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Retomada de sonhos: conheça histórias de adultos que voltaram a estudar

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Luiz Alberto Rosa da Silva (terceiro da direita para esquerda, em pé) estuda Psicologia na Faculdade Estácio aos 60 anos. Ele teve diversos trabalhos, mas se encontrou ao retomar os estudos: ‘Meu perfil mudou, meu vocabulário, e também minha personalidade!’

Na mesma semana em que um vídeo que mostra três alunas de uma faculdade rindo e fazendo piadas sobre uma colega de classe de 40 anos por conta da idade dela repercutiu nas redes sociais em todo o país, a ganhadora do Oscar de melhor atriz de 2023, Michelle Yeoh, foi taxativa sobre os estereótipos acerca da idade: “Depois de 40 anos, estou aqui. Então, não desistam. Não deixe ninguém te colocar numa caixinha e não acredite que seu auge já foi”. As duas situações acenderam o debate sobre o preconceito contra as pessoas mais velhas, chamado de etarismo. Mas, afinal, existe uma idade correlacional para cada conquista na vida? A Tribuna conversou com pessoas que iniciaram a faculdade depois dos 40 anos e descobriu os pormenores da alteridade desses sujeitos. Indo na contramão de estigmas, eles são impulsionados por escrever uma trajetória de vida em que alcançar suas potencialidades nem sempre se dá através de um processo linear.

Aos 60 anos, Luiz Alberto Rosa da Silva é pai, marido, avô, e agora também é estudante da faculdade de Psicologia da Estácio. Para ele, trabalhar se tornou uma prioridade logo cedo, não deixando margem para poder se dedicar aos estudos quando era adolescente. No Brasil, essa não é uma história incomum. A evasão escolar está ligada à necessidade de contribuir com a renda da família. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, divulgada em 2019, o trabalho é apontado como a principal causa do abandono escolar entre pessoas de 14 a 29 anos.

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Foi o caso de Luiz. Por ter que trabalhar, ele acabou perdendo tempo e o interesse em se dedicar aos estudos. Ele construiu uma família, teve diversos trabalhos, mas, dentro de seu coração, conseguir fazer ensino médio sempre foi uma faísca. Ele, então, começou a estudar por conta própria para fazer o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja), prova que permite ao aluno ter certificados de conclusão de ensino fundamental e do ensino médio.

O que era uma fagulha, tomou conta dele por completo quando conseguiu a aprovação. Luiz se sentiu encorajado a continuar sua trajetória acadêmica, se matriculou em Psicologia e, hoje, visa a ajudar pessoas com seu trabalho, que virá acompanhado, também, de sua experiência. Em suas falas, Luiz até tenta controlar a emoção, porém, em vão. O homem, por meio dos estudos, foi apresentado a tantas possibilidades, que agora não abre mão de nenhuma delas. De acordo com ele, à medida em que conhece o mundo, ele se conhece também. Sobre a Psicologia, ele logo esclarece: “Se eu pudesse, me especializaria em todas as áreas, porque estou muito satisfeito em ser psicólogo. Meu perfil mudou, meu vocabulário, e também minha personalidade!”, diz ele.

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Para a família, Luiz representa inspiração. A filha Sulamita Pinto Silva, 31, vendo o pai voltar a estudar e se dedicar a isso, resolveu retomar o ensino médio através do Ensino de Jovens e Adultos (EJA). Ela se encaixava na porcentagem de mulheres que não deram continuidade ao estudo e que se tornou mãe solo, sempre lutou para morar sozinha e dar conta de tudo. Segundo o levantamento nacional feito em 2019, pelo IBGE, 24,1% das mulheres largam os estudos por não ter interesse, seguido de gravidez (23,8%), trabalho (23,8%) e a necessidade de se dedicar aos afazeres domésticos (11,5%).

Inclusive, a jovem, que recebe apoio dos pais, decidiu compartilhar seus projetos com a Tribuna como uma surpresa para seu pai por meio desta reportagem. Ao jornal, ela relatou que observando nele a força de quem trabalha muito e estuda, ela vislumbra, primeiro, ascender no mercado profissional. “Trabalho em um supermercado, e tenho oportunidades de ser promovida, mas precisaria do meu estudo completo. Então escolhi voltar para a escola”.

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Ao ver em seu pai o exemplo para perseguir seus sonhos, ela se sentiu estimulada a lembrar de seus próprios sonhos: ser médica. Agora que seu filho já tem 9 anos, ela vê a porta aberta para se dedicar aos estudos. O caminho, porém, não é fácil, e somente a vontade não é a única mobilização. Voltar a estudar adulta, com responsabilidades, é uma jornada difícil e cansativa, diz. Nesse momento, o reflexo do exemplo do pai se faz mais presente, mostrando que há tempo para aprender sempre, independente da idade.

“O medo pode ser um estímulo para que você se reinvente”, diz Telma Elisa, que se formou em Psicologia anos após atuar como jornalista (Foto: Arquivo pessoal)

No ciclo da vida, os 40 podem ser um novo começo

Telma Elisa da Silva Souza, de 49 anos, faz parte da porcentagem de pessoas que resolveram, em certo momento da vida, que era hora de trocar de profissão. Após o filho sair de casa com 18 anos para ir para a Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), Telma buscou alternativas para lidar com a saudade. Embora tenha outra filha, ela assume que, naquele momento, deparou-se com a “síndrome do ninho vazio”. A fim de suprir o sentimento de tristeza pela falta, ela recuperou um pensamento que já fazia parte da sua mente há algum tempo: ingressar em outra faculdade.

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Formada em Jornalismo em 1997, Telma construiu uma carreira sólida como comunicadora, sendo repórter por 12 anos e tendo feito pós-graduação na área. Mas foi na Psicologia que ela encontrou outra possibilidade de usar a sua escuta. Enquanto a antiga área era uma ferramenta de transformação da realidade, por meio do auxílio na construção da opinião pública, na Psicologia ela encontrou algo mais intimista, a capacidade de auxiliar um indivíduo na sua própria transformação.

“Na minha turma, tem uma amiga da escola do meu filho mais velho”, conta. O que, para alguns, poderia ter sido motivo de estranheza, para ela, virou festa. Quando o filho que mora em outra cidade vem até Juiz de Fora, todos celebram juntos. Apesar de ter ingressado com mais de 40 anos, ela conta nunca ter temido ser subjugada por outros alunos. Sua apreensão sempre foi, na verdade, não conseguir fazer faculdade. Mas neste fim de semana, ela celebra em seu baile de formatura. Com ele, a confirmação de que conseguiu. “O medo pode ser um estímulo para que você se reinvente”, exclama ela.

Na nova profissão, a segunda graduação trouxe algumas vantagens para ela, principalmente, em relação ao discernimento do que está fazendo. “A maturidade me dá segurança. Atendo o paciente e levo muita vivência para o consultório”, diz Telma. Ela reconhece que tem que estudar muito, assim como os demais alunos, porém, considera ter uma compreensão mais apurada do que afeta cada um. “A minha vivência contribui na minha estratégia para dar caminhos mais rápidos para chegar em algum ponto”, destaca. Esse percurso só foi possível por ela ser quem é hoje e estar fazendo o que faz agora.

Troca de profissão

A pesquisadora Iracema Abranches, revela que são inúmeros os fatores para uma pessoa trocar de profissão, desde aspectos do mercado de trabalho até questões mais subjetivas. “Pode ser por não ter tido acesso à profissão que queriam na época de cursar a faculdade, por optar por algo que julgasse mais rentável e seguro do que aquilo que realmente queria fazer, por perceber que tem outros interesses e habilidades que pode explorar, por adquirir maturidade e autoconhecimento ou por perceber que escolheram algo que não faz mais sentido, por autorrealização, por necessidade de sobrevivência, por exigências do mercado…”, enumera a psicóloga.

Sobre a “idade ideal” para fazer algo, Iracema Abranches aproveita para relatar que existem etapas da vida e expectativas e características delas. Contudo, o equívoco do senso comum é transformar isso em regras, normatizando processos que são singulares. “Quando a sociedade começa a criar essas regras rígidas, o resultado é o preconceito, pois tudo o que não couber no modelo criado, não serve, está errado ou fora de lugar”, afirma. O estereótipo e a necessidade de encaixar o outro no lugar e no momento que se julga corretos é um dos fatores que leva ao etarismo – ou ageismo ou idadismo. É preciso, no entanto, considerar que há diferença entre indivíduos, sendo que cada um tem experiências, saberes e essências particulares.

Instituições oferecem oportunidades para adultos

Para aqueles que não conseguiram concluir os estudos na faixa etária padrão, uma das alternativas é o Ensino de Jovens e Adultos (EJA). De acordo com a Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG), a rede estadual de ensino registrou cerca de 1,6 milhões de estudantes matriculados em 2023, sendo cerca de 106 mil na EJA. Em Juiz de Fora, são aproximadamente 3.400 estudantes nesse segmento, distribuídos nas 49 escolas estaduais do município. Isso equivale a cem estudantes a mais do que em 2022. Glauber Perobelli, professor estadual e pesquisador relacionado ao EJA, explica que fatores econômicos, questões familiares como cuidar de filhos, questões raciais e de gênero estão ligadas às taxas de evasão escolar, e, por isso, deve ser observada também a realidade desse público.

Já na graduação, a inserção de adultos no ensino superior também vem sendo trabalhada pelas faculdades e universidades. A psicóloga e pesquisadora do ageísmo, doutoranda em Processos Psicossociais em Psicologia no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Iracema Abranches, revela que o incentivo à abertura de faculdades particulares há cerca de 15 anos proporcionou, por meio de horários diferenciados de trabalho e exigência do mercado, um aumento na procura por curso superior a partir dos anos 2000.

Com isso, pessoas mais velhas começaram a ir para a faculdade. Atualmente, a Universidade tem 395 alunos com mais de 40 anos na graduação presencial e 219 a distância. Já no mestrado ou doutorado, são 525 alunos nesta faixa etária. “Particularmente, percebo que este é o caminho mais favorável para o desenvolvimento da sociedade, em um sentido de evolução e maturidade social, pois as diferenças são necessárias para as relações entre as pessoas; e aprender a conviver e respeitar as diferenças é essencial para o crescimento pessoal e profissional de todos nós”, defende a pesquisadora Iracema Abranches.

‘Excelência’

O Centro Universitário Estácio Juiz de Fora também é uma das instituições que procurou chamar atenção desse público, por meio da flexibilização de horário das disciplinas presenciais, com possibilidade de estudo no turno diurno e noturno em parte dos cursos, além de encaminhamento para estágios e empregos. A unidade chegou a construir um perfil desses alunos com mais de 40 anos. Em geral, a maioria escolhe cursos à noite. Segundo a pró-reitora de Graduação da Estácio, Paula Campos, os alunos que voltam a estudar quando já são adultos acabam por serem marcados pela excelência.

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