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Novembro Azul: saúde mental dos homens é cercada de tabus

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Em 2019, o Ministério da Saúde publicou um estudo em que revela que os homens respondem por 76% dos suicídios que acontecem no Brasil. Discursos como “homem não chora” são comuns no país, repetidos à exaustão, e as consequências desse tipo de fala e de preceitos que pregam que os homens não devem mostrar seus sentimentos ou conversar sobre eles ainda estão prejudicando gravemente a saúde mental da população masculina. De acordo com os especialistas, esse tipo de crença dificulta a busca por ajuda, está relacionada com os altos índices de alcoolismo e ainda gera danos graves às relações socioafetivas.

“Homem não chora.” “Homem tem que ser forte, mostrar sentimento é coisa de mulherzinha.” “Onde já se viu homem de verdade mostrar fraqueza?” Discursos como esses, repetidos de geração em geração, afastaram diversos homens da busca por ajuda nos momentos em que precisavam. Na reportagem que encerra a série sobre o Novembro Azul, que trata, além do combate à diabetes e ao câncer de próstata, da conscientização sobre a saúde do homem, a Tribuna entrevistou três homens e dois familiares afetados por esses problemas. Eles não desejaram ser identificados, justamente para não expor ao público uma questão que continua sendo problemática e que gera danos emocionais ainda difíceis de lidar. É o caso de G.P., 68 anos, que lidou com uma depressão profunda após ter tido um câncer e passado por um tratamento agressivo.

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“Eu me afastei de todos que amava. Me tornei uma pessoa que era mal humorada, só brigava e não ajudava minha família. Me diziam para buscar ajuda, mas eu achei que não precisava.” A situação chegou a um ponto limite quando G.P. tentou suicídio. “Fui imediatamente encaminhado para psicólogo e psiquiatra. Percebi que tinha mesmo um problema, e fui lembrando também do meu pai, que acho que também tinha. Nunca conversamos sobre isso, acho que naturalizei que não deveria falar também.” A estigmatização de problemas de saúde mental é um problema nesse sentido, já que também faz com que a pessoa demore a buscar ajuda.

Gerações mais jovens começam a se abrir

Nas gerações mais jovens, no entanto, essa questão parece estar mudando. O estudante R.C., 22 anos, buscou ajuda da psicóloga no momento do pré-vestibular. Ele percebeu que estava sendo muito afetado pelas pressões dessa fase e precisou de um tratamento para que fosse possível lidar melhor com as questões que o afligiam. “Sempre notei uma pressão diferenciada em cima dos homens quando o assunto é essa capacidade de se expressar e falar sobre problemas”, conta.

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Ele também explica que, durante essa fase, foi percebendo que, mesmo com pessoas próximas, tinha dificuldade de se abrir com clareza. “Por muito tempo eu estive envolto por essa ideia: achava que expor meus problemas era algo que demonstrava fragilidade e menos masculinidade. Como isso era algo que não queria, tentava me incluir ali e reproduzir aquele comportamento. Por muito tempo, muitos sentimentos e emoções que deveria ter falado pra elaborar melhor, foram contidas e não consegui trabalhar dentro de mim. Acho que isso pode ter atrapalhado muito meu processo de amadurecimento”, diz. Para F.P., 24 anos, a dificuldade de falar sobre os problemas que aconteciam com ele eram notáveis. “Principalmente mais novo, achava que não devia compartilhar. Hoje noto que consigo falar, principalmente com pessoas mais próximas”, diz.

Enquanto homem negro, ele também nota que há problemas específicos que podem atingir esse grupo, inclusive no que diz respeito aos impactos do preconceito racial e problemas de baixa autoestima. “Acho que os homens negros podem sentir isso ainda com mais intensidade, por trazerem outras questões problemáticas ao longo da vida e que também não foram tratadas. Acho que isso tem mudado recentemente, mas ainda percebo esse problema”, conta. Para ele, no entanto, não foi possível ainda buscar ajuda psicológica, devido a motivos financeiros, o que considera também ser um entrave importante para que muitos homens lidem melhor com os problemas de saúde mental. “Mesmo assim, tento realizar outras práticas que me ajudam a desestressar e tirar a ansiedade”, diz.

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‘Tratavam meu pai como se ele fosse um vagabundo, uma pessoa sem jeito na vida, e não alguém que está doente’
R.D., 24 anos

Professor e psicólogo Telmo Ronzani explica que o aspecto cultural que vincula a noção de masculinidade é um dos principais motivos para homens não buscarem ajuda (Foto: Arquivo Pessoal)

Dificuldade para buscar ajuda

A dificuldade para buscar ajuda é atribuída a diversos motivos. O professor e psicólogo Telmo Ronzani, da Universidade Federal de Juiz de Fora, explica que o aspecto cultural que vincula a noção de masculinidade é um dos principais motivos. “Ter um sofrimento mental acaba prejudicando a figura de masculinidade que é posta. Ter qualquer problema desse tipo parece indicar que esse homem é menos homem que os outros”, explica. Além disso, ele também explica que há insegurança em relação ao trabalho, o medo de ter o diagnóstico público e até, como consequência disso, o medo de perder o emprego, principalmente nas classes mais pobres. “Há um medo de reconhecer isso que é quase questão de sobrevivência”, diz.

Ele também explica que o abuso no consumo de álcool também está relacionado a esse problema. No Brasil, um relatório do Ministério da Saúde, de 2019, mostrou que o padrão de consumo de 18,8% da população brasileira é de bebedor abusivo. Entre os homens, esse percentual é de 25,4%. Para ele, isso é algo que está também relacionado à cultura e o que se espera da masculinidade, já que a bebida alcoólica é algo que, muitas vezes, se relaciona até mesmo com a masculinidade. Para ele, há também a problemática de parte desses homens usarem o álcool como uma maneira de automedicação ao lidarem com essas questões. “Em função dessas condições de depressão e ansiedade, o álcool entra como uma medicação para diminuir isso. Pode ser para relaxar, uma bebida para quando está estressado, cansado… O álcool diminui essas sensações”, explica.

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Na avaliação da psicanalista Rita Almeida, há uma tendência dos homens de só buscar ajuda quando a situação da saúde mental já está mais agravada (Foto: Arquivo Pessoal)

Pedido de ajuda em situação extrema

Em sua experiência clínica enquanto psicanalista, Rita Almeida também entende que há uma tendência dos homens de só buscar ajuda quando a situação da saúde mental já está mais agravada. “As mulheres têm mais abertura e admitem isso com mais facilidade e rapidez que os homens. Na medida que a pessoa admite que tem uma dificuldade, tem uma limitação que ela sozinha não resolve, e em relação à qual os recursos que ela teria não estão funcionando, ela busca ajuda”, explica.

Há também fatores relacionados à condição do país, às oportunidades de trabalho e até de conseguir manter tempo de lazer adequado. Rita explica, por exemplo, que uma situação de desemprego pode piorar bastante o quadro. “É cobrado do homem que ele tenha sucesso, dinheiro para sustentar a mulher e os filhos e para bancar uma estrutura onde ele é o provedor, onde supostamente são demandadas dele mais obrigações sociais nesse sentido. E aí, em toda situação em que ele é confrontado com algum tipo de fracasso em relação a isso, ele sofre mais”, diz.

Para Telmo, também é notável que neste momento de pós-pandemia, em que ainda há uma fase de recuperação econômica, social e de saúde, os impactos sobre a saúde mental são bastante complicados. “A expressão de alguns sintomas é a expressão de problemas da sociedade. Temos um mercado de trabalho cada vez mais individualista e competitivo, insegurança de trabalho, trabalhos cada vez mais precarizados. Isso gera um estresse constante”, diz.

‘Eu me afastei de todos que amava. Só brigava e não ajudava minha família. Me diziam para buscar ajuda, mas eu achei que não precisava’
G.P., 68 anos

Impactos nas relações afetivas

Devido a esse processo de adoecimento e à dificuldade de falar sobre os problemas que estão enfrentando, também é comum que os familiares e indivíduos próximos sofram. Foi o caso de A.C., 27 anos, quando o pai lidou com depressão e alcoolismo. “Eu não entendia direito o que estava acontecendo com ele. Mas vi de perto uma transformação muito forte, e ninguém soube o que fazer. Não queria ter me afastado, mas não tinha espaço para ajudar”, conta. Ela relata, também, que ela e outros familiares passaram a temer a agressividade do pai quando bebia.

O quadro também é agravado quando o indivíduo esconde a real situação em que se encontra e não faz manutenção do tratamento. O pai de R.D., 24 anos, foi diagnosticado com bipolaridade, depressão e sofre com alcoolismo há anos, fazendo com que se isole. A relação com o filho foi afetada, mas o mais difícil, para ele, foi lidar com a forma pela qual os outros familiares enxergavam o pai durante esse sofrimento mental.

“Tratavam como se ele fosse um vagabundo, uma pessoa sem jeito na vida, e não alguém que está doente. Por conta disso, essa situação sempre gerou pra mim uma responsabilidade muito grande. Atrapalhou meus estudos durante um tempo, porque era preciso dar atenção quase total a ele nesses momentos. Era muito estressante e pesado ver meu pai nessa situação”, conta.

Algo similar aconteceu com G.P., que conta ter, durante o processo de adoecimento, causado “muita dor à família”. Ele inclusive passou por um processo de separação quando começou a ter comportamentos alterados, e disse que o afastamento da mulher acabou piorando o seu sofrimento. “Não conseguia falar com ela e nem deixava ela me ajudar. Não dava para continuarmos juntos se eu não me tratasse”, disse.

Sinais de problemas na saúde mental

O professor Telmo indica que a retração de eventos sociais, um desempenho no trabalho ou na escola pior e até o afastamento das relações mais próximas são sinais que o homem pode apresentar e que podem indicar que ele deve buscar ajuda. Para os familiares e amigos, o psicólogo indica que devem se atentar ao uso de álcool e outras drogas por parte desse indivíduo, prestando atenção se esse uso está sendo feito de maneira rotineira e se ocorre em situações específicas, quando, por exemplo, o homem está triste ou com raiva. “Quanto antes procurar ajuda profissional, melhor vai ser o resultado. Isso não tem a ver com ser menos ou mais homem”, ressalta.

CRÉDITOS: Arquivo pessoal
LEGENDA TELMO: TELMO RONZANI, psicólogo e professor na UFJF, afirma que há sinais que indicam que é hora de pedir ajuda profissional

LEGENDA RITA: RITA ALMEIDA, psicoterapeuta, nota que há uma pressão social para que o homem seja o provedor da família e, diante do fracasso, ele fica suscetível a transtornos mentais

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