Um jovem de 18 anos foi preso preventivamente no último domingo (18), acusado de envolvimento em um homicídio ligado à homofobia. Segundo a denúncia do Ministério Público (MP), Ari Lopes da Silva, 59 anos, foi brutalmente espancado, no dia 28 de março deste ano, por supostamente tentar uma relação sexual com o rapaz. O crime aconteceu em um quarto alugado pelo suspeito no Bairro Esplanada, Zona Norte. Diante da investida, o acusado teria batido a cabeça de Ari várias vezes contra o chão e ainda desferido golpes com objeto perfurocortante. Ele fugiu na moto da vítima, que teria sido deixada desfalecida e trancada no imóvel. De acordo com a Promotoria, esse é o primeiro processo de crime contra a vida com motivação homofóbica a tramitar na Vara do Tribunal do Júri de Juiz de Fora.
Depois de recobrar a consciência e pular a janela para pedir socorro, Ari foi levado para o HPS, onde ficou internado por mais de uma semana. Nesse período, o paciente, que teria sofrido vários cortes e muitas lesões pelo corpo, foi submetido a cirurgia. No entanto, ele não resistiu e faleceu no dia 6 de abril, em virtude de choque séptico em consequência do politraumatismo.
Conforme a denúncia do MP, os dois haviam se encontrado durante o dia, em um domingo, tomado cerveja e se dirigido ao imóvel. Foi quando Ari teria proposto uma relação com o jovem, que reagiu de forma violenta. O veículo usado na fuga foi abandonado e apreendido posteriormente no Bairro Vitorino Braga.
O caso foi apurado pela Polícia Civil e seguiu para o Fórum Benjamin Colucci como latrocínio, mas não foi confirmado o entendimento inicial de roubo seguido de morte. O processo seguiu para a Vara do Júri como crime contra a vida, sendo oferecida a denúncia no dia 9 de julho por homicídio duplamente qualificado por motivo torpe (homofobia) e meio cruel.
Diante da gravidade do crime, o promotor da Vara do Júri, Hélvio Simões, solicitou a prisão preventiva do denunciado. O mandado foi expedido pelo juiz Paulo Tristão no dia 15 e cumprido pela Polícia Militar no último domingo, quando o acusado foi localizado no Bairro Santa Rita, Zona Leste. Segundo a assessoria da Secretaria de Estado e Segurança Pública (Sejusp), o jovem está no presídio de Matias Barbosa, que é porta de entrada para o sistema prisional da região durante a pandemia.
Homofobia como motivo torpe
Homem trans e advogado voluntário do Centro de Referência LGBTQIA+ da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Júlio Mota de Oliveira observa ser “assustador” que apenas recentemente o Estado tenha reconhecido a homofobia como um motivo torpe. Em meados de 2019, durante julgamento de uma ação, o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou as condutas homofóbicas aos crimes de racismo e também colocou a homofobia como motivo torpe para qualificar homicídios dolosos.
“O reconhecimento desse agravante pelo Estado aponta um avanço no entendimento das forças policiais, do Ministério Público e também do Poder Judiciário. É muito importante que acompanhemos de perto o desenrolar desse julgamento para sabermos qual será o entendimento dos jurados, que são representantes da sociedade nos julgamentos de crimes contra a vida.”
Júlio observa, entretanto, que na maior parte dos Registros de Eventos de Defesa Social (Reds) – os antigos boletins de ocorrência – a identidade de gênero e a orientação sexual das vítimas são ignoradas, bem como a possível motivação para o cometimento do crime.
“Infelizmente essa é uma realidade no Brasil. A maior parte dos registros de crimes contra a comunidade LGBTQIA+ ignora o nome social, a orientação sexual e a identidade de gênero das vítimas, o que faz com que sejam registrados como crimes comuns, sem a característica de crimes de ódio. Neste sentido, criamos uma cifra oculta dos crimes relacionados à homotransfobia, o que dificulta não só a obtenção de estatísticas relacionadas às violações de cunho homotransfóbicas, mas também a construção de políticas públicas que visem ao combate a esse tipo de violência.”
Segundo ele, o que mais chama atenção nesse caso de Juiz de Fora é exatamente a crueldade dos atos imputados ao réu, como vários cortes e muitas lesões pelo corpo que levaram a vítima a óbito. “Os crimes de ódio, neste caso relacionado à orientação sexual da vítima, contam majoritariamente com requintes de crueldade.”
Ele acrescenta que os casos mais comuns de violência contra a população LGBTQIA+ estão relacionados às microviolências que são reiteradas no cotidiano e passam a se tornar invisíveis para a sociedade, dificultando inclusive a denúncia e a responsabilização dos culpados. “As microviolências podem também se expressar a partir de violências psicológicas, como ‘piadas’ com conteúdos preconceituosos, humilhações, grosserias, diminuição da importância dessas pessoas, dentre outras atitudes que visam à manutenção do desprezo em relação a elas. Embora tenham um potencial extremamente nocivo, essas microagressões são dificilmente comprovadas.”