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Dia da Visibilidade Trans marca luta pelos direitos e contra preconceito

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Para Felipe Modesto, data, comemorada em 29 de janeiro, é importante para mostrar o que acontece na realidade da população trans (Foto: Leonardo Costa)

“Já fui impedido de usar o banheiro masculino durante dois anos do ensino médio, segundo o colégio, por estar constrangendo os outros alunos. Também perseguido por uma professora, que dizia que eu tinha que ser salvo por Jesus, ou então que eu ‘iria pro inferno se continuasse tendo essa conduta’. No início, fui rejeitado pelo meu pai, mas muito mais por ele não saber lidar com tudo isso do que por preconceito”.

“Comecei a fazer a hormonização por conta própria, em 2014. Consultei um clínico geral, e ele me alertou sobre os riscos de câncer, trombose e outras complicações graves de saúde. Mas para mim, correr este risco era menos angustiante do que olhar no espelho e não me reconhecer no meu corpo.”

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O Dia da Visibilidade Trans, celebrado nesta segunda-feira, 29 de janeiro, é uma data que marca a luta por mais direitos humanos, saúde e segurança – entre outras pautas – à população trans e travesti do país. É um dia em que se batalha, também, para que discursos como os expostos acima (respectivamente), do estudante Felipe Modesto, 19 anos, e da fisioterapeuta Crystiane Sterci, 24, transexuais, tornem-se cada vez mais raros, até que possam desaparecer, em vez de serem uma realidade lamentavelmente comum à população trans.

Para Felipe, a data é importante para dar visibilidade à população trans e travesti. “Não por ‘querer aparecer’, e sim por querer mostrar o que acontece na realidade, lembrar de nomes como o da (travesti) Dandara, que foi espancada e assassinada a tiros em março do ano passado. É um dia de luta pra nós, por uma sociedade mais compreensiva e menos agressiva”, afirma o jovem, que se assumiu transexual entre 14 e 15 anos. Crystiane acrescenta que é importante conscientizar a sociedade em relação aos direitos e, antes de tudo, no que tange ao respeito à diversidade. “Somos seres humanos, como quaisquer outros, capazes do que quisermos. Temos direitos e deveres como todo mundo, inclusive o direito de sermos felizes, nos casarmos, termos filhos e, principalmente, podermos expressar o que realmente somos e não o que querem ou esperam que a gente seja”, diz a fisioterapeuta.

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Em menção à data, a Diretoria de Ações Afirmativas da UFJF realiza, na próxima quarta, 31, às 19h, a “Roda de conversa: a população trans e travesti e o acesso a direitos” no Museu de Arte Murilo Mendes, à Rua Benjamin Constant 790, no Centro, com entrada gratuita.

Atendimento ampliado no município

Apesar de o Dia da Visibilidade Trans ser de resistência, é também o momento de celebrar conquistas que, apesar de serem apenas o início do atendimento de muitas demandas da população trans e travesti, são extremamente representativas. Juiz de Fora oferece, por exemplo, desde outubro de 2016, tratamento multidisciplinar que envolve profissionais de psicologia, assistência social e medicina no ambulatório trans, via SUS. “O ambulatório surgiu a partir de um levantamento que mostrou que havia um número expressivo de pacientes que buscavam o SUS para fazer a hormonização por meio do Tratamento Fora do Domicílio (TFD). Oferecer o atendimento aqui evita que as pessoas deixem o município para realizá-lo e também que haja automedicação, que tem inclusive risco de morte. Atualmente, as consultas são marcadas quinzenalmente, e há uma orientação da assistência social e da psicologia, para só depois haver a indicação da hormonização, de acordo com cada caso, e com toda a segurança para a saúde”, explica Oswaldo Alves, gerente do Departamento de DST/Aids da Secretaria de Saúde de Juiz de Fora, ao qual o ambulatório é vinculado.

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Questionado sobre a possibilidade de estigmatização da população pelo fato de o ambulatório trans ser ligado ao setor que trata de Aids e doenças sexualmente transmissíveis, o gerente explica que são órgãos independentes entre si. “Eles apenas funcionam no mesmo imóvel, mas em salas diferentes. Acontece que questões de sexo e sexualidade acabavam sendo encaminhadas ao DST/Aids, e ocorreu isso com as pautas da transexualidade, mas isso não quer dizer, absolutamente, que haja relação entre as duas coisas”, frisa Oswaldo.

Ele destaca que, atualmente, o serviço tem 75 pessoas cadastradas, que retornam ao ambulatório a cada 60 ou 90 dias para nova avaliação médica, acompanhamento e, se for o caso, nova prescrição. Oswaldo acredita, ainda, que a tendência é que a procura aumente. “Desde que começamos a divulgar mais o serviço, em dezembro de 2017, notamos um crescimento expressivo na busca por ele, e acreditamos que este processo continue”, avalie.

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A fisioterapeuta Crystiane Sterci não sabia desta possibilidade, e é uma das potenciais novas usuárias do ambulatório. “Tenho total interesse. Os resultados que obtive com o tratamento hormonal que fiz até agora foram muito satisfatórios esteticamente falando. Mas é diferente poder fazê-lo com todo acompanhamento e segurança de uma equipe especializada”, opina. Já o estudante Felipe Modesto faz todo seu tratamento hormonal via SUS. “Além dele, faço todos os exames, consultas e tenho apoio psicológico. O ambulatório cumpre um papel muito importante para nós, a assistência que a gente encontra lá é fundamental para atingir nossos objetivos e conseguir lidar com as dificuldades do dia a dia”, destaca. “Acredito que a maior demanda que precisa de atenção agora é o apoio psicológico e principalmente psiquiátrico. O processo para retificação do registro civil pede o laudo psicológico e psiquiátrico e, por enquanto, não há um atendimento específico para nós em Juiz de Fora, o que dificulta e atrasa o andamento do processo”, pondera o estudante.

Encaminhamento para processo no RJ

Segundo o gerente do Departamento de DST/Aids da Secretaria de Saúde, Oswaldo Alves, o atendimento é voltado para quaisquer pessoas que precisem de ajuda profissional no que diz respeito à identidade de gênero. “Seguimos os protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde, que cumpre várias etapas antes da utilização de hormônios e encaminhamento para cirurgia (processo transexualizador) via Tratamento Fora do Domicílio (TFD), quando é o caso”, ressalta. Ele acredita que, apesar de Juiz de Fora ainda não realizar o processo transexualizador, esta não é uma realidade muito distante da saúde pública local.

Em nota, a assessoria de comunicação da assessoria de saúde afirmou que a Portaria 2803 MS/GM ampliou e redefiniu o processo transexualizador no SUS, garantindo novos direitos aos transexuais, como aplicação de silicone e retirada de ovários para os trans femininos, mamas e úteros para os trans masculinos. Os usuários de Juiz de Fora são acolhidos pelo (TFD), por meio de encaminhamento médico, e referenciados para o município do Rio de Janeiro. Pacientes do SUS que tenham interesse podem procurar orientação no Setor de TFD no PAM-Marechal, 9º andar, Sala 902. Já quem busca o serviço do ambulatório, pode obter informações no telefone ou ir diretamente à sede, na Avenida dos Andradas 523, térreo.

Demandas  além da saúde

A Secretaria de Saúde informou que o SUS oferece a possibilidade de pacientes transexuais e travestis poderem usar seu nome social, inclusive no cartão do serviço. “Isso é um avanço, porque é muito constrangedor ter seu nome de batismo chamado em um consultório ou unidade de saúde”, afirma Crystiane, que também pôde usar o nome social na faculdade e no trabalho, além de ter sabido recentemente que ele poderá estar em seu diploma de graduação. A utilização ampla do nome social é, inclusive, uma das grandes questões da população trans, já que, ainda hoje, o processo é extremamente lento. “É a maior dificuldade com relação ao poder público, esta demora do processo de retificação do registro civil, que chega a durar cinco, seis anos. Isso acaba impedindo o ingresso no mercado de trabalho ou dificultando na faculdade”, destaca Felipe Modesto.

 

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