Estudo da UFJF aponta que obesidade é fator de risco maior para mais jovens

Segundo pesquisa, novo coronavírus potencializa letalidade em pacientes obesos mais novos em comparação àqueles que não têm a comorbidade


Por Luiza Sudré, estagiária sob supervisão da editora Rafaela Carvalho

23/05/2021 às 07h00

A pesquisa “Covid-19 e obesidade: uma análise epidemiológica dos dados brasileiros”, desenvolvida na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), apontou que o novo coronavírus pode favorecer que pacientes com obesidade cheguem a óbito mais novos em comparação aos indivíduos acometidos pelo vírus que não têm essa comorbidade. O estudo também aponta que o fator de risco está associado a um aumento na necessidade da internação nas Unidades de Terapia Intensivas (UTIs) e do uso do suporte ventilatório para quem está hospitalizado. A análise foi desenvolvida pela pesquisadora da UFJF Jacy Gameiro, doutora em Genética e Biologia Molecular.

Levantamento feito pela Tribuna, com base nos boletins epidemiológicos divulgados pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), mostram que a porcentagem de pessoas que tinham a obesidade como comorbidade e morreram vítimas da Covid-19 é de 13,6%. No total, entre 1.578 vítimas fatais da doença contabilizadas até esta quinta-feira (20), 216 pessoas tinham a obesidade como comorbidade. Dessas, 84 (45 homens e 39 mulheres) eram adultas, na faixa etária entre 18 e 59 anos, e outros 132 eram idosas (49 homens e 83 mulheres).

PUBLICIDADE

A Tribuna não considerou outras comorbidades também elencadas pelos boletins epidemiológicos e atribuídas às vítimas que tinham doenças prévias. Entretanto, a pesquisa da UFJF indica que, apesar de a obesidade não ter sido relatada anteriormente entre as principais comorbidades relacionadas à Covid-19, a condição tem um papel importante no desenvolvimento da doença e pode levar a um prognóstico mais prejudicado. O estudo também pontua que investigações demonstraram que outras doenças preexistentes também podem ser consideradas como fatores de risco, como hipertensão, diabetes e doenças cardiovasculares.

obesidade
Conforme pesquisadora, outras doenças também contribuem para aumentar risco de morte e de internação em leitos de UTI (Crédito: Gil Leonardi- Imprensa MG)

O estudo foi publicado no International Journal of Endocrinology, e contou com a colaboração dos pesquisadores Jacy Gameiro, Victória Ribeiro e Ana Gualberto, da UFJF; de Diego Assis Gonçalves e Michaela Luconi da Universidade de Florença (Itália); e Fernanda Peres, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Sem diferença entre jovens e idosos

Com foco na avaliação da obesidade como fator de risco para a Covid-19, o estudo detalha que o desenvolvimento de formas graves da doença em pacientes obesos pode ser atribuído a diferentes mecanismos. A obesidade apresenta o que é denominado de estado de inflamação de baixo grau, com a produção desregulada de citocinas inflamatórias, as mesmas que são relacionadas aos casos mais graves de Covid-19, e pode levar a um “desbalanço” na resposta imunológica, no sistema endócrino, além de apresentar risco cardiovascular alto e de comprometimento da função pulmonar. A pesquisadora ressalta ainda que outras comorbidades associadas também contribuem para colocar o paciente com obesidade no grupo de risco para a Covid-19.

Contudo, segundo o estudo, a obesidade foi a única comorbidade que não apresentou diferença no número de óbitos entre os grupos de pacientes divididos em maiores e menores de 60 anos. A afirmação foi feita com base em dados clínicos e demográficos de mortalidade, que mostram que de 61.829 brasileiros que morreram em razão da infecção pelo vírus Sars-Cov-2, 74% tinham 60 anos ou mais, sendo que o maior número de falecimentos ocorreu entre indivíduos com doenças cardiovasculares, seguidos dos diabéticos, hipertensos, pessoas com doenças crônicas nos rins, com doenças neurológicas crônicas, pneumáticos, obesos, pessoas com imunossupressão, câncer e asma, respectivamente.

“Desde o início da pandemia, estudos mostraram que a idade é um importante fator de risco, indicando que o número de pacientes que necessitam de cuidados intensivos, assim como número de óbitos, é maior entre indivíduos com mais de 60 anos. Vimos que, de todas as comorbidades associadas a Covid-19, a obesidade foi a única que não apresentou diferença no número de óbitos entre os grupos de pacientes divididos em maiores e menores de 60 anos”, explica a pesquisadora.

Além disso, ao analisar as idades dos pacientes com e sem obesidade, o estudo percebeu que indivíduos com a comorbidade morreram mais jovens do que os demais. “Esses resultados, juntamente com outros estudos de diferentes países, indicam que a obesidade, como um fator de risco para Covid-19, fica mais evidente na população mais jovem.” A pesquisadora esclarece que uma das explicações é que ela é bastante presente entre os mais novos e, também, que os distúrbios de resposta imunológica, endócrina e cardíaca observados na adiposidade conseguem ser bastante prejudiciais independente da idade.

Jacy ainda acrescenta que os descontroles imunológicos na obesidade independem da idade para desfavorecer a resposta, uma vez que esta inflamação crônica de baixo grau é instalada na adiposidade. “Se for um indivíduo obeso, metabolicamente não saudável, a idade não será um diferencial”, conclui.

Aumento na necessidade da internação nas UTIs

O estudo também aponta que a obesidade está associada a um aumento na necessidade da internação nas UTIs e do uso do suporte ventilatório para os pacientes hospitalizados, devido à inflamação causada pela condição. “Os indivíduos com obesidade têm resposta imunológica alterada. Esta denominada metainflamação é a base para alterações metabólicas e cardiovasculares importantes, que torna a própria obesidade um fator de risco associado a diabetes e hipertensão, por exemplo”, esclarece Jacy Gameiro.

Essa reação acontece pois indivíduos com obesidade apresentam disfunções endoteliais (quando não há bloqueios das artérias cardíacas, mas os grandes vasos sanguíneos na superfície do coração se contraem em vez de se dilatarem) e vasculares (estreitamento ou bloqueio das artérias em várias regiões importantes do corpo) que estão intimamente relacionadas com riscos cardiovasculares importantes que envolvem a inflamação e respostas pró-coagulantes que podem definitivamente contribuir para as complicações observadas. “Assim, o conjunto das alterações metabólicas podem levar a este quadro mais grave observado em obesos”, finaliza Jacy.

obesidade
“É insuficiente que só os obesos mórbidos tenham entrado nos grupos vacinais, porque o sobrepeso (IMC 25 a 29) já causa um desbalanço na resposta imunológica (…)”, analisa a pesquisadora Jacy Gameiro (Foto: Divulgação UFJF)

Diferenças entre homens e mulheres

O conteúdo continua após o anúncio

Investigando a distribuição dos óbitos causados pela Covid-19, considerando a idade e o sexo dos pacientes, a pesquisa aponta que as mulheres com obesidade que morreram acometidas pela doença são mais velhas do que os homens que viviam com a comorbidade.

“Essa diferença pode ter relação com a menopausa. Nessa fase acontecem mudanças hormonais importantes que alteram a distribuição de gordura no corpo da mulher, provoca um aumento do tecido adiposo visceral e que pode desencadear todas as consequências do desbalanço inflamatório”, acrescenta.

Vacinação independente do IMC

Atualmente, de acordo com o Plano Nacional de Operacionalização da Vacina contra Covid-19, é considerada “pessoa com comorbidade” a pessoa que possui obesidade mórbida, ou seja, que tem Índice de Massa Corpórea (IMC) maior ou igual a 40. Entretanto, de acordo com a pesquisadora, o estudo indica que o indivíduo obeso, ou seja, que tenha IMC acima de 30, já apresenta riscos e deve ser observado.

“É insuficiente que só os obesos mórbidos tenham entrado nos grupos vacinais, porque o sobrepeso (IMC 25 a 29) já causa um desbalanço na resposta imunológica e um nível de metainflamação, que pode estar relacionado com quadros graves de Covid-19”. Desta forma, a pesquisadora defende que todos os indivíduos que se encaixam nesses critérios já deveriam estar incluídos na vacinação dos grupos de pessoas com comorbidades.

Tópicos: coronavírus

Os comentários nas postagens e os conteúdos dos colunistas não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é exclusiva dos autores das mensagens. A Tribuna reserva-se o direito de excluir comentários que contenham insultos e ameaças a seus jornalistas, bem como xingamentos, injúrias e agressões a terceiros. Mensagens de conteúdo homofóbico, racista, xenofóbico e que propaguem discursos de ódio e/ou informações falsas também não serão toleradas. A infração reiterada da política de comunicação da Tribuna levará à exclusão permanente do responsável pelos comentários.