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Desordem de endereços provoca transtornos em bairros

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A placa identifica a Rua Virgínia de Carvalho Ribeiro no Bairro Jardim América, mas há outra rua com mesmo nome no Graminha, na mesma região (Foto: Marcelo Ribeiro)

 

Dobra esquina, atravessa rua, procura placa, corre para o outro lado. Para e pede informação a quem passa. Apela para a tecnologia, ligando o GPS, e logo vem a constatação: está perdido. A cena ocorre com frequência em muitos endereços de Juiz de Fora, onde há problemas com numeração aleatória das casas, nomes de ruas duplicados e até a mesma via com mais de um nome. Desta forma, sem seguir regras lógicas, as complicações são frequentes de Norte a Sul da cidade. Quem mora nestes endereços aponta que enfrenta dificuldades para receber serviços públicos, como entrega de gás, encomendas dos Correios ou atendimento de táxis. Segundo a Secretaria de Atividades Urbanas (SAU), o município tem 3.925 ruas, mas nem sempre é fácil chegar até muitas delas.

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Na maioria das vias da região central e de bairros adjacentes, a sinalização dos endereços e nomes de ruas é mais clara. Mas esta situação vai se modificando à medida que os caminhos ficam mais distantes do Centro. A Tribuna percorreu vários endereços pela cidade e constatou as dificuldades. Quem entra na Rua Francisco Batista de Oliveira, Bairro Aeroporto, Cidade Alta, pelo cruzamento com a Avenida Eugênio do Nascimento, não encontra problema algum nos primeiros metros da via. No entanto, a partir do cruzamento com a Avenida Guido Monachesi, as casas apresentam numeração irregular. As residências de números 26 e 27, por exemplo, vêm seguidas por outra de número 572. O próximo imóvel é identificado pelo número 30, e a sequência da via continua sem ordem. Os moradores relatam os apuros para referenciar o local na tentativa de conseguir acesso a inúmeros serviços, como pedido de alimento em casa.


Uma das moradoras conta que já entregaram um botijão na Rua Batista de Oliveira, no Centro, porque confundiram os nomes das vias. “Se pedimos um táxi, por exemplo, é a maior dificuldade. Precisamos ficar ligando para dizer onde é, onde a pessoa tem que entrar. Quando recebo amigos, é a mesma coisa”, explica a comerciante Maria Cristina Lenotti. “Não adianta dar o endereço. Precisamos sempre orientar com referências, porque algumas casas ainda são numeradas com a identificação do lote e não do registro oficial da residência. Outras já contam com o número oficial”, detalha. Na dúvida, a comunicação é usada como estratégia. “Se a pessoa não conseguiu chegar, estamos sempre com o celular nas mãos e ligamos. Em alguns casos, como no táxi, nem adianta pedir. Agora eu estou usando Uber, porque ele vem pela localização.” Situações como essa se repetem em ruas de outros bairros, como Olavo Costa, Jardim Natal, Santo Antônio, entre outros.

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No caso do nome Antônio Lopes Júnior, ele também existe para uma rua localizada a cerca de seis quilômetros e meio de distância, no Bairro Francisco Bernardino

Do outro lado da cidade, no Bairro Nova Era, Zona Norte, a Tribuna encontrou três problemas em um único local. Há números irregulares, duplicidade do nome e a mesma via com dois nomes distintos. Além de Rua Antônio Lopes Júnior, ela é identificada como Rua Escoteiro Fernando César. No caso do nome Antônio Lopes Júnior, ele também existe para uma rua localizada a cerca de seis quilômetros e meio de distância, no Bairro Francisco Bernardino. “Algumas correspondências chegam com o endereço de Rua Escoteiro Fernando César, outras como Rua Antônio Lopes Júnior. Já aconteceu de não chegar conta na empresa por conta disso, por falta de um endereço oficial. A dúvida sobre qual é realmente o nome da rua persiste”, conta a gerente de empresa do local, Flávia da Silva Rodrigues.

Ainda segundo a gerente, o imóvel em que a empresa está instalada possui dois números. “Algumas correspondências chegam com uma numeração e outras com outra. Umas têm o número 10, outras chegam como número 153. Em frente à empresa tem uma casa com número 78, ou seja, não existe uma ordem. Mas a maior dificuldade de referência é o CEP (código de endereçamento postal), porque fica a dúvida sobre qual dos dois é o correto”, detalha. Ela mostra contas e correspondências que indicam nomes de rua e números distintos para identificar o mesmo endereço.
A confusão descrita por Flávia fica mais evidente em uma oficina automotiva instalada a poucos metros de distância. Lá, alguns funcionários confirmaram a dificuldade, dizendo que é preciso descrever o percurso até o local e reforçar os pontos de referência. A estratégia para evitar que as pessoas fiquem perdidas, segundo eles, é a mesma utilizada por Maria Cristina Lenotti: o telefone. No lado de fora do estabelecimento, o resumo da confusão: duas placas, cada uma indicando um nome diferente para a via.

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Foto: Leonardo Costa

Confusão até usando os aplicativos

Em uma consulta rápida em aplicativos, como Google Maps ou Waze, a Rua Virgínia de Carvalho Ribeiro aparece em dois bairros distintos. Os dispositivos indicam a presença de duas vias com o mesmo nome, uma no Bairro Jardim América, outra no Graminha, ambos na Zona Sul. O porteiro Luiz Fernando da Silva, que mora na Rua Virgínia de Carvalho Ribeiro do Jardim América há mais de 30 anos relata que as dificuldades com as correspondências são rotineiras. “Muitas realmente vão para outro endereço e não chegam aqui. Às vezes, precisamos tirar a segunda via, porque não apareceu a conta de luz. Dá muita mão de obra, traz muito desconforto, porque ficamos esperando, e as coisas não chegam. Na última hora, temos que pagar a conta com multa e tudo mais.” Ele afirma que já comprou materiais que foram entregues em um endereço de Graminha, e que só soube no terceiro ou quarto contato com a loja, quando a situação foi esclarecida.

Em casos nos quais as pessoas precisam chegar ao endereço de Luiz Fernando da Silva, ele se preocupa em dar uma orientação para evitar enganos. “Tenho que avisar tanto conhecidos quanto quem vem entregar algo. Dou ponto de referência para a pessoa não ficar perdida em outro bairro.”
O carteiro Fausto Júnior cobre a região e corrobora a situação. Segundo ele, muitas correspondências chegam à central de triagem endereçadas à localidade errada. “Às vezes, chega um número, e, quando vamos ver, ele não bate com a numeração da rua. Quando vamos fazer a nota, percebemos que se refere à Rua Virgínia de Carvalho Ribeiro errada, isso é comum acontecer.” O carteiro ainda considera problemas de numeração em outras vias da região, como na Rua Sebastião Nunes da Costa. “Isso gera complicações, principalmente quando é preciso deslocar outro carteiro para a região. No início, como ele não conhece a rota, acaba não identificando a situação e fazendo entregas em locais errados.” A duplicidade de endereços também acontece nos bairros Paula Lima e Chapéu D’Uvas, na Zona Norte. Ambas as localidades possuem ruas com o nome Coronel José Henriques Carvalho.
No Graminha, a placa que levava o nome Rua Virgínia de Carvalho Ribeiro está precariamente coberta com um plástico que indica o nome Conceição Atalaia. O comerciante Guilherme Viana Pires explica que o nome foi modificado há pouco tempo. Antes da alteração, havia muita confusão. “Acredito que esse problema não seja mais tão forte aqui. No entanto, vez ou outra, ainda aparece alguém perguntando pela Rua Virgínia de Carvalho Ribeiro.” O problema que persiste, segundo ele, é a numeração irregular na Avenida Joaquim Vicente Guedes, que começa no Cruzeiro do Sul, passa por Graminha e termina perto de Matias Barbosa. “O meu número aqui é 1.580. Logo abaixo, há outro comércio com o mesmo número. Aqui o número 600 vem seguido do 1.000, 1.500, sem uma ordem definida, como vemos em outros bairros.”

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Atraso na entrega de encomendas

Os Correios figuram entre os serviços mais afetados. O gerente regional de distribuição dos Correios, Anderson Laureano, enumera os empecilhos e lembra que as dificuldades crescem em caso de colocação de carteiros substitutos. “Os carteiros sentem dificuldades por conta da duplicidade de nomes e da numeração irregular. Esses fatores afastam os carteiros dos destinos finais das ocorrências, causando um atraso grande no recebimento e a chegada indevida dos objetos postais nos endereços errados”, comenta Laureano. “Essa dificuldade aumenta quando não há placa com o nome da rua, principalmente quando são entregas pontuais, que não são feitas pelo carteiro que atende aquela região.” Além disso, o gerente destaca que muitas pessoas usam CEPs genéricos, ampliando a barreira para uma identificação exata do destino. Os Correios também percebem dificuldades oriundas de hábitos das pessoas, como é o caso da Avenida Prefeito Melo Reis, no Aeroporto, que antes de 2011 se chamava Avenida Guadalajara, mas ainda tem uma série de encomendas endereçadas ao nome antigo.

Necessidade de maior atenção do Poder Público

Na Rua Francisco Batista de Oliveira, no Bairro Aeroporto,numeração sem regras dificulta referenciar endereço, como o das casas acima, em que o número 326 fica ao lado do 22 (Foto: Leonardo Costa)

Conforme o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CES/JF), Carlos Eduardo Felga, que também é presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil em Juiz de Fora (IAB/JF), problemas urbanos como esses estão presentes em todo país. “Temos notícias de pessoas que ligaram GPSs em busca de um endereço no Rio de Janeiro e acabaram, por conta da duplicidade dos nomes de ruas, sendo alvejadas por tiros de arma de fogo dentro de favelas, por exemplo. É um problema comum, que pode ter consequências muito sérias. Essas dificuldades precisam receber maior atenção do Poder Público, para que causem menos problemas para as pessoas. Ainda falta muito nesse sentido.”
Essas características, segundo o professor, estão relacionadas com o modelo de organização das ruas que é usado em Juiz de Fora e na maioria das cidades brasileiras em que os legisladores criam projetos de lei que nomeiam os logradouros, por meio de homenagens a nomes de agentes e momentos históricos. “Em Brasília, por exemplo, esses problemas de referência não existem. Lá as ruas não têm nomes de pessoas. A divisão é feita pelo planejamento urbano, característico do Modernismo. Quem não conhece a cidade pode achar difícil, mas quem conhece e está acostumado não precisa de GPS para indicar os caminhos”, compara.

O modo de nomear as ruas, tal como estamos acostumados, não está embasado em uma disposição lógica. “Nosso sistema é mais orgânico, as pessoas se guiam por suas experiências. Elas precisam conhecer os locais. Se alguém fala Avenida Getúlio Vargas, só vai saber chegar quem já passou por ela. Quem nunca esteve lá vai precisar de uma referência. Isso é algo cultural que veio junto com a colonização portuguesa.”
O mestre em engenharia de transportes, José Luiz Britto Bastos, explica que os problemas com as informações, sejam relacionados aos nomes de ruas, ou à numeração irregular não chegam a afetar a mobilidade urbana, porque esse conceito subentende o deslocamento de pessoas e veículos. “Não é o caso, embora a dificuldade de localização seja um problema muito presente e muito sério. A ordem é fundamental para que não vire uma bagunça”, considera.

Comissão de Urbanismo

Presidente da Comissão de Urbanismo, Transporte, Trânsito, Meio Ambiente e Acessibilidade da Câmara Municipal, o vereador Zé Márcio Garotinho (PV), admite a existência do transtorno nas vias da cidade. “Quando chegamos a um bairro que não tem boas referências, no qual as placas não estão visíveis, há um indicativo de um grande problema. Você precisa de um Norte, de uma direção.”

Existem alguns caminhos para a resolução dessas situações. No caso da duplicidade de nomes de vias, por exemplo, ele explica que um novo projeto de lei pode tornar o nome de uma das ruas único. “Nem sempre é tão simples, porque algumas pessoas possuem o documento da propriedade com o nome duplicado. A mudança de nome pode implicar em custo para essa pessoa. Então, nem sempre podemos indicar essa solução de imediato”, frisa o vereador. Por conta disso, é preciso que o problema seja reportado à Câmara, por meio da Ouvidoria nos contatos 0800 970 07 07 e ouvidoria@camarajf.mg.gov.br . Quando o caso pode ser resolvido pela Câmara, por meio desses canais, é encaminhado a um dos vereadores responsáveis. Mas se precisar ser resolvido pela Prefeitura, será levado ao setor responsável pelos vereadores.

No Nova Era, a mesma rua tem duas denominações: Escoteiro Fernando César e Antônio Lopes Júnior. Com isso, nomes variam nas correspondências (Foto: Leonardo Costa)

Caminhos para a mudança

A Secretaria de Atividades Urbanas (SAU) explicou que, no caso de ruas que apresentem numeração irregular, como no caso da Rua Francisco Batista de Oliveira, a numeração é oferecida pela pasta utilizando parâmetros oficiais. A base é o Serviço de Vistoria Técnica empregado no momento da aprovação de projeto de construção ou regularização do imóvel. Aqueles que não possuem o número oficial podem solicitar a inclusão em qualquer Espaço Cidadão da Prefeitura de Juiz de Fora. Ainda conforme a SAU, a duplicidade de ruas Coronel José Henriques de Carvalho não existe, porque se trata do mesmo local.

A Lei 4.990 de 1976 oficializa a Rua Antônio Lopes Júnior no Francisco Bernardino. Na via de mesmo nome, no Nova Era, a identificação foi revogada pela Lei 4.602. A Secretaria informa que o nome oficial é Rua Escoteiro Fernando César, pela lei 10.277 de setembro de 2002. A Rua Virgínia de Carvalho Ribeiro fica oficialmente no Jardim América. O nome foi dado pela Lei 7.137 de 1987. A SAU informou que vai enviar um técnico à Graminha para verificar a situação do local. O mesmo procedimento deve ser aplicado ao Bairro Previdenciários, porque a Rua Antônio Bento Vasconcelos é aprovada nominalmente pela Lei 7.213 de 1987. Nesse caso, a pasta enviará técnico às vias batizadas com letras de “A” a “E” para averiguar a situação. “Caso elas sejam denominadas acessos particulares, não podem ter denominação oficial.”
A Secretaria de Atividades Urbanas também informou que foi criada uma Comissão Especial para elaboração e constituição do Cadastro Único de Logradouros do Município. “O grupo já se reuniu com diversos órgãos, como Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), Correios, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre outros. O objetivo é verificar todas as incompatibilidades encontradas pelos órgãos que utilizam cadastros imobiliários, que, além desses órgãos, incluem a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros. O trabalho de identificação destas situações já foi finalizado. As correções devidas estão sendo realizadas rotineiramente, inclusive com vistorias in loco, por servidores da SAU.” No caso de dúvidas sobre problemas semelhantes, os moradores podem procurar o Departamento de Cadastro Imobiliário Municipal da SAU, na Avenida Rio Branco, 1.843/1º andar – Centro.

 

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