Muitas dúvidas sobre o processo de adoção rondam a cabeça de casais e pessoas que têm a vontade de adotar um filho. O trâmite, que é cauteloso e possui diversas facetas, envolve a preparação do(s) requerente(s) e da criança ou adolescente para receber um novo lar. Para lembrar o Dia Nacional da Adoção, comemorado na última sexta-feira (25), a Tribuna conversou com psicólogas e assistentes sociais da Vara da Infância e da Juventude de Juiz de Fora para esclarecer as etapas do processo.
Um casal, que preferiu não ser identificado, e que está na segunda etapa do processo de adoção (ver quadro) pontua que, antes de iniciar o cadastro, as dúvidas sobre o trâmite eram inúmeras. “Eu andei lendo algumas leis, mas é aqui mesmo (na Vara) que a gente começa a entender muita coisa que achava que era de uma forma, e não é”, conta a proponente, de 32 anos, que é funcionária pública.
A psicóloga judicial Anapaula Rinaldi Romão explica que o(s) requerente(s) não precisam chegar esclarecidos no momento do cadastro. “Este processo é uma inscrição no cadastro nacional de adoção. As pessoas chegam e são acolhidas nas suas dúvidas, nas suas inquietações, na angústia, é um processo para isto, e, ao fim dele, nós esperamos que as pessoas cheguem à conclusão ‘é isso mesmo que eu quero’, ou não”. “É importante que se traga as dúvidas, porque é com elas que se pode amadurecer e se manter um diálogo”, completa a psicóloga Sandra Pinton Isbele. Mas para aqueles que buscam saber mais sobre o processo de adoção, recomenda que se busquem informações na internet e diálogos com pessoas que já adotaram. A assistente social Maria de Lourdes dos Reis acredita que a leitura sobre o tema pode abrir caminhos. “Você lendo sobre aquela questão, percebe que outras pessoas já passaram por aquilo e conseguiram superar suas dúvidas e medos.”
O proponente, que não é estéril, mas possui um problema de fertilidade, contou à Tribuna que a ideia de adotar um filho precisou ser amadurecida por ele. O técnico de segurança do trabalho, 37, explica que tinha resistência à ideia de ter filhos adotivos. “No início, eu entendia que ter um filho biológico era mais importante, mas fui amadurecendo isso na minha cabeça, e, depois de um tempo, resolvi que queria entrar nesse cadastro de adoção junto com a minha esposa, não por causa dela, mas pelo amor, porque adotar uma criança é dar amor. Eu ter filhos biológicos não é garantir não ter problemas, o que vai mandar nisso é o amor, a compreensão e a dedicação.”
Já a funcionária pública sempre teve em seu íntimo vontade e convicção de que queria adotar, apesar de ser desestimulada por determinados comentários quando o assunto é colocado em pauta. “Quando você ouve as pessoas falarem, você repensa, há muito preconceito mesmo. Quando a gente fala nessa possibilidade de adotar, sempre vem um ou outro que fala ‘Ah, mas e a genética? Eles podem se revoltar…’, mas com a reflexão isso passa. Ouvir outras pessoas também ajuda.”
“Não se trata de caridade”
Sobre os mitos e preconceitos que ainda rondam o ato da adoção, a psicóloga judicial Anapaula Rinaldi Romão acredita que não são impedimentos para quem realmente quer viver a experiência de ser pai e mãe. “Alguns chegam inseguros, tomados por estas falas sociais, da questão da genética, se a criança vai ter o mesmo caráter dos pais biológicos, que a personalidade pode ser transmitida, mas eles chegam com essa abertura para poder refletir sobre isso. Mas quando a pessoa só considera essas crenças, não há a indicação de que ela faça uma adoção. A gente não está aqui para convencer ninguém de nada, nem de fazer um trabalho social, uma campanha a favor da adoção. A gente precisa, sim, de buscar pais para essas crianças, mas pessoas que tenham essa disposição subjetiva de fazer uma adoção. Na minha visão, a adoção não é uma resposta social à pobreza, não deve ser uma política social”.
“O que move o sujeito a buscar a adoção é o desejo de ser pai e mãe, não se trata de caridade, não se trata de fazer o bem, nem de substituição de um filho perdido. É um processo que demanda um tempo de reflexão porque é uma decisão muito séria para a vida de uma criança e de uma família”, complementa a psicóloga Sandra Pinton Isbele. Apesar de ainda existirem estes tipos de pensamento, a assistente social Maria de Lourdes dos Reis pontua que, na Comarca de Juiz de Fora, há grande demanda para o cadastro de adoção.
A história da minha família
Há 17 anos, a Tribuna publicou uma matéria sobre adoção, e uma das histórias relatadas foi a da minha família. Meus pais adotaram três irmãos para evitar que eles fossem separados. Na época do acolhimento, Carlos Henrique tinha 11 anos, Marcos tinha 1 ano e 2 meses, e Matheus, o caçula, 6 meses. Eu tinha 8. Eles eram meus primos, filhos da irmã de meu pai, que faleceu em decorrência de problemas cardíacos. O pai dos meninos, já um senhor na época, abriu mão da guarda deles. Minha mãe, Carla, 50, contou que não pensou muito para tomar a iniciativa de adotar três filhos. “Não foi uma escolha. Aconteceu. Isso já estava dentro de mim. Apesar de ter tido uma filha biológica, parece que isso já fazia parte de mim, inconscientemente.” O maior desafio ainda estava por vir. Dois anos após a adoção, meu pai, Júlio, faleceu. Minha mãe, então, precisou cuidar de quatro crianças com pouca ajuda e limitados recursos financeiros.
“Foi a parte mais complicada. Apesar de ter um pouco de ajuda, eram quatro crianças. Eu tinha que me dividir entre colocar comida em casa, trabalhar, colocar na creche, dar conta de levar ao médico, de cuidar da casa… foi muito puxado, muito pesado.”
Para ela, criar um filho, independente de ser biológico ou adotivo, é um grande desafio. “Ter que dar amor para quatro crianças não é fácil. Tiveram momentos em que eu achei que não ia conseguir. Mas eu faria tudo de novo. Hoje eu não vejo a minha vida, como ela teria sido, sem essa parte”.
O apoio psicológico é fundamental
Desde bem novos, todos nós começamos tratamentos psicológicos. A ideia era tratar não só a questão da adoção e todos os sentimentos envolvidos no processo, mas também para ajudar no autoconhecimento e nos dilemas cotidianos. Para minha mãe, que também iniciou um tratamento na época, o processo é essencial não só para os filhos, mas principalmente para os pais. “Quando a pessoa faz a escolha pela adoção, ela carrega a ansiedade e as incertezas do processo. Acho que isso precisa ser administrado para que não se transmita para o filho. No meu caso, como foi do dia para a noite, eu não estava preparada para conduzir essa situação, e o tratamento foi um auxílio”, conta.
Apesar das dificuldades, tudo deu certo
A convivência, em determinados momentos, como em toda família, foi difícil, é verdade, mas mesmo com as diferenças, somos unidos. A criação que minha mãe nos deu, mesmo não sendo perfeita, mas sendo a melhor que ela poderia ter dado, nos fez pessoas que seguem bons caminhos. Carlos Henrique, 27, é sargento do Exército, se casou, e mora em Sete Lagoas. Ele cursa matemática em uma universidade a distância. Eu, com 25 anos, sou formada em Publicidade e Propaganda, e estou no penúltimo período de Jornalismo, além de estagiar na Tribuna. Marcos, 19, concluiu o ensino médio, fez curso técnico de informática e estuda para ingressar na carreira militar. Matheus, 17, está cursando o ensino médio, e ainda pensa sobre a carreira que gostaria de seguir. Minha mãe é só um exemplo, em meio a tantos outros, de pessoas que criaram seus filhos adotivos como biológicos, sem distinção, com o mesmo tanto de amor e carinho, e contornando os mais diversos obstáculos. Por mais que se tenha receio, medos e dúvidas, o fato é que a adoção pode e vai dar certo quando há disponível para a criança tudo o que ela precisa – amor, dedicação, compreensão, educação e exemplo.