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Um idoso é atropelado a cada 44 horas em JF

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Também na Andradas, travessia é feita em área não sinalizada, apesar da proximidade com a faixa de pedestre (Fernando Priamo/08-06-16)

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Sessenta e seis idosos foram internados na rede pública, nos quatro primeiros meses deste ano, vítimas de atropelamentos em Juiz de Fora. Desses, seis morreram. Os dados, registrados no sistema Datasus, do Ministério da Saúde, impressionam, pois o município está atrás somente de grandes metrópoles em ocorrências desta natureza, como São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza (CE) (ver quadro). O trânsito da cidade e o comportamento dos motoristas são algumas das explicações apontadas por especialistas ouvidos pela reportagem, embora a imprudência do próprio idoso não possa ser omitida. Neste mês, a Tribuna registrou diversos flagrantes de pessoas mais velhas atravessando em locais perigosos e não sinalizados de grandes corredores de tráfego, como as avenidas Getúlio Vargas e Andradas. Longe de ser um ponto fora da curva, a realidade identificada no início deste ano segue uma tendência já observada em anos anteriores. Em todo o ano de 2015, foram 174 internações com 11 evoluções para óbito, enquanto que, em 2014, 216 internações e 15 mortes.

Para a doutora Andreia Santos, cientista social e professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG), a situação é explicada por dois fatores: a explosão da frota de veículos e o crescimento acentuado da população idosa. Ela, que pesquisa violência no trânsito, argumenta que estes acidentes mostram que o problema é social e relevante, embora as políticas públicas ainda não tenham se atentado para isso. “É mais uma discussão sobre o envelhecimento do que um problema exclusivo de trânsito. Mas quando voltamos a discussão para o trânsito, percebemos que o assunto ainda é pouco explorado. Em Juiz de Fora, onde vivi muitos anos, percebo que, à medida que se resolve a situação no tráfego, piora a do idoso. Na Avenida Rio Branco mesmo, em frente ao Parque Halfeld, o tempo de travessia é pequeno, e muitos idosos olham para a pista dos ônibus ao atravessar, mas se esquecem da pista dos carros.”

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Ao falar do problema em todo o país, a especialista cita o fato de este público ter chegado à terceira idade com outra percepção de tráfego e fluidez: ou seja, poucas décadas atrás, as grandes cidades não tinham volume de carros como hoje. Exemplo disso está em Juiz de Fora, onde a frota praticamente dobrou em dez anos, conforme dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). “O Brasil criou uma perversão, porque mata em um trânsito que não anda”, refletiu.

Vulnerabilidade

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Para o gerontólogo e assistente social José Anísio da Silva, o Pitico, trata-se de uma antítese: “O trânsito precisa de fluidez, e o idoso precisa de tempo.” Segundo o especialista, soma-se a isso a falta de educação, de todos, com relação ao envelhecimento. “Não é querer uma cidade só para o velho, mas é preciso respeitá-lo. Tenho, quase que diariamente, informações sobre atropelamentos em Juiz de Fora. É uma questão que me preocupa, não apenas do ponto de vista profissional, mas também na certeza que, daqui a um tempo, serei idoso.” Ele também levanta a hipótese de eles serem vítimas em potencial pelo fato de serem mais vulneráveis. “Eles não têm mais o equilíbrio e a mobilidade dos mais jovens, e as consequências de uma queda são muito maiores.”

Também existe a imprudência, de ambos os lados, conforme o gerontólogo. Ele afirma que sabe de casos, por exemplo, de pessoas que morreram porque foram atropeladas nas calçadas, por motos ou bicicletas. Ao mesmo tempo, os idosos também podem ser culpados. “Nós envelhecemos como vivemos. Não é o cabelo branco que vai transformar nossa dignidade e o nosso caráter. Quero dizer, tem casos, sim, de atropelamentos porque são desatentos ou apressados. Mas ainda assim acho que, entre a máquina e o idoso, a vida humana deve ser sempre preservada.”

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Na Avenida dos Andradas, idoso se arrisca em meio a carros e motos em horário de rush (Fernando Priamo/08-06-16)

Especialista defende menos multas e mais campanhas

Ao levar em consideração os atropelados de todas as cidades, Juiz de Fora só perde, proporcionalmente, para o Rio de Janeiro em casos envolvendo idosos nas cidades com maior número de registros. São 17% do total no município, contra 24% na capital fluminense, 15% em São Paulo e 14% em Fortaleza. Conforme o subsecretário de regulação da Secretaria de Saúde, Victor Rodrigues, a quantidade de idosos internados por atropelamentos não chega a impactar no sistema, embora estes tenham a especificidade de ocupar os leitos por mais tempo. “Mas estamos falando dos idosos com 70, 80 anos, que são casos especiais. O idoso na faixa de 60 anos é diferente daquele de décadas atrás. Ele está mais ativo, trabalha e exerce outras atividades na cidade.” O que Rodrigues afirma, no entanto, é que o número de acidentados que dá entrada na rede pública aumenta à medida que cresce, também, a frota de veículos e a própria população.

Os especialistas ouvidos pela reportagem pensam de forma parecida ao citarem a necessidade de uma mudança cultural para resolver a questão, que envolvam todos os atores: motoristas, pedestres e gestão de tráfego. O secretário de Transporte e Trânsito da cidade, Rodrigo Tortoriello, afirma que os trabalhos de conscientização promovidos pelo Poder Público têm sempre como foco as crianças e os idosos. “Trabalhamos sempre com estas duas pontas da vida em nossos projetos de educação para o trânsito. Temos uma atuação intensa no Pró-idoso, assim como no Conselho do Idoso. Percebemos que as pessoas mais velhas estão muito mais ativas do que antes, embora com a diminuição do reflexo natural do corpo por conta do envelhecimento. Minha concepção é que a mente humana não está preparada para a queda do rendimento do corpo.” O gerontólogo José Anísio da Silva acrescenta que a percepção dos idosos pode ser atingida, também, pelo uso dos medicamentos. “São, em média, de cinco a dez remédios por dia que, cientificamente, alteram os sentidos. Enxergam menos, escutam pouco e andam mais devagar.”

Com relação ao comportamento do motorista, a cientista social Andreia Santos avalia que a cultura começa a mudar com relação ao respeito, apesar de ainda não ser um cenário ideal. “Precisamos criar um mecanismo de controle mais eficiente que passa não pela punição, mas pelo entendimento e respeito ao espaço físico. As condutas devem estar fixadas em todos os sujeitos para que não haja punição por si só, mas educação. Sou contra apenas multar, defendo mais as campanhas. Nos Estados Unidos existe um mecanismo em que o infrator, ao cometer uma irregularidade, recebe notificações e responde a um processo na terceira reincidência.”

Semáforos

Sobre o planejamento viário, Tortoriello garante que o tempo dos semáforos é estipulado pensando também neste público. “Temos um cálculo que leva em consideração o tempo médio de um adulto para a travessia acrescido de mais 10%”, informou, argumentando, porém, que a imprudência ainda é realidade, tanto dos condutores como dos pedestres.

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