Os olhos azuis claríssimos chegam a parecer que têm água dentro, de tanto que brilham enquanto Xororó posa com dois pratos da iguaria que fez com que de lavrador na infância e adolescência, ele se tornasse empresário. “Esse torresmo aqui vale ouro, não é a toa que ele é douradinho (risos). O de ponta chega a acabar no fim de semana, de tanto que o povo pede”, diz Nilton do Couto Oliveira, de 57 anos, referindo-se à parte mais nobre da barriga de porco, que dá origem, ao autointitulado “melhor torresmo do Brasil”, no famosíssimo Bar do Bigode. Ou melhor, Bar do Bigode e Xororó.
“Tenho muito orgulho de ver meu nome nesta placa”, diz ele, enquanto observa a fachada do boteco na Rua Oswaldo Aranha, não raramente referida como a “Rua do Bigode”. “E Xororó”, ele completa. Longe de qualquer vaidade, a satisfação em ver seu nome batizando o estabelecimento que teve muito de seu suor vem do desejo de celebrar a conquista. “Desde 5 anos de idade eu já trabalhava na roça, ordenhando vaca, cuidando de curral, no plantio… Aqui em Juiz de Fora, trabalhei como trocador de ônibus na Viação Santa Luzia, depois em uma pastelaria, e vim para um bar na esquina da Oswaldo Aranha, o Amazonas. Depois de um tempo, o Bigode e o João (irmão e sócio dele) me chamaram para trabalhar aqui e eu aceitei. Trabalhei seis anos como garçom e hoje sou dono. Sou muito feliz por ter ralado tanto e construído esta história”, conta Xororó.
O apelido, aliás, vem da época do Bar Amazonas, por causa do corte de cabelo imitadíssimo por homens e mulheres entre os anos 80 e 90, deixando fotos constrangedoras para muita gente, mas para Xororó uma identidade que ficou no metiê botequeiro. “Ô Xororó! E aí, Xororó? Beleza, Xororó?”, gritam vários que passam por nós ao longo da entrevista. “Eu usava aquele cabelinho comprido e arrepiado que o Chitãozinho e o Xororó usavam, lembra? Aí ficou. Mas eu gostei!”, relembra Nilton.
“Adoro ter começado a vida na roça”
Nascido e criado na pequeníssima Santo Antônio do Aventureiro, a cerca de 80 km de Juiz de Fora e que não chega a ter 5 mil habitantes, Nilton fala honrado do passado simples, sendo um dos mais velhos de 11 irmãos, “vinte se estivesse todo mundo vivo”, diz Xororó. “A gente teve uma infância muito feliz na roça, adoro ter começado a vida lá. Eu nunca tive medo de trabalhar. Até hoje, no bar, não é porque sou um dos donos que deixo de fazer qualquer trabalho. Tem garçom ocupado? Eu atendo mesa. Banheiro está sujo? Eu lavo. Não tenho vaidade alguma com trabalho”, conta o empresário, que em 1993 tornou-se sócio de Vicente, o Bigode e João, os irmãos que eram donos do bar na época. Atualmente, Adriano, irmão de Xororó, também é parte da sociedade.
Zelar pelos irmãos sempre foi, inclusive, uma prioridade para Xororó. “As coisas iam melhorando e eu ia trazendo um por um da roça. Eles jogavam a enxada de lado e vinham felizes, ‘chegou minha vez!’, (risos). Eu ensinava a trabalhar, encontrava emprego… Hoje minha família está toda aqui. Abrimos uma pastelaria só dos irmãos e eu morro de orgulho de ver todo mundo trabalhando, e sendo dono do próprio negócio”, conta Nilton.
Os pais, Sinval e Efigênia, também vieram para a cidade, deixando Santo Antônio do Aventureiro na memória afetiva da família. “Minha mãe, com 79 anos, é uma menininha, e toma mais cerveja que eu e meus irmãos (risos). Meu pai é a única saudade que eu tenho, já faleceu. Lembro-me muito do carinho que ele tinha com a gente a vida toda, e ele era um cara muito legal, gente boa mesmo, todos gostavam dele”, revela Nilton. Ouço mais um “Ô Xororó!”, seguido de sorrisos e um aperto de mão, e descubro que a característica é hereditária.
“Fico arrepiado quando o bar está lotado”
Segundo Xororó, sua especialidade como empresário são as vendas. “Eu vendo qualquer coisa mesmo. Modéstia a parte, sou bom de conversa. Se você me pede um torresmo, te vendo dois”, brinca ele, ajeitando a aba do boné, uma de suas marcas registradas. “Na roça, usava muito chapéu, acostumei a usar alguma coisa, mas hoje em dia é o bonezinho. No mais, estou sempre assim, de bermuda, bem tranquilão. Só uso calça quando a gente vai em alguma festa, ou uma ocasião que peça mesmo. Ah, quando está muuuuuito frio também! (risos)”, conta ele.
Pai de quatro, duas mulheres, uma de 31 e outra de 21; e dois meninos, um de 11 e um de 10, estar com a família é uma das alegrias na vida de Xororó. “Temos uma convivência muito boa. As meninas, mais velhas, são mais amigas mesmo, e com os meninos eu me divirto com as brincadeiras”, conta o empresário, que adora passar fins de semana em família em sua granja, ou pegar a estrada e ir para Cabo Frio. “É quase um bairro de Juiz de Fora, né? (risos) Gosto demais daquele lugar, vou sempre.”
A realização profissional também é parte importante de sua felicidade. “Desde que eu era garçom e ganhava 10% das vendas, eu ficava doido quando o bar estava cheio, era uma alegria. Claro que eu gostava de ganhar mais dinheiro, mas era o movimento que me deixava feliz. Até hoje, quando passo aqui e o bar está lotado, fico arrepiado. Penso assim : ‘todo mundo gosta da gente’. Isso é muito bom, né?.”
“Se não der certo, não era para ser meu”
Da loja que existe desde a abertura do bar, em 1965, antes até de Xororó emprestar seu nome ao estabelecimento, uma lembrança dos clientes mais atentos e um tanto mais antigos era um painel pintado no local que hoje abriga as escadas de acesso a uma sobreloja. “Era uma fazendinha, com porquinhos, curral, e um motoboy levando os torresmos. (risos) Mas ela faz referência ao nosso passado na roça. Eu em Santo Antônio do Aventureiro e o Bigode e o João em Ervália. A fazendinha pintada era tentando lembrar a que eles venderam antes de começarem e ter bar”, conta o empresário.
Da na Oswaldo Aranha, o Bar do Bigode e Xororó se tornou um complexo botequeiro em um trecho da rua, e os planos são de ir ainda mais longe. “Meu sonho é abrir franquias, no Rio, em São Paulo, até aqui mesmo em outros bairros: Benfica, Alto dos Passos… mas ainda não encontramos a oportunidade certa”, revela Xororó. Além dos sonhos de expansão, Xororó deseja pouco da vida, já que se considera um vencedor da loteria ao ter encontrado sua esposa Vanessa, de 29 anos, seu quarto casamento. “Sinto que ela me ama de verdade e isso é muita sorte. Sou louco por ela e para mim, fechar o bar à meia-noite, uma da manhã e encontrá-la sorrindo é o que eu preciso”, conta ele, romântico. “Ih, ela vai adorar ler isso no jornal! (risos)”.
Bem-sucedido no amor e nos negócios, Xororó só quer mesmo é saúde. “Tendo saúde, eu posso até quebrar, mas trabalho o quanto for e consigo reconstruir minha vida. Só peço a Deus para estar bem. Tudo que fiz até hoje, deu certo, e se não der,é porque não era para ser meu.”