A Associação dos Guardas Municipais de Juiz de Fora divulgou uma nota de repúdio, nesta segunda-feira (28), manifestando seu “descontentamento com a forma como o comando tem, continuamente, empenhado seu efetivo no serviço operacional, mesmo diante de restrições de cunho psicológico ou de saúde, ou risco iminente à própria vida do profissional, sem nenhum critério estratégico e/ou técnico”. A declaração acontece uma semana depois de um guarda municipal de 46 anos apresentar possível surto psicótico, durante recente retorno ao trabalho, e disparar uma pistola de choque contra um consultor de vendas, 34, atingido por dardo na altura da costela esquerda, na Rua Marechal Deodoro, Centro. Após o episódio, outro servidor da mesma instituição, 48, afastado por questões psiquiátricas há um ano, procurou a Tribuna: “O comando não faz nenhuma avaliação quando a pessoa volta do tratamento e já a coloca diretamente para trabalhar na rua com todos os equipamentos. Para eles, somos um a mais ou um a menos. Falta o lado humano.”
O guarda municipal, que preferiu não se identificar na reportagem, é solidário ao colega envolvido na ocorrência. Eles sempre se encontravam no Departamento de Ambiência Organizacional (Damor), vinculado à Secretaria de Administração e Recursos Humanos da Prefeitura. “Estávamos afastados há quase um ano por transtornos psiquiátricos. Tomamos remédios fortes, o que nos causa efeitos colaterais diversos. Nunca tivemos apoio. Eles nunca pediram uma avaliação nossa ao Damor, para saber se estávamos reagindo bem ao tratamento psiquiátrico e psicológico.”
Segundo o servidor, toda semana, eles são obrigados a apresentar ao departamento um laudo de psiquiatra e todo mês passam por perícia. De quatro a seis meses, são submetidos a uma junta médica. “É uma tortura, pois em poucos minutos temos que relatar tudo o que estamos sofrendo com a depressão e a ansiedade.” O guarda acredita ter ocorrido falha no caso do colega. “Ele teve alta, depois de quase um ano de tratamento. Logo o escalaram para as ruas, sem avaliação se ele poderia usar a arma de choque ou se estava realmente em condições psicológicas. Infelizmente, o resultado foi um surto psicótico.”
O profissional afirma ter ficado abalado quando ele mesmo foi escalado para atuar no Parque Halfeld, considerado uma “zona quente”. “No final de agosto, meu atestado não chegou a tempo ao comando, devido ao atraso de malotes. Para meu espanto, meu nome apareceu na escala de serviço, cumprindo férias no mês de setembro e, depois, retornando ao serviço no Parque Halfeld. Como eu, em tratamento psiquiátrico há um ano, se estivesse realmente liberado para o trabalho, iria ser escalado num posto em que o guarda precisa ter toda a sua habilidade, função e estrutura psicológica para trabalhar?” O servidor revela, ainda, ter começado a se sentir mal no ano passado, ao ser informado sobre uma escala que deveria cumprir de 1h da madrugada às 7h da manhã no Centro de Atenção Psicossocial (Caps) da Rua Silva Jardim. Ele foi afastado antes de começar no horário.
Na nota de repúdio, assinada pelo presidente da Associação dos Guardas Municipais, Cristian Morais, a entidade afirma que a administração “toma o profissional como apenas um número, se exime de suas responsabilidades enquanto gestão de pessoas e ignora o aspecto essencialmente humano do trabalho, visto que lidar com as pressões e demandas extenuantes do dia a dia do guarda municipal exige equilíbrio e alto controle emocional”. Ainda conforme a associação, o profissional envolvido no episódio de surto, junto com outra servidora, chegou a ser rendido com arma de fogo na cabeça em 2009, quando não teriam recebido apoio psicológico.
Para a entidade, após ser liberado pela perícia, o servidor deveria ter passado por um período de readaptação. “Historicamente, a Guarda Municipal ignora as questões de risco e desgaste a que estão incessantemente submetidos os profissionais pela própria natureza do serviço, e menospreza o valor do bem-estar dos servidores para a realização de um trabalho de qualidade para a população de Juiz de Fora.”
Secretário anuncia criação de GM Vida Saúde
Procurado pela Tribuna, o secretário de Segurança Urbana e Cidadania, José Sóter de Figueirôa, afirmou que, em 11 anos de existência da Guarda Municipal, o episódio envolvendo um possível surto de servidor foi o primeiro do tipo. “Quem define as restrições não somos nós. Ele foi habilitado, o que não impede que façamos monitoramento.”
Figueirôa reconhece o estresse causado pelas profissões da área de segurança pública e anunciou a criação do projeto GM Vida Saúde. “Resolvemos antecipar algumas medidas do plano de ações, com 42 propostas para serem executadas até 2020, com vista à valorização da Guarda. Vamos investir nesse programa de saúde física e mental, que consiste em um acompanhamento mais próximo por parte do Damor, com médico, psicólogo e assistente social analisando caso a caso.” Paralelamente, segundo ele, os servidores poderão usufruir de uma academia já montada na sede da instituição.
A Guarda Municipal é composta por 93 servidores e outros 24 começam a atuar no próximo mês. “Nossos recursos humanos ainda são limitados, mas queremos trabalhar com rondas que ampliam a sensação de segurança”, antecipa. Sobre o caso da semana passada, o secretário diz aguardar o relatório da Corregedoria e o laudo médico do HPS, além do boletim de ocorrência, para tomar as medidas administrativas internas. “Estou à disposição da Associação dos Guardas Municipais e aberto para discutir”, garante.