Apesar de ter se consolidado durante os cerca de cinco anos de atuação em Juiz de Fora, o serviço de transporte de passageiros por aplicativos tem sido motivo de reclamação por parte de consumidores e motoristas nos últimos meses. Usuários de diferentes plataformas relatam demora para encontrar carros disponíveis, cancelamentos frequentes de viagens e preços elevados. Os trabalhadores, por sua vez, apontam como causas dos problemas a saída de motoristas da atividade por conta do aumento dos custos com gasolina e com manutenção dos carros, além de dificuldades para obter lucro, já que as plataformas teriam aumentado o valor cobrado dos trabalhadores que atuam no serviço. O problema também tem levado motoristas para o transporte clandestino de passageiros, conforme a Tribuna publicou no início deste mês.
Desde novembro de 2016, quando a Uber começou a operar em Juiz de Fora, a analista de marketing Rafaela Almeida se acostumou com a praticidade e os valores relativamente baixos oferecidos pelas plataformas de transporte por aplicativo. “Quando a Uber chegou, realmente parecia uma alternativa excelente (…), e comecei a utilizar com frequência”, lembra. Entretanto, nos últimos três meses, diz Rafaela, a qualidade do serviço oferecido pelas plataformas não tem sido a mesma. “Hoje, são frequentes os casos de cancelamentos, corridas com até 20 minutos para chegada do motorista, carros sujos e pouca receptividade dos profissionais”, relata.
A estudante Ana Heloísa Pena também tem enfrentado dificuldades para conseguir motoristas. “Ultimamente, as corridas estão mais caras, e tem sido difícil encontrar um motorista. A maioria tem cancelado logo após aceitar a corrida e perceber que o valor não compensa o deslocamento”, diz. Se antes ela utilizava os aplicativos de transporte diariamente, agora, a estudante passou a optar pelo transporte público. “Tanto o preço quanto a dificuldade de encontrar motorista estão tornando o serviço inviável para mim”, justifica.
Para os trabalhadores que atuam no serviço, entretanto, as reclamações dos usuários são consequências de problemas que a categoria que atua no serviço tem enfrentado. Com a diminuição do número de motoristas associados às plataformas, há menos carros rodando, o que consequentemente aumenta o tempo de espera para os passageiros e o valor das corridas, por conta da chamada “tarifa dinâmica” imposta pelos aplicativos. Além disso, os motoristas buscam corridas mais lucrativas, visto que as plataformas ficam com parte do valor obtido.
Associação estima queda no número de motoristas
A categoria aponta que tem ocorrido uma “evasão” de motoristas, que estão deixando de atuar nas plataformas por conta do aumento dos custos de manutenção com os veículos e do valor da gasolina, cujo litro já chega a R$ 6,49 na cidade. Apesar disso, segundo a Associação de Motoristas de Aplicativo de Juiz de Fora (Amoaplic/JF), as taxas cobradas pelas viagens aos passageiros não foram alteradas pelos aplicativos, tornando o serviço menos atrativo para os trabalhadores, principalmente para aqueles que trabalham com automóveis alugados.
A Amoaplic, que representa os motoristas a nível municipal, garante haver queda no número de condutores atuando na cidade, apesar de os aplicativos não divulgarem oficialmente dados a respeito desse engajamento. A entidade calcula que, atualmente, 2.500 motoristas estejam atuando em Juiz de Fora, número que era estimado em cerca de cinco mil antes da pandemia. “O combustível está caro demais, não está dando para a gente aguentar”, lamenta o presidente da associação, Júlio César Peixe.
Aplicativo próprio
A entidade também critica duramente os aplicativos, sobretudo os mais populares, pela falta de reajuste tarifário e por não estabelecer um diálogo com a categoria. “Nós estamos pensando em fazer um aplicativo local e esquecer Uber e 99. Porque, com um aplicativo local, a gente vê o que é melhor para o usuário e para o motorista. Do jeito que está, sem aumentar a tarifa, não tem como”, argumenta Peixe. “O motorista trabalhando de dez a 15 horas por dia, vai bater com o carro. Nós não somos máquinas, nós temos limites. Essas empresas estão fazendo com que os pais de família trabalhem acima dos limites deles todos os dias”, afirma.
Plataformas garantem trabalhar para melhorar serviço
A Tribuna apresentou as reclamações de motoristas e de usuários às plataformas Uber e 99, que, segundo a Amoaplic, são as mais populares em Juiz de Fora. As empresas admitiram que há aumento na demanda por corridas, o que pode resultar em aumento do tempo de espera para os consumidores, mas garantiram que trabalham para melhorar a experiência tanto de motoristas como de usuários.
Em contato via assessoria, a Uber atribuiu o maior período de espera dos usuários por motoristas à maior demanda, sobretudo nos horários de pico. “A demanda elevada significa que o app da Uber está tocando sem parar para os parceiros, situação em que eles relatam se sentirem mais confortáveis para recusar viagens, pois sabem que virão outros chamados na sequência, possivelmente com ganhos maiores”, afirma. Para reduzir o tempo de espera, a Uber elenca o preço dinâmico e promoções a motoristas parceiros como formas de sanar o problema.
Sobre a taxa cobrada dos motoristas pelo aplicativo, a empresa afirmou que, desde 2018, é variável, mas que em todas as viagens o trabalhador “fica com a maior parte do valor pago pelo usuário”. A Uber admitiu a alta nos gastos dos colaboradores, garantindo que adota “diversas medidas sociais para auxiliar o enfrentamento à pandemia e desde o início mantém um fundo para apoiar motoristas parceiros”.
Já a plataforma 99, também via assessoria, relatou passar por um período de aumento no número de chamadas, “que pode impactar no tempo de espera do passageiro”. Por conta das demandas de motoristas e usuários, a empresa diz preparar um pacote de iniciativas “voltadas para a melhoria dos ganhos e da experiência na plataforma”. As mudanças incluem a retirada da taxa cobrada pela plataforma em dias específicos, aumento de ganhos por corrida realizada em determinados períodos e reformulação do sistema de reembolso.
“A 99 esclarece ainda que os motoristas parceiros têm a liberdade de definir sua jornada de trabalho junto à plataforma, estabelecendo dias e horários que irão oferecer seu serviço, mas trabalhamos continuamente para garantir uma melhor experiência para todos os usuários: passageiros e motoristas”, garante a empresa de transporte.
Seleção de corridas e horários mais lucrativos
A possibilidade de o motorista trabalhar em dias e horários escolhidos por ele, sem interferência das empresas, era considerada uma das vantagens de atuar no serviço de transporte por aplicativo desde a sua implantação em Juiz de Fora, que teve início com a Uber, em novembro de 2016. Entretanto, atualmente, os motoristas usam desta prerrogativa para tentar aumentar seus ganhos, selecionando corridas e horários mais lucrativos, ou, até mesmo, estendendo seu horário de trabalho por muitas horas diárias.
É o caso do motorista Rômulo Carvalho. A dificuldade em obter lucro levou o trabalhador a tirar somente uma folga por semana, o que ele ainda considera como uma “melhoria recente”. Em determinados momentos da pandemia, ele não se permitia ter folga, e as horas trabalhadas chegavam a ultrapassar o limite de 12 horas diárias. “Várias vezes, eu trabalhava o dia inteiro e, quando eu chegava em casa, tinha R$ 40 de lucro”, relata. “Cheguei a atrasar cinco parcelas do meu carro e contas de água e luz, porque eu tinha que me alimentar”, lembra o condutor, que é casado e pai de uma criança de 3 anos.
As condições adversas quase fizeram Rômulo Carvalho desistir da profissão durante a pandemia. “Eu tive que começar a selecionar os horários. Às vezes, eu tinha que pegar o passageiro longe, gastava R$ 6 em combustível só para ir e, chegando lá, a corrida dava R$ 4,50. Eu estava trabalhando de graça para a plataforma”, relata o motorista.
Mesmo quem ainda consegue obter lucro faz seleções cuidadosas de corridas e horários para atuar no serviço – fator que contribui para que usuários tenham dificuldades em conseguir corridas em determinados horários ou regiões da cidade. Motorista de aplicativo desde 2017, Sóstenes Josué afirma ser necessário fazer adaptações no método de trabalho compreendendo as mecânicas dos aplicativos. “Hoje, eu consigo detectar se a corrida é boa ou ruim, se eu vou fazer ou não”, explica Josué.
A lógica utilizada pelo motorista é simples: o carro deve estar sempre com passageiro. Desse modo, a prioridade é dada às corridas com destino a bairros de maior demanda e em horários mais visados, para terminar uma viagem e iniciar outra sem precisar se deslocar com o carro vazio. Seguindo o plano, bairros periféricos são desprestigiados, sobretudo em horários alternativos. “Se eu for para o Igrejinha, muitas vezes eu vou ter que ir até Benfica (com o carro) vazio. Se a plataforma colocasse um preço diferenciado para ir até essas localidades, ficaria legal”, propõe Josué, que ainda elenca a utilização do Gás Natural Veicular (GNV) como fundamental para ter melhor ganho, por ser um combustível mais barato do que a gasolina e o etanol.
Regulamentação está ‘em estudo’, segundo a PJF
Apesar de diversas tentativas em torno da regulamentação do transporte por aplicativo, pelo menos, desde 2018, ainda não há legislação municipal sobre o tema em Juiz de Fora. De acordo com o presidente da Amoaplic, Júlio César Peixe, a associação está em articulação com a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) para destravar a pauta, que continua sem resolução. “Nós estamos em conversa com o Município para fazer a nossa regulamentação e colocar responsabilidade em cima deles (das empresas)”, diz.
Os debates em torno da regulamentação do transporte por aplicativo são alvo de polêmicas. Além da possibilidade de o serviço passar a ser fiscalizado pelo Município, as primeiras propostas visavam a estabelecer uma quantidade máxima de veículos associados às plataformas por conta da competição com o serviço de táxi e o estabelecimento de locais específicos para embarque e desembarque de passageiros.
Em fevereiro de 2019, uma audiência pública realizada na Câmara Municipal foi marcada por confusão e protesto dos condutores no plenário da Casa, insatisfeitos com a proposta que era debatida. O assunto não vingou naquele ano, e voltou à pauta da Câmara em 2020, novamente, gerando insatisfação nos motoristas, que alegavam interesse dos vereadores em aprovar a legislação “a toque de caixa” na última sessão do ano. Entretanto, não houve tempo hábil para aprovação, e a proposta foi arquivada.
Questionada pela Tribuna sobre o tema, a PJF afirmou que “está construindo uma nova proposta envolvendo os profissionais da área e que atenda também o que prevê as legislações pertinentes”. Segundo a Prefeitura, estão sendo realizados estudos “para buscar garantias e diminuir a precarização das relações de trabalho da categoria”, em planejamento que conta com representantes dos motoristas.
A reportagem também questionou se a proposta elaborada anteriormente pelo Legislativo poderia ser aproveitada pelo Executivo, mas a PJF se limitou a dizer que “está sendo estudado”. “A atual administração está tentando agilizar ao máximo todo o processo, mas, elaborando estudos que garantam a melhoria das condições de trabalho dos motoristas e da qualidade do serviço para o usuário. O transporte por aplicativo compõe o sistema de transporte urbano da cidade e não pode ser estudado isoladamente”, complementa a Administração municipal, sem dar prazo para que uma proposta final seja apresentada.
Já o presidente da Comissão de Urbanismo, vereador José Márcio (Garotinho, PV) avalia que é “urgente” a regulamentação da atividade, apontando também o combate ao transporte clandestino e a adequação do serviço de táxi como outras medidas necessárias no setor. “Esperamos que o Executivo possa encaminhar o mais breve possível a proposta de regulamentação para a Câmara novamente, bem como a adoção de medidas enumeradas”, diz o vereador.