Já parou para pensar na forma como você reage quando ocorre algo que lhe desagrada? Como você se relaciona com quem está ao seu redor? Em um mundo onde todos já possuem um discurso pronto e se recusam a ouvir o que o outro tem a dizer, aposto que não sobra tempo para o entendimento, só para o conflito. Tocar neste ponto e despertar uma mudança interior são os objetivos do Circuito de Comunicação Não Violenta (CNV), que acontece em Juiz de Fora neste sábado (19). O workshop, promovido pela Manifesta, empresa especializada na criação de ambientes de cooperação, é o segundo evento do circuito, e visa a disseminar essa metodologia de forma gradual e impactante.
“Queremos dar espaço para que as pessoas cheguem e participem, criando uma rede, uma comunidade de não violência, para que cada uma delas possa mudar a realidade dentro do seu nicho. O objetivo da CNV é criar uma conexão entre duas ou mais pessoas, inclusive, com você mesmo”, ressalta a facilitadora de processos colaborativos da Manifesta, Paula Rocha. O evento está marcado para às 14h, na sala 1 do Prédio da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Os ingressos podem ser comprados no site do Sympla .
Tribuna – O que é a comunicação não violenta (CNV)?
Paula Rocha – É uma nova maneira de se comunicar, que gera mais conexão entre as pessoas. É um método desenvolvido por Marshall Rosenberg, psicólogo e doutor em Psicologia, que organizou todos os conhecimentos que a humanidade já tinha sobre a não violência. A CNV precisa de muita prática, pois não é acadêmica, mas artesanal. Para praticar a CNV, é preciso exercitar. É como se fosse um músculo fortalecido que você precisa ter para pegar um peso, por exemplo. A CNV é uma mudança de paradigma, de olhar. É uma coisa mais profunda, e por isso ela deve ser ensinada e praticada no dia a dia e trocar com outras pessoas.
– Como ela funciona na prática?
– Quando se ouve sobre a CNV, geralmente, as pessoas acham que é ser bonzinho, gentil, não ser agressivo. Mas na verdade não é isso. A CNV é o caminho do meio entre a violência e a passividade. Ela é escutar ativamente e empaticamente o outro e se expressar de forma honesta, mais profunda e autêntica. A CNV não chega apenas na comunicação, na fala, mas no que vem antes da fala. É nos pensamentos, no julgamento e na forma como você vê o outro. A CNV muda o nosso foco. A gente costuma discutir quem está certo e quem está errado. Na CNV, a gente sai dessa dicotomia e começa a dar foco para as nossas necessidades, aquilo que nos une e queremos cuidar, os nossos princípios, as coisas que estamos realmente querendo em uma relação. Nesse lugar mais profundo, a gente consegue se conectar com o outro. Não basta apenas mudar a fala, tem que mudar seu pensamento, seu julgamento e a forma como você enxerga o mundo. A violência, mesmo que ela esteja apenas na sua cabeça, ela vai continuar gerando violência no mundo. Essa responsabilidade é parte da CNV. É uma mudança que acontece de dentro para fora. A fala é só o último passo.
– Onde a aplicação da CNV é mais necessária nos dias de hoje?
– Em todos os lugares! A nossa comunicação e visão estão mais rápidas e no automático. A gente tem que, de forma geral, aprender a comunicar melhor. A gente ouve o outro já pensando na resposta que vamos dar a ele. Ouvimos e retrucamos. As pessoas não sabem ouvir em silêncio, tentando compreender o que o outro está dizendo. Essa falta de escuta gera muita violência, muita briga, pois se você não entendeu o que o outro disse, você já reagiu a partir de uma interpretação errônea que você fez. A aplicação da CNV começa de dentro para fora, ao interiorizar esses novos contextos. Se você tem 25, 30 ou 40 anos, certamente você está se comunicando violentamente desde então. É muito difícil quebrar esses paradigmas para colocar novos. Você tem que começar por você, depois, com as pessoas que você mais ama e se importa, com a sua família. Depois, partir para um lugar onde é mais difícil: as empresas, os grupos, o sistema no geral. Toda essa sociedade em que vivemos é violenta e precisa dessa revolução.
– Como exercitar a CNV e iniciar essa revisão interna?
– É muito simples: quando alguma pessoa fala algo inquietante para você, antes de começar a julgá-la, dizendo que ela é orgulhosa, é egoísta, isso ou aquilo, é muito importante você compreender o que está dentro de você, o que você está sentindo, o que você queria cuidar e essa pessoa meio que feriu, quais as necessidades e os sentimentos. Isso você pode fazer apenas pensando, tentar compreender a situação antes de falar com a pessoa. Você pode escrever o que sente. É dar um respiro, uma pausa, antes de conversar com a pessoa. Espera, compreende o que você está sentindo e vai tentar resolver. Depois, procura a pessoa e conversa com ela. Com a CNV você aprende a simpatizar com a figura do inimigo, e compreende que, às vezes, não é uma pessoa que te faz mal, mas a relação com ela que está ruim. Se as partes estão dispostas, é possível construir conexão onde não existia, a partir da sua verdade e do fortalecimento da relação.
– E na internet?
– A internet é uma ferramenta preciosa e incrível, cheia de possibilidades de comunicação, mas está sendo usada de maneira violenta. O problema não está nas redes sociais, mas na forma como as pessoas se expressam nelas. Falta cuidado, falta reflexão sobre o que será colocado para os outros verem. E, quando vamos para a vida real, não é assim. Há uma discrepância na forma como as pessoas se comportam. Na vida real, há consequências.
– Quais benefícios a CNV pode trazer para a nossa vida?
– Autoconhecimento, autocompreensão e, em seguida, autorregulação. Você para de reagir de maneira atravancada, de sair atropelando e se arrepender do que falou. Você passa a responder aos estímulos e a tudo que acontece com você, depois, vem uma melhora nas conexões, nas suas relações, no entendimento, na escuta e na expressão. Isso vai ajudando tanto você quanto as pessoas. É um efeito dominó, até chegar aos sistemas em que está inserido. Você passa a não aceitar essa violência, e que as coisas ao seu redor não sejam tratadas com tanta desconsideração. Aos poucos você vai mudando a sociedade. Você passa a não viver mais no raso, mas no profundo. Às vezes, esse processo dói, é desconfortável, mas é libertador.