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Chegada de pacientes do Rio com Covid-19 preocupa juiz-foranos

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Sem barreiras sanitárias nas fronteiras de Minas Gerais que possam organizar os fluxos viários durante a pandemia, Juiz de Fora convive, pelo menos desde a última semana, com a chegada de pacientes do Estado do Rio de Janeiro em busca de atendimento médico, alguns deles com sintomas de infecção pelo novo coronavírus. Até esta terça-feira (28), quatro fluminenses com sintomas da doença haviam sido atendidos no HPS. Um deles, de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, está no CTI, enquanto dois da capital permanecem internados na enfermaria, sendo que um deu entrada nesta terça. O quarto é de Três Rios e já teve alta. Moradores do Rio também têm comparecido às Unidades de Pronto Atendimento (UPAs). Só na UPA Norte, desde a semana passada, foram seis pacientes, mas nem todos com sinais de Covid-19: dois, de Volta Redonda, foram levados de ambulância após acidente automobilístico; outros dois, residentes da capital, estavam a passeio na cidade e apresentavam dores no corpo; os demais, de Duque de Caxias, na Baixada, tinham problemas respiratórios, considerados os mais comuns sintomas da Covid-19. Todos os seis já foram liberados.

O temor é que o sistema de saúde da cidade, que já funciona como referência para outros 93 municípios da Macrorregião Sanitária Sudeste de Minas Gerais, que reúne população estimada em 1,6 milhão de habitantes, fique ainda mais sobrecarregado neste momento tão conturbado. A preocupação chegou à Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) e, nesta terça-feira (28), o prefeito Antônio Almas (PSDB) conversou com o secretário de Estado de Saúde, Carlos Eduardo Amaral, sobre a questão envolvendo a vinda de pacientes do estado do Rio de Janeiro para a rede pública da cidade. Como é uma situação que envolve a relação federativa entre dois estados, o chefe do Executivo solicitou ao Governo de Minas diretrizes de atuação. Se for para atender os pacientes de outros estados, segundo o prefeito, o Município vai precisar de reforço na infraestrutura, pois o planejamento atual contempla apenas pacientes da região sanitária.

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Segundo o último boletim divulgado nesta terça pelo Ministério da Saúde, o Rio de Janeiro é o segundo estado do país com maior número de casos da Covid-19, atrás de São Paulo, com 8.504 confirmações e 738 mortes. Minas, por sua vez, tem 1.649 casos confirmados e 71 óbitos. Diante desse quadro grave no Rio, também há relatos de fluminenses procurando atendimento médico em hospitais da rede particular de Juiz de Fora. A PJF destacou que a decisão de montar barreiras sanitárias deveria partir do Estado, já que a BR-040, principal via de ligação com o Rio de Janeiro, é uma rodovia federal. Uma inspeção na Avenida Deusdedit Salgado, considerada a principal via de acesso ao município, não é vista como medida eficiente pelo Município, já que a cidade conta com muitas outras “portas de entrada”.

Uma ação na Avenida Deusdedit Salgado, considerada a principal via de acesso a Juiz de Fora, não é vista como medida eficiente pelo Município, já que a cidade conta com muitas outras “portas de entrada” (Foto: Fernando Priamo)

Denúncias

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Informações de que dois fluminenses estariam internados no HPS, um deles no terceiro andar, destinado aos pacientes com suspeita de infecção pelo novo coronavírus, e outro no CTI, foram recebidas pelo Sindicato dos Médicos nesta terça. A entidade solicitou ao Conselho Municipal, à Ouvidoria e à Secretaria de Saúde que cobrem providências em relação a barreiras sanitárias nas entradas e saídas de Juiz de Fora. “Recebemos denúncias de que, no último fim de semana, pacientes chegaram em carros particulares, oriundos do Rio de Janeiro, com suspeita de diagnóstico de Covid-19. Foram internados no HPS. Além do mais, temos relatos, por parte da Ouvidoria, de que pacientes do Rio estão chegando nas UPAs e forçando para tirar cartão SUS, querendo ser encaminhados para hospitais. Diante dessa situação muito complicada – nosso medo é que nossos leitos sejam, daqui a pouco, ocupados por pacientes do Rio de Janeiro -, mandamos encaminhamento para ver se vão tomar alguma medida. Temos medo do agravamento dessa situação nos próximos dias”, disparou o presidente da entidade, Gilson Salomão.

Informado sobre a situação pelo Sindicato dos Médicos, o secretário executivo do Conselho Municipal de Saúde, Jorge Ramos, ressaltou que o Plano de Contingência (da Macrorregião Sanitária Sudeste) foi pensado na população de referência e não levou em consideração moradores de outros estados limítrofes. “É o que eu pude perceber. O Governo estadual tem que se posicionar a respeito. Estamos tratando de entes federados.”

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‘O impacto na nossa rede é insustentável’

A ouvidora de Saúde, Samantha Borchear, confirmou que moradores do Estado do Rio de Janeiro têm vindo a Juiz de Fora em busca de atendimento na rede do Sistema Único de Saúde (SUS) e que muitos ficam nervosos ao serem informados que não podem dar prosseguimento ao tratamento, quando é o caso, por serem provenientes de outra unidade da federação. Samantha destacou que, na atual situação de pandemia, não possui confirmações de internação, mas recebeu demandas informais, registradas por ela como pedidos de informações. “Hoje (28) e ontem ligaram para cá alguns pacientes questionando. Falam que são da cidade do Rio de Janeiro e que estão vindo por conta própria para obter tratamento, não só com relação a Covid, como outros, porque lá não estão conseguindo. Ligam para a Ouvidoria para questionar, porque querem acesso à média e alta complexidade, a consultas, exames e tratamento. A gente explica que, infelizmente, Rio de Janeiro não é pactuado com Juiz de Fora nesses procedimentos, e que eles vão ter que fazer pelo fluxo de lá. Ficam muito bravos. Ontem mesmo tive um paciente muito furioso. Ele foi ao HPS, o médico fez o encaminhamento e, lógico, não conseguiu dar entrada em lugar algum.” Segundo ela, mesmo antes da pandemia já houve casos de pacientes que usam endereço de amigos e familiares para conseguir assistência em Juiz de Fora. “Depois, descobrimos, de outras formas, que eles nem moram aqui.”

Ainda conforme Samantha, os pacientes alegam que a situação na capital fluminense está grave. “Perguntam se não estamos vendo na televisão como está o Rio de Janeiro. Vêm com discurso genérico de que o SUS é universal. Explicamos que a descentralização e a territorialização também são princípios do SUS.”

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Segundo a ouvidora, alguns pacientes têm comparecido às unidades de saúde de Juiz de Fora já debilitados.

“Chegam com quadro muito ruim, e alguns profissionais até ligam para mim. Mas não podem negar o atendimento, pelo menos o primeiro, senão, é omissão (de socorro). Se a pessoa chegou até a unidade, tem que fazer o atendimento. Mas, depois que estabilizar, tem que orientar a seguir o fluxo pactuado da sua cidade, que é o Rio, não é aqui”.

Se os cerca de 180 quilômetros que separam Juiz de Fora do Rio de Janeiro não têm sido empecilho para os fluminenses, os moradores de Três Rios, que fica a apenas 60 quilômetros, encontram ainda menos dificuldades. “Todo dia vem gente de Três Rios, mas não é cidade pactuada com Juiz de Fora”, destacou a ouvidora. Para ela, é importante que sejam feitas barreiras. “Não é um ato desumano, mas de responsabilidade sanitária. Não estamos em uma situação tão folgada, como pode parecer, para poder conseguir acolher outros pacientes, de outro estado, inclusive fora da nossa competência territorial. E que, inclusive, são potentes transmissores. Porque, se eles vêm com o vírus, com certeza vão contaminar alguém aqui. Isso é muito sério. O impacto na nossa rede é insustentável. Nossa rede não tem condições de atender os pacientes de outro estado. Infelizmente.”

Estado considera barreiras sanitárias como restrição

Por meio de nota, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) informou, na noite desta terça, que tem estabelecido suas diretrizes observando não apenas as orientações do Ministério da Saúde e Organização Mundial de Saúde (OMS), mas também a legislação federal e as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no contexto do enfrentamento à Covid-19. “Tendo isso em vista, entende-se que as denominadas ‘barreiras sanitárias’ acabam por funcionar como mecanismos de restrição ao direito fundamental de locomoção. A Lei Nacional nº 13.979, que estabelece medidas para enfrentamento da emergência de saúde por conta do novo coronavírus, aponta que ações restritivas de locomoção e transporte dependem de parecer técnico da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ato conjunto dos Ministérios da Saúde e da Justiça e Segurança Pública. Por outro lado, a jurisprudência do STF tem manifestado a tendência de que se considere, com maior preponderância, os atos normativos dos municípios, em virtude desses entes terem maior contato com a realidade local.”

Quanto ao recebimento de pacientes residentes em outros estados, a SES ressaltou que não houve, até o momento, entendimentos institucionais no sentido de transferência de pacientes com Covid-19, “uma vez que seriam necessárias, inclusive, estabilização adequada dessas pessoas para que efetivamente viessem a ser transportadas, o que é complexo”. A pasta também afirmou que Minas Gerais não negará auxílio a outro estado, se for o caso. “Porém, não é possível estabelecer qualquer compromisso sem a garantia de que a rede do estado estaria em condições de tratar a todos. A SES-MG acompanhará com atenção os desdobramentos, de forma a produzir consensos entre os entes envolvidos e a manutenção da capacidade de atendimento da rede estadual.”

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