Aquele domingo tinha tudo para ser especial. Além de Dia das Mães, o 8 de maio marcava a decisão do Campeonato Carioca, quando Botafogo e Vasco se enfrentariam. Apaixonado pelo clube da estrela solitária, o professor de educação física da rede municipal de Juiz de Fora, Edson Martins Dunga, 56 anos, decidiu viajar com a filha de 21 anos, Nadia Dunga, e o namorado dela, Murilo Gomes Rocha, 20, para o Rio, onde assistiriam juntos à final no Maracanã. O jogo terminou empatado, o que rendeu a vitória ao Vasco. Independentemente do resultado, assistir a partida tinha valido à pena. Após a disputa, o professor entrou no seu Toyota Corolla 2008 e dirigiu do Rio em direção à cidade. Na BR-040, porém, próximo à entrada de Petrópolis (RJ), o carro rodou na pista e capotou pelo menos cinco vezes, caindo de uma altura de 30 metros e indo parar na pista oposta da rodovia, exatamente no km 72 que liga Juiz de Fora ao Rio. Quase dois meses após o desastre que feriu dois dos três ocupantes do automóvel, Edson foi surpreendido com a conta. A Concer cobra dele R$ 29.614,62 por danos causados ao patrimônio rodoviário, no caso um poste de radar que foi derrubado na batida.
As primeiras cobranças da concessionária ocorreram via SMS em junho. O conteúdo da mensagem não indicava o remetente, apenas comunicava tratar-se de assunto extrajudicial. “Ainda não identificamos seu retorno. Retorne com urgência e evite ser notificado. Ligue 0800-0336780”, informou o aviso que o servidor público recebeu no celular. Pensando tratar-se de um golpe, Edson questionou: “Quem quer que eu ligue de volta? Qual o motivo? Se não se identificar, não retornarei.”
Depois disso, o professor recebeu uma carta, datada de 8 de julho, que faz referência a danos ao patrimônio rodoviário. No documento, a procuradora da Concer – o Grupo CQuatro – explica tratar-se de um processo de cobrança administrativa e diz que o usuário tem prazo de 72 horas a partir do recebimento daquela comunicação para entrar em contato com a central de atendimento. “Caso possua seguro privado, favor comunicar ao responsável os dados de sua seguradora e apólice, onde o mesmo tomará as providências para ressarcimento.”
Ainda desconfiado, Edson entrou em contato com o número de telefone informado. Foi quando soube que devia quase R$ 30 mil à Concer. A confirmação veio através de nova carta, datada de 19 de julho, na qual a procuradora informava ao usuário da rodovia sobre a existência de processo administrativo referente a um poste radar atingido por Edson após o capotamento do veículo. “Solicitamos ressarcimento do prejuízo exposto (…) em cheque nominativo em favor da Concer”, afirmou o Grupo CQuatro na nova comunicação. “Após dois meses de um desastre horrível, estamos recebendo a conta através de cartas não registradas e que não indicam nada oficial da parte deles. Estou me sentindo ultrajado pela forma como a Concer está conduzindo as coisas, além do constrangimento de ser cobrado via SMS”, declarou o professor.
Cobrança é legal, mas gera polêmica
No caso de Edson, o Boletim de Acidente de Trânsito (BAT), preenchido pela Polícia Rodoviária Federal, informa que não havia vestígio de ingestão de álcool no motorista. Diz, ainda, que os pneus do veículo estavam em bom estado, que a pista estava molhada, havia nevoeiro e que, na área do acidente, não existia defensa metálica. A Concer informou que o trecho em questão é devidamente sinalizado e que, conforme o BAT, a rodovia encontrava-se em conformidade e em bom estado de conservação. Sobre a ausência de defensa metálica no trecho, a concessionária afirma que “há uma proteção de barreira rígida que está de acordo com os padrões oficiais vigentes.” Ainda segundo declarações da Concer, não havia marcas de frenagem na pista e nenhuma anomalia na rodovia que pudesse contribuir para a causa do acidente. Apesar da declaração, não houve perícia no local do sinistro. “Para mim, existe um erro grave de engenharia. Essa barreira citada pela Concer é baixa e não foi suficiente para segurar o carro, tanto é que eu caí”, afirma Edson.
A advogada consultada pela Tribuna, Bianca Motta Reis, admite que, tecnicamente, a Concer tem competência para fazer uma cobrança, mas questiona a forma como ela está sendo feita. “Ela teria que provar que a culpa do acidente foi do motorista e também instruir mais a carta que comunica essa cobrança. Para que essa dívida seja considerada efetivamente da parte, é necessário que seja comprovado que ela deu causa ao prejuízo sofrido, que a culpa foi do motorista. Enquanto essa questão está no limbo, essa cobrança, além de ser agressiva, é totalmente atípica”, opina.
Veículo sofreu perda total
O professor Edson Martins Dunga, a filha dele e o namorado da jovem têm consciência de que nasceram de novo. Os três usavam cinto de segurança no momento do acidente ocorrido por volta das 20h30 daquele domingo, o que impediu que sofressem danos maiores. O carro em que eles estavam só parou ao se chocar com o radar e o veículo, que não tem seguro, sofreu perda total. O professor da rede municipal acredita que perdeu o controle do carro por conta de óleo na pista, mas a Polícia Rodoviária Federal (PRF) não constatou o problema. A velocidade do veículo também não foi informada no Boletim de Acidente de Trânsito.
Nadia, que é estudante de engenharia mecatrônica no IF-Sudeste, teve o pé direito lesionado durante o capotamento, já que o pé dela ralou no asfalto durante a queda. Murilo, o namorado dela, teve um corte no rosto e precisou ficar dois dias internado por uma suspeita de contusão no pulmão. Edson, que recusou atendimento na pista da rodovia pedagiada para acompanhar a filha na ambulância da Concer – que só poderia transportar duas vítimas por veículo -, também foi atendido no Hospital Santa Teresa, localizado no Centro de Petrópolis.
“Foi tudo muito rápido, a gente só viu tudo rodando e o clarão do airbag. O capotamento causa uma sensação muito desesperadora. A gente pensa que vai morrer”, diz Edson, que recebeu o primeiro atendimento de uma médica que trafegava pelo local. Uma ambulância da Concer foi deslocada para a área do acidente, quando Nadia e Murilo foram atendidos. O professor considerou a equipe de socorro despreparada. “As pessoas que nos prestaram um serviço realmente humanitário foram os motoristas que pararam no local”, diz o professor.
Segundo a Concer, os profissionais dos serviços de assistência médica e mecânica da concessionária recebem treinamento prático e teórico periódico. “O serviço médico atendeu a 4.730 ocorrências e prestou outros 1.446 atendimentos clínicos (não provenientes de acidentes) em 2015, sendo um dos mais bem avaliados pelos usuários em sucessivas pesquisas de satisfação conduzidas anualmente pelo Vox Populi. Na mais recente pesquisa, 94,4% dos mil usuários entrevistados aprovaram o serviço, não sendo comum queixas de mau atendimento ou má conduta. Por questão de procedimento técnico e operacional, cada unidade de resgate (ambulância) só pode transportar duas vítimas por deslocamento. Em casos com um número maior de vítimas, uma segunda unidade é acionada.”