A Tribuna teve acesso à decisão do juiz Daniel Réche da Motta, que resultou no cumprimento de mandados diversos de prisões preventivas, busca e apreensão e outros, e permitiu a deflagração da Operação Transformers na última quinta-feira (20). O documento mostra as justificativas do Ministério Público de Minas Gerais, por meio de promotores de Justiça integrantes do Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco), acatados pelo magistrado, e revela detalhes da investigação da suposta organização criminosa. A apuração aponta um intrincado esquema envolvendo, entre os vários investigados, dois advogados e nove policiais civis.
Segundo a decisão, o procedimento investigatório criminal foi instaurado a partir de informações, que chegaram ao conhecimento do Gaeco, que indicavam a existência de uma organização criminosa na cidade, cujo núcleo central seria formado por nove pessoas, sendo oito homens e uma mulher. Eles estariam, de forma estruturada, praticando diversos crimes, dentre eles roubo, furto, receptação e desmanche de veículos.
“As atividades ilícitas do grupo teriam por finalidade o abastecimento do mercado clandestino de peças automotivas e veículos clonados”, afirma trecho da decisão. Ainda segundo as investigações, dentre outras práticas, o suposto grupo criminoso realizaria subtrações de automóveis e desmanches, repassando peças a comércios clandestinos localizados na cidade, além do uso de algumas peças em outros veículos, geralmente adquiridos em leilões de seguradoras.
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Ostentação
Ainda de acordo com a decisão, com estas práticas, os investigados conseguiriam, a baixo custo, recuperar veículos e acobertar a destinação dos produtos dos crimes. “Os automóveis utilizados pelo grupo, ainda, seriam empregados na prática de outros delitos, como transporte de drogas e armas. A atividade criminosa em tese praticada permitiu que os investigados ostentassem em suas redes sociais o fruto destes ilícitos, seja por meio de aquisição de bens de luxo, como carros importados, seja por viagens para pontos turísticos sofisticados.”
Desta forma, as apurações apontam que um grande volume de dinheiro oriundo dos crimes seria investido na compra de bens móveis e imóveis, registrados, em sua maioria, em nome de terceiros, popularmente conhecidos como “laranjas”. Para além do núcleo central da suposta organização, os investigadores descobriram a relação de outros indivíduos com o grupo, que também estaria envolvido com tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.
As investigações ainda identificaram o uso de empresas, nas quais eram injetados recursos ou produtos de atividades criminosas. Tais valores eram utilizados no financiamento das atividades regulares da pessoa jurídica e, ao final, “branqueados” e devolvidos ou reinvestidos. Também foi descoberto um esquema de pagamento de propina a agentes públicos, os quais “blindariam” membros da organização criminosa em troca de vantagem indevida. “Não é possível aprofundar o conhecimento a respeito das tarefas que, supostamente, competem a cada indivíduo suspeito de integrar a organização criminosa em apuração”, pontua a decisão.
Laranjas adquiriam veículos incompatíveis com rendimentos
Outro ponto que chamou a atenção do Gaeco durante as investigações foi o fato de três investigados, em especial, terem movimentado altos valores, incompatíveis com suas receitas. Um deles, por exemplo, teria um salário de R$ 1.340,85 e, nos últimos dois anos, adquiriu veículos no montante de R$ 786.690. Somente no ano de 2020, o investigado teria movimentado mais de R$ 2 milhões, conforme se constatou pela quebra de sigilo bancária e fiscal.
Outra possível laranja, uma mulher, também teria registrado um grande número de veículos em seu nome. Ela é esposa de um dos nomes apontados como um dos integrantes do núcleo central da suposta organização e seria proprietária de uma empresa possivelmente responsável pela venda de peças de automóveis produtos de crimes. O terceiro suspeito de ser laranja teria adquirido, entre os anos de 2019 e 2022, pelo menos 75 veículos, os quais somam o valor de R$ 845.530. Isto sem possuir lastro patrimonial, uma vez que ele não possui renda formal e vínculo trabalhista desde o ano de 2017. Ele é irmão de um dos investigados que supostamente integraria o núcleo central da organização.
Policiais e advogados
Segundo a decisão, as investigações apontam indícios de supostas práticas de corrupção ativa e passiva e coloca dois advogados e nove policiais civis entre os demais suspeitos, em um suposto esquema de suborno permanente aos policiais civis de delegacias especializadas de Juiz de Fora. Um delegado, um inspetor, quatro investigadores e outros três policiais civis estão entre os suspeitos.
Assim, a investigação aponta que, através do acesso às nuvens dos investigados, foram obtidas uma série de conversas entre os integrantes da suposta organização criminosa e dois advogados, além de diálogos com policiais civis lotados na Delegacia Especializada Antidrogas. Também teriam sido identificados prints envolvendo conversas, indicando, assim, elementos de uma tentativa de proteção da própria organização criminosa.
“Quê isso, véi, paguei o cara uma de oitenta, paguei o cara uma de cento e cinquenta mil, tá ligado? Agora foi, fez um acerto de quinze mil por mês. Dei os trinta mil de entrada conforme ele pediu, agora o cara faz um negócio desse?”, teria dito um dos investigados. A sentença ainda aponta que, por meio de quebra telemática deferida, “constatou-se a existência de um esquema de corrupção envolvendo policiais civis lotados na Delegacia Antidrogas”.
Segundo o texto da decisão, em dado momento, teria ocorrido o pagamento de R$ 500 mil para que a investigação não associasse um dos integrantes do núcleo central da organização criminosa ao tráfico de drogas, após a prisão de outros integrantes do grupo, e para que ocorresse a liberação da droga apreendida.
Traficantes e policiais
O texto do documento ainda aponta que haveria fortes elementos de que existem acordos com outros traficantes e os policiais, isso porque foi identificada uma conversa em que um dos advogados teria dito: “vocês recebem de um quarto da cidade”. Assim, há o entendimento que a fala pode indicar a existência de uma uniformização no pagamento da propina.
De acordo com apuração, em determinado momento, um dos investigados revela que manteria o pagamento de acertos para policiais civis da Delegacia Especializada de Combate a Roubos, supostamente afirmando que deveria “duas parcelas de 30”. Um dos investigados ainda teria dito que um dos policiais estaria o “achacando de forma escancarada”. “Tem um cliente do senhor que precisa ser ouvido! O prazo dele expira no sábado! Passando só pra lembrar aí”, teria dito um policial a um dos advogados.