A discussão sobre o ensino para a população surda proposta pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) levou a estudante Larissa Moreira Vailati a ser a autora de um dos 53 textos nota mil na edição 2018 da prova. O trabalho para chegar a esse resultado começou em junho. A jovem de 18 anos decidiu estudar em casa, sem frequentar cursos pré-vestibular. A preparação para composição textual, segundo ela, foi dobrada. “Fazia muitas redações por semana. Na véspera, escrevia de cinco a seis textos. Prezava muito pelo conhecimento geral, tanto problemas relacionados à educação, quanto aos sociais, que se perpetuam nacional e mundialmente.” Até novembro, quando as provas foram aplicadas, Larissa contou com o reforço de um professor de redação.
“O tema da redação foi muito bom. As pessoas costumam ir para a prova com temas muito fixos à cabeça. No ano passado, por exemplo, muitos já tinham treinado o tema intolerância religiosa, mas nesse, desconheciam a realidade dos surdos, por isso, não gostaram”, avalia a estudante que já tinha feito a prova quando terminou o ensino médio. Ela conta que não se dedicou tanto na época, mas, nessa edição, a rotina incluía dez horas de estudos diários com inclusão de simulados e testes aos finais de semana. “Pensava que ia ter um bom resultado, mas não esperava nota mil de jeito nenhum.”
Na visão de Larissa, a intenção da redação é avaliar quem consegue contextualizar o problema por meio de uma abordagem diversa. “Quando vi a prova fiquei tranquila. Já sabia escrever sobre isso.” A proposta de intervenção de Larissa, uma das competências avaliadas pela banca de correção, levou em consideração a urgência da desconstrução da cultura do capacitismo – crença na incompletude do indivíduo com deficiência – e a importância de dotar os professores de didáticas para lidar com os surdos.
“Me baseei no modelo de escola cidadã proposto por Paulo Freire, de formar alunos que já interpretam e lidam com essa problemática. Muitos alunos surdos evadem do ensino por diversas questões. Por isso, também propus que os futuros professores sejam preparados, tenham acesso a métodos para lidar com todos esses grupos em sua grade do ensino superior”, defende.
Ela disse também que sentia mais confortável usando uma estrutura que se adéqua ao tipo de texto pedido, que inclui abertura, argumentos e fechamento com proposta de intervenção. “Não me sentia segura para subverter essa ordem, então, para me diferenciar, buscava a fuga do senso comum. Para isso, contextualizava meu ponto de vista em outras áreas do conhecimento. Estudei muito filosofia, sociologia e atualidades para me sentir confortável na temática.” Larissa quer cursar medicina,
A prova não é acessível para todos
Larissa Moreira Vailati fez todas as provas do Enem aplicadas até agora e afirma categoricamente que a última foi a mais difícil. “Não sei se isso é positivo ou negativo, porque sinto que não consegui exteriorizar todo o meu conhecimento. O tempo é muito curto para ler todas as questões inteiras. Penso que isso deve ser mudado. Em termos de conteúdo, o Enem é bom, mas o número de questões é muito grande, e a prova extensa demais.” Mesmo com a divisão da aplicação em dois fins de semana, o volume das questões é muito pesado, segundo ela.
“A prova não é acessível a todos. Muitas pessoas não tiveram uma base de ensino forte. Quando abrem a prova, nem conseguem identificar do que as questões tratam. Li muitos relatos sobre isso na internet. O nível de dificuldade é muito alto. Estudei em uma escola particular a vida toda, se para mim foi difícil entender tendo essa base, imagino para quem não teve.”
Para Larissa, ter feito todas as provar fez com que ela entendesse o que os avaliadores querem dos estudantes. Isso facilitou a resolução das questões. É essa compreensão que ela deixa de conselho para os próximos participantes. “Busquem um conhecimento abrangente, uma leitura ampla sobre atualidades, sociologia e filosofia. Conhecer a prova é fundamental.”
Sobre a redação, ela diz que é preciso não negligenciar os erros. Ela relata ter buscado entender onde errou e trabalhar no próximo texto. Depois de treinar muito, os últimos testes vinham com poucos erros. “O que também faz as pessoas irem mal na redação é não saber o que falar sobre o tema. Não dá para se concentrar em temáticas fixas. O essencial é abrir o olhar”, orienta.
Outro ponto importante para obter um melhor resultado, de acordo com a estudante, é cuidar da saúde mental. No tempo livre, ela se dedicava aos hobbies: tocar violão e piano, além de não deixar de malhar. “Com uma rotina tão exaustiva de estudos, é muito importante fazer o que a gente gosta diariamente. A ansiedade de passar logo é muito grande, mas a saúde mental tem que ser uma prioridade também.”
Se você conhece outro estudante que tenha tirado nota máxima na redação 2018, entre em contato com a Tribuna pelo e-mail redacao@tribunademinas.com.br ou pelo telefone (32) 3313-4440.