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Tráfico e uso de drogas persistem no Parque Halfeld

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Foto: Felipe Couri

Se Juiz de Fora pudesse ser resumida pela vista de uma janela, esta ficaria de frente para o Parque Halfeld. Mas seria necessário um equipamento para poder observar cada detalhe, pessoa ou grupo em meio às árvores, por onde transitam, descansam ou até mesmo trabalham os mais diferentes tipos, das mais diversas regiões do município. Seis meses após a última reportagem sobre o espaço tombado como patrimônio cultural desde a década de 1980, a Tribuna voltou ao local e encontrou um cartão-postal bem mais admirável. A água do lago deixou de ser turva, varredores do Demlurb cuidam da limpeza, e a presença da Guarda Municipal ajuda a manter a aparente tranquilidade. Apesar das melhorias, bastam poucos minutos e um olhar mais atento para constatar que algumas questões ainda persistem, como o tráfico e o consumo de drogas mesmo à luz do dia.

Eram 14h30 da tarde quando um usuário acendeu um cachimbo, aparentemente de crack, sentado no degrau da parte externa do banheiro. Perto dali, pessoas lanchavam ou jogavam carteado. Minutos depois, outro homem se aproxima da reportagem e joga um possível cigarro de maconha sobre uma das mesas ocupada por duas mulheres. Com os dedos livres, ele retira perto de uma dezena de pedras de crack escondidas na boca. Transtornado, provavelmente devido ao uso do entorpecente, em seguida ele espalma a mão e escancara o tráfico ali existente. Um funcionário do sanitário revela: “O horário é das 8h às 18h, mas dependendo do clima, a gente fecha às 17h, porque fica muito pesado.” Ele se refere aos envolvidos com drogas como ioiôs, porque vão e voltam repetidamente.

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A presença de moradores em situação de rua, inclusive dormindo junto a monumentos, também incomoda alguns frequentadores, os quais denunciam constantes brigas entre aqueles que têm o mesmo direito de ir e vir de qualquer cidadão. Os carrinhos com cobertores e outros objetos pessoais são deixados por eles durante o dia próximo à Rua Marechal Deodoro. Mas mesmo à tarde alguns dormem no parque, como um casal que aproveita a sombra atrás do monumento ao coronel Francisco Halfeld, às margens da Santo Antônio.

As feiras ajudam a movimentar o comércio durante a semana e, ao mesmo tempo, promovem ocupação, parecendo afastar a criminalidade. Todas as terças-feiras, há 32 anos, um grupo de católicos reza o terço em volta de uma árvore situada bem perto do banheiro, reforçando a pluralidade do espaço. “Qualquer lugar é local de oração. Mesmo que as pessoas não participem, elas veem. Rezo pelas que passaram aqui”, diz o coordenador, Elair Evangelista, 68 anos.

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Enquanto observamos o esvaziamento de muitas praças da cidade em decorrência da precariedade dos equipamentos e das próprias mudanças da sociedade, que passou a procurar locais fechados, como clubes e shoppings, em busca de segurança e conforto, o Parque Halfeld ainda se mostra como uma verdadeira praça pública, atraindo crianças, jovens e idosos, ao mesmo tempo em que reúne as mais diversas tribos de todos os cantos, desde os hippies aos tradicionais leitores das manchetes de jornais.

Barracas dobram

Alex Barbosa é organizador da Feira de Economia Solidária, que acontece às terças, e revela ter praticamente dobrado o número de barracas no último semestre, passando para 37 expositores. Ele afirma ter melhorado a segurança desde a última reportagem da Tribuna. “Agora temos o apoio maior da Guarda Municipal. Diminuiu a prostituição e as confusões, até mesmo o pessoal que ficava aqui usando droga.”

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A limpeza também tem funcionado. Ele defende que a presença de moradores em situação de rua não atrapalha. “Eles estão quietos ali atrás (próximo à Marechal). Não mexem com ninguém.” Sobre os usuários de entorpecentes, Alex reitera: “Estavam fumando no meio da feira. Isso incomoda todo mundo. Com a presença da Guarda Municipal mais intensa, arrumam outro lugar para ir.” Já o tráfico, conforme o organizador, tem sido combatido pontualmente. “Não sei se é o Olho Vivo ou denúncia, mas de vez em quando a polícia chega e vai naquela pessoa específica que estava fazendo o tráfico.”

Já o aposentado Marcone de Carvalho, 72, reside na Rua Batista de Oliveira e brada que a população das redondezas “quer o Parque Halfeld de volta”.
“O tráfico é intenso. Costumo fazer caminhadas às 6h, e nesse horário já tem traficante lá fornecendo. Quando reclamamos, os guardas dizem não ser da competência deles.” Segundo ele, os moradores em situação de rua “cozinham, fazem as necessidades fora do banheiro e mantêm relações sexuais”. “O banheiro não funciona nos fins de semana, e as pessoas fazem xixi nas escadas ou nas árvores. Quando o sol bate, o cheiro fica forte.” O idoso alega não ser a favor das feiras. “Às vezes não temos onde sentar. Queremos ouvir os passarinhos e ver as pessoas passando.”

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Brigas com pedras e pedaço de pau

Em uma volta pelo espaço público é fácil encontrar frequentadores assíduos e também estreantes. A sensação é de que realmente o Parque Halfeld é o coração de Juiz de Fora. A cabeleireira Gislaine Garcia, 27 anos, procurou uma das mesas para fazer um lanche. “Tem muito tempo que venho aqui e recentemente tenho achado mais limpo. Antes era bem sujo e havia mais moradores de rua.” Ela reside no Jardim Natal, Zona Norte, e estava junto com Amanda Evaristo, 26, do Linhares, região Leste. “Faço faxina e de vez em quando venho aqui. De dia acho tranquilo. Ainda tem muito morador de rua, mas eles têm usado mais o banheiro.”

Entre as mesas de jogos ocupadas majoritariamente por idosos chama a atenção uma formada por jovens. O estudante Jonathan Lima, 18, é do Santa Helena, na região central, e conta que ele e os amigos se reúnem diariamente no local, depois da aula, há três anos. Apesar de também citarem o tráfico de drogas, para os jovens o que mais incomoda é a população de rua, em decorrência das brigas constantes. “Outro dia tinha uma moça brigando com um cara que ela dizia ser marido dela, mas afirmava ter roubado seu dinheiro. Ela começou a tacar pedras no meio do Parque Halfeld, e ele pegou um pedaço de pau bem grande para bater nela”, conta uma adolescente, 16, residente no Nossa Senhora Aparecida. “Os guardas só ficaram olhando e não fizeram nada.”

Já em uma mesa de jogos formada por aposentados, a opinião é divergente: “Tem que fechar isso aqui à noite”, esbraveja Itamar de Souza, 74, afirmando ser a favor do cercamento do espaço. “Assim acabaria um pouco com os bandidos e o tráfico de drogas, que tem toda hora. O negócio aqui é terrível, e a polícia só vem de vez em quando”, denuncia. Ele conta sair todo dia do São Bernardo para se distrair no parque e reclama do banheiro. “Vive imundo, é muito complicado.” O idoso questiona o funcionamento das câmeras do Olho Vivo.

O companheiro de jogo, José Nelson, 58, não deixa de lado a crítica. “A Guarda Municipal só aparece depois que já acabou a confusão.” Ainda segundo os aposentados, os guardas não saem do abrigo envidraçado para inibir o tráfico de drogas. “O certo seria eles circularem por aqui, mas não estão preocupados com a gente, e somos nós que pagamos os impostos.”

Olho Vivo volta a funcionar

As três câmeras do Olho Vivo instaladas para promover a segurança do Parque Halfeld chegaram a ficar inoperantes pelo menos nos últimos seis meses, mas voltaram à ativa há cerca de 15 dias, conforme informou à Tribuna o secretário de Segurança Urbana e Cidadania, José Sóter de Figueirôa.

“A empresa vencedora da licitação para manutenção dos equipamentos está em Juiz de Fora há mais de um mês e demos prioridade ao Parque Halfeld.” Segundo ele, das 54 câmeras instaladas por toda a cidade, 43 estão em pleno funcionamento. Entre as 11 restantes, sete apresentam problemas “mais complexos” de fibra ótica, duas estão com danos na fonte, uma com defeito na transmissão da energia elétrica e outra teve o poste atingido durante acidente. “As questões de fibra ótica não se resolvem da noite para o dia e têm custo mais elevado, mas a expectativa é que, até o final de novembro, todas estejam prontas.”

O secretário confirma a atuação da Guarda Municipal diariamente no Parque Halfeld, das 7h às 19h. De dois a três guardas atuam em cada turno. Sobre o tráfico, Figueirôa pondera que o limite entre as atribuições da PM e da corporação municipal é muito tênue. “Em alguns municípios, a Guarda tem agido mais na repressão, mas aqui temos evitado isso, atuando mais na prevenção e na aproximação com a comunidade.” Ele destaca que “muitos traficantes não se deslocam com droga no corpo”, escondendo os entorpecentes nos próprios jardins, o que dificulta o combate.

Flagrantes no Parque Halfeld: moradores de rua utilizam o espaço para dormir e lavar roupa; usuários fumam cachimbo de droga em plena luz do dia

Reincidência
O comandante da 30ª Companhia da Polícia Militar, capitão Leonardo Medeiros, garante que as operações no Parque Halfeld são frequentes, sobretudo contra o tráfico. “Fizemos recorrentes prisões no local. Nosso problema maior no enfrentamento à criminalidade é a reincidência.” Segundo ele, há pessoas que já foram presas duas ou três vezes pelo comércio de entorpecentes no espaço público. Quando se trata de usuário, o retorno é ainda mais rápido. “Se for uso, eles voltam na hora. O tráfico ainda tem uma série de questões, como envolver menores de idade.”

Conforme o capitão, os pontos mais críticos são próximo ao banheiro e à banca de jornais. Questionado sobre a presença do crack flagrado pela reportagem, ele diz que as drogas “são diversas” e que o combate tem sido focado em autores contumazes. Em relação à importância do Olho Vivo, avalia: “Algumas câmeras retornaram e já houve melhora significativa.”

Sete moradores em situação de rua

Pelo menos sete pessoas em situação de rua frequentam o Parque Halfeld, conforme a Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS), que realiza diariamente abordagem social no espaço público. “Estas são conhecidas pelos abordadores, que já ofertaram diversas vezes todos os serviços e programas sociais disponíveis pela Prefeitura, mas recusam a oferta. Vale lembrar que só serão encaminhadas caso aceitem. De acordo com a legislação, todos possuem direito de ir, vir e permanecer”, ressalta a pasta. Ações conjuntas também são desenvolvidas entre a SDS, Demlurb, Secretaria de Meio Ambiente e Ordenamento Urbano (Semaur), Guarda Municipal e PM, “com a intenção de orientar os moradores em situação de rua sobre os serviços sociais da Prefeitura”.

Pelo menos sete pessoas em situação de rua utilizam o Parque Halfeld, conforme a Secretaria de Desenvolvimento Social; frequentadores reclamam de brigas frequentes entre eles (Foto: Felipe Couri)

Segundo a assessoria da Empav, o banheiro funciona diariamente em horário comercial, sendo a manutenção realizada por uma firma contratada. “Uma das obrigações é a limpeza diária. Caso isso não esteja sendo feito, a empresa será notificada.” O Demlurb, por sua vez, informou haver uma equipe específica de varrição no Parque Halfeld de segunda a domingo. Já a “limpeza bruta”, conhecida como lavação, acontece quatro vezes ao ano. A última está marcada para dezembro.

Banheiro passará por reforma

Desde o ano de sua fundação, em 1981, a Tribuna produz reportagens sobre as demandas e observações da população relacionadas ao Parque Halfeld. Naquela época, o verde já havia dado lugar ao calçamento em projeto arquitetônico e paisagístico da profissional paulista Rosa Grena Kliass. Em 1994, o espaço público foi denunciado pela insegurança. Dez anos depois, o aparente abandono e a prostituição foram destaques no jornal, quando também já apareciam indícios de tráfico de drogas. Os entorpecentes voltaram ao centro da questão em março de 2017, ano da maior reforma desde o início da década de 1980.

O historiador da Divisão de Patrimônio Cultural da Funalfa, Fabrício Fernandes, explica que, além de ser tombado, o Parque Halfeld faz parte de outras duas leis de proteção do município. Uma delas é referente ao conjunto paisagístico formado pelos prédios históricos do entorno, como o da própria Funalfa e da Câmara Municipal, além das igrejas Metodista e São Sebastião, entre demais imóveis. Em outra norma, é impedida a aprovação de qualquer volume no eixo entre as ruas Halfeld e Marechal Deodoro que impeça a visão do Morro do Cristo pelo Parque Halfeld.

Segundo Fabrício, devido ao tombamento, feiras e eventos também devem passar pela liberação do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Comppac). “Normalmente, é necessário entrar com documentação de três em três meses, para mantermos o controle.” Ele acrescenta que o projeto para reforma do banheiro foi finalizado pela Divisão de Patrimônio Cultural (Dipac) e já está aprovado pelo Comppac e pelo Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência. A obra, que vai contar com a demolição da estrutura atual, será executada com recursos do programa de Financiamento para Infraestrutura e Saneamento (Finisa) da Caixa.

Para o arquiteto e professor do Departamento de História da UFJF, Marcos Olender, o Parque Halfeld é, efetivamente, junto com o Calçadão da Rua Halfeld, o principal lugar de encontros (tanto de pessoas e grupos, quanto de itinerários) do Centro de Juiz de Fora. “Continuo achando que a melhor maneira de se conservar o Parque Halfeld e, inclusive, valorizá-lo como espaço urbano é aliar uma excelente manutenção cotidiana (com a implementação de uma boa iluminação, limpeza rotineira e serviço de segurança) com uma adequada e constante ocupação, como são exemplos as feiras e eventos que já fazem parte do seu dia a dia. Talvez fosse interessante tentar se realizar um calendário destas atividades, tanto rotineiras quanto periódicas, e fazer uma boa divulgação deste calendário, com antecedência, para se estimular a frequência constante do lugar pelos juiz-foranos. Várias ações e atividades que já ocorrem foram responsáveis pela melhora significativa na qualidade do parque e do seu uso.”

Foto: Felipe Couri

Apesar de haver opiniões a favor do cercamento do parque no período noturno, o especialista é completamente contra. “Este tipo de iniciativa, foi tentado, por exemplo, em praças no Rio e não deu certo. Alguns defendem, inclusive, as cercas, dizendo que elas já existiram em volta do espaço. Sim, no início do século XX, quando ele era efetivamente um pequeno Parque Municipal, e o centro da cidade tinha uma população e uma circulação de pessoas infinitamente menor. O próprio desenvolvimento urbano mudou radicalmente o uso do lugar, caracterizando-o como uma grande praça pública, lugar de encontro e de passagem. O seu próprio paisagismo, hoje, é de uma grande praça.”

Olender insiste que a melhor forma de coibir qualquer atividade ilegal é implementar um “excelente” sistema de iluminação e de segurança pública. “Além, é claro, de se pensar alguma espécie de uso noturno que traga mais vida ao lugar sem prejudicar a tranquilidade daqueles que moram em seus edifícios. Uma feira noturna de gastronomia, por exemplo, localizada a uma certa distância dos edifícios residenciais, por exemplo. Ou uma feira de antiguidades. Estes são alguns exemplos de atividades que se bem planejadas poderiam trazer vida ao lugar em horários ainda não utilizados.”

Adoção de praças

Sobre a política de adoção não onerosa de praças públicas, regulamentada conforme publicação no Diário Oficial no último fim de semana, o arquiteto pondera que a ideia tem que ser muito bem pensada. “A adoção de espaços públicos pela iniciativa privada pode dar um poder de intervenção visual e urbanística no espaço que pode acabar descaracterizando o mesmo, como que “privatizando” este espaço, pelo menos na aparência, e tornando-o simbolicamente menos público. (…) O caso de adoção pela comunidade também é bem-vindo, mas também tem que ser bem regulamentado.” Ele enfatiza que “qualquer espécie de adoção não pode permitir restrições ao seu uso adequado por parte dos cidadãos”.

A Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag) ainda vai publicar, nos próximos dias, edital de chamamento público, listando todas as praças aptas à adoção não onerosa e informou ainda estudar a inclusão ou não do Parque Halfeld. “É claro que um espaço público desta natureza deve ser cuidado com muito zelo pelo poder público, pois é um símbolo cultural e histórico da nossa cidade”, alerta Olender, acrescentando que a adoção de praças pela comunidade ou por empresas não pode servir de pretexto para retirar a responsabilidade das autoridades, pois os espaços devem continuar públicos.

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