A reconstituição dos momentos que antecederam a morte de Matheus Goldoni Ribeiro, 18 anos, mobilizou dezenas de pessoas, na manhã desta terça, incluindo os dois seguranças, um ex-funcionário e o gerente operacional da casa noturna Privilège, indiciados por homicídio duplamente qualificado, por motivo fútil e sem chance de defesa da vítima.
Embora não fossem obrigados a comparecer, os quatro suspeitos participaram das duas primeiras etapas do trabalho, mantendo suas identidades preservadas por máscaras e capuzes. Algumas testemunhas também optaram pela proteção.
Pouco mais de um ano depois do homicídio na saída da Privilège, o delegado Rodrigo Rolli pretende esclarecer o ainda obscuro caso, a pedido do promotor Juvenal Martins Folly, também presente, assim como testemunhas, investigadores e peritos da Polícia Civil. “Em busca da verdade” e com os olhos em lágrimas, a mãe de Matheus, Nívea Goldoni, 43, acompanhou os trabalhos, ao lado do marido, Cláudio Ribeiro, 45. “A reconstituição é importante nesse sentido, de tornar mais visível o crime, tanto para a acusação, quanto para a defesa. É complicado você ter uma verdade no papel e, aqui (em outro plano), o que aconteceu. Este é o objetivo da investigação: tentar reconstruir o fato, da melhor forma possível”, disse o delegado que, durante dez meses, se debruçou sobre o inquérito, no qual foram ouvidas 49 pessoas e feitas 14 acareações.
Segundo Rolli, no momento da reconstituição, um escrivão permaneceu com as oitivas em mãos, fazendo a comparação entre o que as pessoas falavam e o que haviam dito em seus depoimentos, a fim de sanar os pontos contraditórios. Todo o trabalho foi filmado e fotografado para poder ser posteriormente analisado. Segundo ele, além do Ministério Público, acompanharam de perto advogados da família, da empresa (Privilège) e dos investigados.
A parte mais enigmática do caso deverá ser reconstituída na próxima semana no interior da mata, onde o jovem foi encontrado morto, nas águas da cachoeira do Vale do Ipê, na manhã do dia 17 de novembro de 2014, cerca de 56 horas após ter sido visto pela última vez.
Mas a equipe envolvida já conseguiu esclarecer alguns fatos, divididos em duas etapas. A primeira, visou a simular a briga ocorrida no interior da boate, quando Matheus foi agredido com um soco no rosto, supostamente por motivo passional. Já na segunda fase, foi refeita a descida pela Estrada Engenheiro Gentil Forn, em direção ao Bairro Vale do Ipê, percurso no qual Matheus teria sido perseguido por seguranças, e onde retrovisores de carros estacionados foram quebrados. Nesse mesmo trajeto, um ex-segurança da casa, também indiciado, teria dado carona em uma moto ao gerente operacional para perseguir a vítima até a entrada da mata. Agentes da Settra estiveram no local e interditaram uma faixa da via, sentido Centro/Bairro, para a execução dos trabalhos. O tráfego chegou a ser interrompido em alguns momentos.
Testemunhas ausentes
Segundo o delegado, três testemunhas intimadas não compareceram. Uma das ausências foi justificada e é de um jovem que estaria presente no momento da discussão que antecedeu a briga no interior da boate. Um vendedor ambulante da região e uma mulher, que teria passado de carro no momento da perseguição, não enviaram justificativas. “Vou relatar tudo e será informado ao Judiciário, que tomará as medidas necessárias”, informou Rolli. Já quatro flanelinhas que estariam atuando no local no dia do crime participaram da reconstituição. Um deles é o homem indiciado por falso testemunho. Conforme o delegado, apesar de continuar afirmando que não estava presente, ele voltou a ser identificado. Um dos pontos contraditórios analisados é referente aos locais na Gentil Forn em que os quatro suspeitos de envolvimento no crime dizem ter parado durante a perseguição, a pé e de moto, alegando terem perdido Matheus de vista. Pelo menos duas testemunhas afirmam terem avistado os suspeitos em dois espaços diferentes, mais abaixo do que eles relatam.
Também no retorno do gerente operacional à casa, uma testemunha afirma ter ouvido uma conversa onde outra pessoa pergunta: “E aí? Pegou?” Na versão, o funcionário teria respondido: “Pegamos, lá dentro a gente conversa.” Conforme o delegado, as contradições permaneceram, mesmo com a encenação. “É muito cedo fazer qualquer conclusão sem a terceira parte.” Para o último trecho da reconstituição, no interior da mata, Rolli convocou as duas pessoas que encontraram o corpo do jovem, sendo elas um morador da região e um tio da vítima. O delegado adiantou que, além de verificar se o corpo foi mexido, o objetivo também é mapear a área de mata, inclusive com imagens de satélite, para identificar o tamanho do trajeto entre o início da trilha e o local onde Matheus foi encontrado. “Devemos agendar para o início da próxima semana. A própria perícia pediu para que fosse marcada outra data, tendo em vista que não vieram com roupas adequadas. Choveu muito de madrugada, e o acesso está difícil, muito escorregadio.”
‘Só Deus que dá força para a gente’
Para lidar com a perda brutal do filho de apenas 18 anos, os pais de Matheus Goldoni têm buscado apoio na Igreja católica, junto com os outros filhos – um rapaz, 21, e uma adolescente, 16. “Só Deus que dá força para a gente. Buscamos a verdade sempre, e o último passo é a reconstituição, para o processo voltar ao Ministério Público. Esperamos que falem a verdade, apesar das contradições nos depoimentos dos envolvidos”, desabafou a mãe, Nívea Goldoni, cansada da rotina de delegacia. “Esperamos que acabe logo, porque já tem mais de um ano. É muito difícil estar aqui hoje (ontem) também.” O delegado Rodrigo Rolli decidiu pelo indiciamento dos quatro suspeitos com base nas provas testemunhais e nos laudos periciais, mas as circunstâncias exatas em que o crime aconteceu não foram esclarecidas, porque ninguém teria visto o que ocorreu no interior da mata.
O pai da vítima, o mecânico Cláudio Ribeiro, considera a reconstituição uma etapa importante. “Estamos na esperança de que isso ajude a comprovar a verdade. Foi uma covardia.” Segundo ele, Matheus havia concluído o ensino médio, se formado em eletrotécnica e trabalhava em uma loja de celulares. “Ele também tinha se alistado no Exército e estava empolgado em seguir a carreira militar. Tinha acabado de fazer 18 anos (no dia 3 de julho)”, contou Cláudio, acrescentando que na noite em que foi morto, o filho havia ido pela primeira vez à Privilége. “Viram Matheus saindo, viram correndo atrás dele. Não é só a versão deles (indiciados), há testemunhas dos fatos ocorridos, e isso é muito importante. A verdade sempre prevalece”, declarou a mãe. “Eu acho que cercaram o Matheus de moto.
Ele foi parado antes da mata e levado para lá depois”, acredita Nívea. “Ele não conhecia a trilha, e a mata é muito fechada, não tinha como não sofrer arranhões naquela escuridão. Ele foi colocado vivo na água”, disse ela, lembrando que o laudo de necropsia apontou que Matheus ainda estava vivo quando caiu na água e foi morto por afogamento. “A pessoa pode se afogar, mas também pode ser afogada.” A família aguarda ansiosa os próximos passos da Polícia Civil e do Ministério Público. “Estamos muito apegados a Deus como forma de suportar a saudade. Não tem um minuto no dia que não pense em meu filho, seja por alguma lembrança do que ele gostava ou apenas por ver um garoto do porte dele. Ele está muito dentro da gente, não tem como esquecê-lo”, finalizou o pai.
Caso Matheus Goldoni – Linha do Tempo
17 de novembro de 2014 – O corpo de Matheus Goldoni é localizado no final da manhã na cachoeira do Vale do Ipê, cerca de 56 horas após ter sido visto pela última vez, do lado de fora da Privilège. Mais cedo, familiares de Matheus fecharam a Estrada Gentil Forn em protesto contra o seu desaparecimento.
18 de novembro de 2014 – Corpo de Matheus Goldoni é enterrado no Cemitério Municipal sob forte comoção. Laudo de necropsia aponta, preliminarmente, morte por afogamento.
20 de novembro de 2014 – Polícia Civil não descarta hipótese alguma para a morte de Matheus. Sete testemunhas começam a ser ouvidas: dois seguranças da casa noturna, o gerente do local, o técnico de informática responsável pelo sistema de segurança da Privilège, os pais e o irmão de Matheus.
21 de novembro de 2014 – Um porteiro, de 32 anos, é apontado como peça fundamental para desvendar o caso. Foi ele quem localizou o corpo do jovem na queda d’água. Em entrevista exclusiva à Tribuna, ele narrou o passo a passo até avistar Matheus, sem vida, de bruços dentro do curso d’água.
21 de novembro de 2014 – Rapaz diz, em depoimento, que agrediu Matheus com soco no rosto em boate pois ele teria “dado em cima” de sua namorada. O agressor disse que Matheus estava exaltado e que seguranças o levaram para um corredor, enquanto o jovem agredido foi colocado para fora da casa noturna. Exames toxicológico e de alcoolemia de Matheus são encaminhados a Belo Horizonte.
21 de novembro de 2014 – Familiares e amigos participam da missa de 7º dia de Matheus Goldoni na Igreja de São Sebastião, no Centro.
22 de novembro de 2014 – Privilège informa não ter imagens externas da boate que pudessem ajudar a Polícia Civil a elucidar a morte de Matheus. Dos 32 equipamentos instalados, apenas um estava em funcionamento. As imagens não mostraram o que aconteceu do lado de fora, após o jovem ser retirado da casa.
26 de novembro de 2014 – Resultado do laudo de necropsia do IML aponta que Matheus sofreu duas lesões internas no tórax ainda em vida. Elas teriam sido causadas por instrumento contundente, como chute, soco, paulada ou queda. Novas testemunhas são ouvidas.
28 de novembro de 2014 – Familiares e amigos de Matheus voltam a protestar pedindo justiça nas ruas do Centro de Juiz de Fora. Manifestação reúne cerca de 30 pessoas.
29 de novembro de 2014 – Depoimento de um taxista que presenciou todo o trajeto do jovem até a mata é considerado esclarecedor pela polícia. Sua declaração teria trazido fortes indícios para elucidar o que aconteceu do lado de fora da boate
2 de dezembro de 2014 – Polícia Civil ouve o homem que deu carona de moto a um dos seguranças que corria atrás de Matheus Goldoni
9 de dezembro de 2014 – Polícia Civil encerra a fase de depoimentos e aguarda os laudos das vísceras e das câmeras de segurança da boate para iniciar a etapa de acareações
23 de dezembro de 2014 – Familiares e amigos de Matheus Goldoni realizam mais um protesto pedindo justiça
21 de janeiro de 2015 – Polícia ouve mais quatro pessoas sobre o caso. Delegado Rodrigo Rolli afirma que laudo do médico legista confirma que a lesão no tórax da vítima foi causada por um instrumento contundente
23 de janeiro de 2015 – Polícia Civil ouve um flanelinha e uma senhora, considerada testemunha indireta, ou seja, que leva a outras pessoas que presenciaram o fato
26 de janeiro de 2015 – Outra testemunha ouvida, parente de um funcionário de um comércio no entorno da casa noturna, confirma versão já apresentada em caso Matheus Goldoni
29 de janeiro de 2015 – Depois de faltar ao seu depoimento, testemunha considerada chave no caso Mateus Goldoni é intimada para comparecer à sede da Delegacia Especializada em Homicídio
10 de março de 2015 – Laudo das câmeras comprova que o único dispositivo em operação era o do saguão principal da casa, que não mostrou qualquer imagem relevante para o caso. Mais cinco pessoas são ouvidas, inclusive um flanelinha que já havia sido interrogado. O testemunho dos flanelinhas foi apontado como contraditório, abrindo margem para serem indiciados por falso testemunho
23 de abril de 2015 – Laudo das vísceras de Matheus aponta que o jovem não havia consumido drogas e álcool na noite em que desapareceu
6 de maio de 2015 – Irmão de Matheus e segurança de boate são ouvidos na primeira acareação no inquérito que apura a morte do jovem
1 de junho de 2015 – Polícia Civil realiza sete acareações no caso Matheus Goldoni, que envolveram o gerente operacional da casa noturna, um ex-segurança da casa, um flanelinha, o dono de um carro que teve o retrovisor quebrado, dois seguranças, o dono de uma barraca de cachorro-quente e a mulher do ex-segurança
2 de junho de 2015 – Cinco testemunhas do caso Goldoni participam de acareação, exceto o flanelinha que tomava conta dos carros, considerado a testemunha central no caso
10 de junho de 2015 – Mais seis acareações são realizadas, envolvendo um ex-segurança, o gerente operacional da casa noturna e pessoas que estavam do lado de fora do local
25 de junho de 2015 – Delegado Rodrigo Rolli anuncia que ouvirá as últimas pessoas ligadas ao caso. Seriam realizadas mais três acareações e uma oitiva para concluir o inquérito e encaminhar à Justiça até o final de junho
7 de julho de 2015 – Mais três acareações acontecem envolvendo o irmão de Matheus, que estava com ele na boate no dia em que o jovem desapareceu, e um dos seguranças da casa. Delegado afirma que as contradições nos depoimentos continuam, sendo possível, entretanto, clarear alguns pontos
10 de julho de 2015 – Encerradas diligências do caso Matheus Goldoni. Polícia inicia a fase de relatório do inquérito.
21 de setembro de 2015 – Polícia Civil conclui o caso e indicia cinco pessoas: dois seguranças e o gerente operacional da casa noturna por homicídio duplamente qualificado, por motivo fútil e sem chance de defesa da vítima. Pelo mesmo crime, também foi indiciado um ex-segurança da casa, que teria dado carona em uma moto ao gerente para perseguir a vítima até a entrada da mata. Foi indiciado, ainda, por falso testemunho, um flanelinha que teria visto toda a movimentação
8 de outubro de 2015 – Ministério Público solicita à Polícia Civil a reconstituição do homicídio de Matheus. Para a reconstituição, seriam intimados dois seguranças, o gerente operacional da casa noturna e o ex-segurança da casa. O flanelinha também seria convocado, além de outras pessoas presentes no inquérito, incluindo testemunhas.
5 de novembro de 2015 – Reconstituição tem data confirmada para o final de novembro, com a participação de quatro indiciados no inquérito
Números do caso:
– Dez meses de investigação
– 49 pessoas ouvidas
– 14 acareações