o chamamento público visa a transparência ao estabelecer uma nova relação do poder público com as organizações da sociedade civil para concessão de recursos. Em nota de esclarecimento, o CMAS defende que a inscrição no conselho local é “condição legal” para a atuação de qualquer entidade no âmbito da Política Nacional de Assistência Social, não estando a prestação do serviço apenas “condicionada à vitória nos editais de chamamento público”.

Ainda, segundo a nota de esclarecimento, o CMAS lamentou a “opção técnica e política da Secretaria de Desenvolvimento Social na forma de aplicação do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil por não envolver o controle social e não permitir a efetiva participação do CMAS na origem do processo dos editais de chamamentos públicos lançados ainda em 2017”.

Retrocesso

Quanto à situação das usuárias da Casa de Passagem, a Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS) afirmou que o Município não deixará lacuna para desassistência até que a nova entidade executora do serviço esteja devidamente inscrita no Conselho Municipal de Assistência Social. Para a coordenadora do comitê POP Rua, Fabiana Rabelo dos Santos, no entanto, a colocação provisória das mulheres e das famílias em trânsito no Núcleo Cidadão de Rua é um retrocesso diante da luta empreendida pelos movimentos sociais. “Uma das grandes conquistas para as mulheres em situação de rua foi ter um equipamento próprio para a assistência. A Casa de Passagem permitiu que elas conseguissem sua autonomia e empoderamento. Muitas saíram das ruas e passaram a ser inseridas na sociedade. Agora, elas não terão esse acompanhamento pleno, resultando em quebra do vínculo.”

Para Luciane Aparecida da Silva, 50 anos, assistida pela Casa de Passagem, a incerteza quanto ao futuro é angustiante. “O importante para nós não é apenas o banho e o dormitório, mas a forma como somos tratadas pela Casa de Passagem. Aqui as pessoas param para ouvir a gente”, disse no último dia de funcionamento do serviço.

Já A., 45 anos, que prefere não ser identificada, teme a descontinuidade da atenção. “Trabalho o dia todo e, à noite, vinha para cá, tomava meu banho, jantava e ia dormir. Para mim, não vai ser igual. Deveriam ter vindo aqui antes”, lamentou outra usuária.

 

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