Quando as temperaturas sobem é possível ver, nas timelines de redes sociais, nas academias e nas ruas, um movimento de muitas pessoas se exercitando mais e impondo restrições à alimentação, buscando exibir um corpo mais magro na estação em que ele fica tanto à mostra, o verão, que chegou ao fim no último dia 20. Apesar de ser um processo que acontece anualmente e é visto socialmente com muita naturalidade, tanto nutricionistas quanto educadores físicos apontam que fazer dietas ou rotinas de exercício buscando resultados imediatos pode causar graves consequências à saúde física, psicológica e até social.
Aos 32 anos, o professor de inglês Luiz Guilherme Castro sofreu muitos destes efeitos ao longo da vida. “A primeira dieta que eu realmente fiz foi aos 23, quando resolvi tomar shakes para emagrecer. Era totalmente restritivo, basicamente só tomando líquidos. Em um mês, eu eliminei sete quilos. Porém, não tive muito o que comemorar, já que rapidamente eu recuperei mais que o dobro. É, honestamente, uma forma de tortura. Ao longo da vida, as dietas contribuíram, e muito, para minar minha autoestima. Eu focava no que não era, no que eu não tinha, na minha incapacidade de superar meus limites. Quanto mais eu falhava, mais eu comia. Quanto mais eu comia, mais eu engordava e pior me sentia”, relembra.
O nutricionista Felipe Barreto aponta que este processo de engordar e emagrecer, o “efeito sanfona”, é um dos riscos mais graves de dietas restritivas e que prometem emagrecimento rápido, e pode trazer outros desdobramentos graves. “Existem diversos estudos mostrando como pode ser prejudicial para a saúde essa perda e ganho de peso repetida. Os clicladores (pessoas que tem episódios de efeito sanfona) têm maior ganho de peso a longo prazo e um aumento no risco de ter doenças cardiovasculares. Outro risco é de piora da relação com a comida, muitas vezes com ela sendo reduzida apenas a nutrientes, enquanto sabemos da importância social, emocional, cultural que ela exerce. Comer não é colocar lenha na fogueira.”
Além da alimentação, a obsessão por emagrecer rapidamente também leva algumas pessoas a fazerem atividade física imprudentemente e sem orientação profissional, o que, segundo o educador físico Ricardo Pires, também traz muitos perigos. “É provável que a pessoa não alcance os resultados esperados, causando uma grande frustração. Aquele que busca este caminho sem orientação, provavelmente, irá se lesionar em algum momento. Isto porque as articulações precisam de variação de carga, intensidade e repouso para a recuperação adequada.”
Outro (mau) hábito comum de quem tem pressa para emagrecer é o uso de moderadores de apetite ou outros medicamentos que promovem perda de peso. A blogueira Tatáh Fávero, de 26 anos, conta que já recorreu a dieta ultrarrestritivas como a de shakes e a Dukan (rica em proteínas e com zero ou quase nenhum carboidrato) e também já tomou remédios para emagrecer. “Sempre fui meio preguiçosa na época em que fazia dietas restritivas e tomava sibutramina. Eles faziam o ‘esforço’ por mim, então, ‘tava’ tudo certo, deixava o tempo para estudar e trabalhar. Mas hoje sei que o que faz mal não é estar acima do peso, mas ser sedentário, eu estava fazendo tudo errado. Hoje a saúde está em primeiro lugar, e considero que felicidade também faz parte da qualidade de vida. Jamais vou me sentir mal porque comi um arroz com feijão da minha vó ou o macarrão da minha mãe no domingo! Apesar de o mundo querer que a gente pense assim, essa não sou eu.”
Resultados ilusórios
Segundo Felipe Barreto, as dietas restritivas criam uma ilusão de emagrecimento, de “resultados rápidos”, mas na verdade elas contribuem para um processo de perda de peso seguida por um ganho muitas vezes maior, levando ao que os especialistas chamam de “ciclo das dietas”. “Dietas restritivas têm como base a diminuição da quantidade de energia ingerida, pode ser com a redução de carboidratos, proteínas ou de gorduras. A curto prazo, acontece uma perda de peso inicial, mas que se torna insustentável, uma vez que nosso cérebro não consegue entender se estamos passando fome porque queremos ou se é proposital. Isso tem como consequência uma diminuição do metabolismo, ou seja, começamos a gastar menos energia do que de costume (afinal, estamos ingerindo menos energia). Outra consequência é o aumento da fome e do desejo de comer alimentos calóricos (que normalmente são os proibidos quando se faz um regime). Quando a pessoa que faz dieta eventualmente desiste, ela volta a comer em excesso os alimentos que eram proibidos, e pode ocorrer um ganho de peso (muitas vezes maior do que o que ela perdeu), então volta a insatisfação corporal e ela acaba entrando em outra dieta, achando que a próxima vai funcionar”, explica ele.
O relato da blogueira Tatáh Fávero ilustra exatamente o círculo vicioso que o nutricionista descreve. “Já tomei shake, que resolvia muito, porque substituía uma refeição, mas era só voltar a comer que engordava de novo. Depois, me dei conta que qualquer pessoa que substituir uma refeição importante (eu fazia no almoço) por líquidos, obviamente que vai desinchar. Já a dieta Dukan é basicamente de proteínas. Essa fez efeito, viu? Entretanto, chega uma hora que você não aguenta nem sentir o cheiro de filé de frango e ovo. É muito louco poder comer só um tipo de coisa e poder comer a quantidade e a hora que quiser, eu estava entupindo meu corpo de sal, enjoei rápido. Para mim não funcionou!”, relembra.
O educador físico Ricardo Pires acrescenta que a correria para as academias antes e durante o verão é um equívoco que, além de poder afastar as pessoas do emagrecimento, também oferece riscos graves à saúde. “Quem quer emagrecer para caber no biquíni ou sunga costuma apostar todas suas fichas nos aeróbicos. Investem horas de exercícios em corrida, bike ou aulas de ginástica. O principal erro é agir como se existisse apenas no verão, quando o corpo está mais exposto. Mesmo que se exercite exclusivamente para este fim, é no outono/inverno/primavera que se esculpiria o corpo. Este imediatismo leva a pessoa a procurar o caminho mais curto prometido por pílulas mágicas, dietas malucas e anabolizantes.”
Equilíbrio é a palavra-chave
Depois de anos de proibições na sua alimentação, o professor Luiz Guilherme só conseguiu perder 37 quilos dos 107 a que chegou quando parou de se privar de ingredientes e alimentos. “Comecei a tentar entender o que não dava certo nas minhas dietas. Sempre que começava uma nova, eu dizia ‘não posso tomar refrigerante, não posso comer salgados’, e isso despertava em mim a necessidade de, justamente, tomar refrigerante e comer salgados. O corpo odeia privações. Foi aí que eu desenvolvi estratégias. O segredo não era mais dizer ‘não posso’. Era dizer “não quero agora, amanhã eu como.
Sempre que eu sentia desejo de tomar sorvete, eu dizia a mim mesmo: ‘Eu posso tomar agora mesmo, se realmente quiser. Mas vou deixar para um momento mais propício'”, conta ele, que se recusa a ser “obcecado” com alimentação saudável e caminha diariamente, hábito que adotou para a vida. “Uma vez por semana, eu vou a um fast-food e peço o mesmo lanche: hambúrguer pequeno, refrigerante zero açúcar e batata frita média. É o meu momento, meu ritual. Eu posso comer fast-food todo dia? Não, claro que não. Além de me deixar doente, eu rapidamente ficaria enjoado do sabor. Justamente por saber que aquele é um momento especial, atípico, ele tem mais valor. O hambúrguer gigante e o pequeno nos trazem a mesma alegria. Você tem que saber como saborear, fazer o momento durar.”
Segundo Felipe Barreto, uma relação saudável com a alimentação passa justamente por processos como o que Luiz Guilherme descreveu, de autoconhecimento no que diz respeito à comida. “Entender o que te leva a comer é o começo de uma nova consciência em relação a comida. Quando pensamos em emagrecimento, podemos fazer várias loucuras para atingir o ‘peso ideal’, como cirurgias, tomar remédios, fazer dietas loucas, mas essa perda de peso é insustentável. Então meu conselho é: pare de fazer dietas, foque na sua saúde, foque em entender melhor o seu corpo, entenda os motivos que te levam a comer. Não comemos só quando estamos com fome, podemos recorrer a comida quando estamos tristes, ansiosos, felizes, com amigos, etc. Comece a perceber melhor sua fome, sua saciedade”, orienta ele. O nutricionista diz, ainda, que é preciso “comer com atenção plena”, conceito que deriva do termo “mindful eating”, que ele esclarece. “É muito mais que apenas comer atento. ‘Mindful eating’ é ter uma atitude não julgadora perante os alimentos (alimentos bons x ruins); é utilizar todos os sentidos durante o ato de comer: observar cores, texturas, aromas, sabores. É voltar a atenção plena para como seu corpo funciona durante, sem depender de terceiros para te ensinar e eliminando distrações durante as refeições.”
Felipe destaca, ainda, que embora o emagrecimento não deva ser o foco do mindful eating, mas sim a saúde, a prática pode levar, sim, a uma perda gradual de peso. “Quando focamos em melhorar nossa relação com a comida, a perda de peso pode acontecer de uma forma muito mais saudável e sustentável. Se você começa a se perceber mais, se começa a entender os motivos que te levam a comer, se sua compulsão diminui, se começa a perceber melhor sua fome e saciedade, existe uma chance muito grande de você começar a comer mais próximo do que seu corpo realmente precisa. Faça um ‘projeto vidão’. Pare e pense, a dieta do verão passado funcionou? Talvez se tivesse funcionado, você não faria outra esse ano, né?!”, conclui o nutricionista.
Moderação, intensidade e orientação
No que diz respeito a mexer o corpo, o educador físico Ricardo Pires ressalta que é importante distinguir “atividade física” de “exercício”. “A primeira corresponde a qualquer atividade que gere contração muscular, aumento da frequência cardíaca, etc. Já os exercícios são repetições sistematizadas de movimentos para algum objetivo específico. Sendo assim, no sentido mais amplo, as pessoas devem aumentar seus níveis de atividade física na vida. Seja trocando o elevador pelas escadas, deixando o carro em casa e indo à pé para seus compromissos, ou até mesmo passando mais tempo brincando com os filhos. Isto é melhor para saúde física, ambiental e social”, destaca.
Para ele, a saúde física, que nunca deve ser comprometida em detrimento da busca pelo emagrecimento, está associada a três fatores: moderação, intensidade e orientação. “Moderação na relação com a comida, pois comer moderadamente e de tudo é a melhor conduta. Intensidade nos exercícios.
Ninguém precisa passar horas se exercitando. Trinta, quinze e até dez minutos podem ser o suficiente se você treinar intensamente. Além da economia de tempo, os resultados são melhores do que aqueles que treinam moderadamente por mais tempo. Mas sem dúvida, isso deve ser feito com orientação profissional. O profissional de educação física e nutricionista fazem toda a diferença nesta jornada de busca pela saúde.”