“Um dia histórico e um tremendo passo à frente.” Foi com estas palavras que a manchete da revista “Der Stern” anunciou, nos anos 1960, o lançamento da pílula anticoncepcional no mercado alemão. De lá para cá, o pequeno comprimido foi um importante protagonista da tão falada revolução sexual feminina, revirando as noções de sexualidade e do ato sexual apenas como mecanismo reprodutivo. (Sim, em plenos anos 1960). Além disso, a pílula é, até hoje, amplamente usada no tratamento dos sintomas da TPM, de ovários policísticos e na regulação do ciclo menstrual, entre outras aplicações.
Mas assim como na vida, nem tudo são flores na história do contraceptivo oral, e estudos contemporâneos revelam sua associação a doenças cardiovasculares graves, como AVC e trombose, além do descontrole hormonal, que pode causar efeitos como manchas na pele, alterações de humor, dores de cabeça e ganho de peso, entre outros. “Os anticoncepcionais orais podem levar a aumento da pressão arterial, aumento de colesterol, manchas na pele, aumento do risco do aparecimento de varizes e trombose. Os principais grupos de risco são: hipertensas, obesas, tabagistas, pacientes com história de distúrbios tromboembólicos , distúrbios hepáticos, história de câncer de mama”, explica a ginecologista Renata Marcato. Por conta destes efeitos, cada vez mais mulheres vêm buscando outras formas de contracepção.
Informação tem papel decisivo para opção por troca
É o que a jornalista juiz-forana Rafaela Borges, 26, hoje residente no Canadá, pretende fazer em breve. “Comecei a ouvir muitos casos de meninas com trombose na mídia e em relatos de conhecidos, mesmo de mulheres que não tinham predisposição para a doença. Ao mesmo tempo, me toquei que tomo hormônios há tanto tempo que não conheço meu próprio corpo”, relata ela, que tem conversado com amigas e até desconhecidas sobre suas experiências. “Minhas amigas compartilham comigo as mudanças e benefícios que sentiram no próprio corpo, e também participo de um grupo no Facebook, com mais de 120 mil integrantes, sobre contracepção não-hormonal. Lá as meninas relatam os problemas que tiveram, contam suas experiências com os novos métodos que passaram a usar… é bem legal. Quero um método seguro e que não cause problemas à minha saúde.”
Para a médica Renata Marcato, o acesso à informação tem sido decisivo para que cada vez mais mulheres busquem métodos menos nocivos ao organismo do que a pílula. “Os efeitos colaterais e possíveis danos que o uso de pílulas contraceptivos estão sendo largamente divulgados e há mais autoconhecimento do corpo também. Com isso, a mulher busca mais informação e alternativas de métodos contraceptivos.” Ela destaca, entretanto, que algumas mulheres podem ter alguns desconfortos ao deixar os comprimidos. “Pode haver aumento da oleosidade da pele e acne, aumento das cólicas menstruais, possível irregularidade menstrual, intensificação dos sintomas de tensão pré-menstrual, por exemplo.”
Até o momento, Rafaela, que ainda toma pílula, cogita utilizar o DIU (dispositivo intrauterino) de cobre (ver quadro), que não utiliza hormônios, mas aguarda um bate-papo com seu médico canadense, com quem já tem consulta marcada. “Meu maior medo é uma gravidez indesejada. Eu e meu marido moramos no Canadá e, quando você muda de país, é preciso recomeçar do zero. Temos muito caminho pela frente antes de pensar em filhos. Mas o apoio do Diego tem sido fundamental. Desde que contei sobre os casos de trombose, ele tem pesquisado bastante sobre o assunto e hoje é ele quem me cobra de parar com a pílula.”
Praticidade, liberdade e saúde
Desde que parou de tomar anticoncepcional oral em 2016, a designer gráfica Talita Vieira, 32, só viu vantagens na substituição pelo anel vaginal. “Senti uma liberdade muito grande. Três semanas com o anel, uma sem ele. Diminuiu o fluxo, quase zero cólicas e nenhum efeito colateral. Não é dos mais baratos, mas eu já usava uma pílula mais cara. Eu até me esqueço de que estou usando. Ah, e ele pode ficar até 3 horas fora da vagina, então não tem que se desesperar se ele sair! É só lavar direitinho e reinserir. Com a pílula, ficava naquela obrigação de horário: alarme pra tomar; esquecer e me cobrar… É um contraceptivo que não deixa espaço pra você relaxar.”
Para a pesquisadora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ Daniela Tranches de Melo, 35, a primeira ruptura com a pílula veio depois de suas primeiras cirurgias para retirada de um tumor no cérebro, em 2009. “Não era aconselhável, hormonalmente, que eu continuasse, então optei pelo DIU Mirena, que só libera o hormônio localmente, não para todo o corpo. Quando deu o prazo de trocar, voltei para a pílula, mas devido à tendência a problemas nas veias e trombose, que já existe em minha família, e após muitos relatos sobre os malefícios da pílula, parei definitivamente em 2012 e retornei ao DIU.” Segundo ela, a troca só trouxe benefícios. “Sinto as pernas menos pesadas e a pele deu uma melhorada. Faço o controle do DIU a cada seis meses para saber se está no lugar e pronto.”
Além dos métodos de barreira, dos hormonais e do DIU de Cobre, há opções comportamentais e outras definitivas, como explica a ginecologista Renata Marcato.
Métodos comportamentais
“Os métodos comportamentais incluem basicamente a ‘tabelinha’ e o coito interrompido. Vale lembrar que esses métodos têm uma eficácia diminuída por diversos fatores. No caso da tabelinha, só deve ser usada nas mulheres com ciclo menstrual muito regular, havendo, mesmo assim, uma chance de falha. No caso do coito interrompido, ocorre liberação de líquido rico em espermatozoides mesmo antes da ejaculação, além da chance de ocorrer a ejaculação antes da interrupção. Os métodos definitivos seriam a laqueadura tubária ou a vasectomia e devem ser reservados a casais com a certeza de não querer mais filhos e, mesmo assim, após avaliação criteriosa por ser um método cirúrgico”, afirma a ginecologista.
Adaptação depende de cada organismo
Desde os 25 anos, a servidora Luana Oliveira, hoje com 28, abandonou a contracepção oral. Mas nem sempre a adaptação a um outro método é simples. “Usei o DIU de cobre por um ano, e, durante este tempo foi uma maravilha: sem menstruação, sem TPM, tudo ótimo. Mas ele saiu do lugar e senti uma dor absurda, insuportável mesmo”, relata ela, que não tem planos de voltar à pílula ou qualquer tratamento com alta quantidade hormonal. “Não tenho opção, é camisinha ou camisinha. É uma adaptação fácil, mas requer responsabilidade. Não pretendo voltar ao DIU porque minha experiência foi um pouco traumática, mas quero, sim, usar um método mais ‘de longo prazo’ do que a camisinha”, diz ela, que sentiu melhoras na pele, na libido e diminuição do inchaço desde que parou com a pílula, que tomava desde os 15, quando começou a tratar ovário policístico.
Segundo a ginecologista Renata Marcato, a adaptação a cada método de contracepção é muito particular. “Em primeiro lugar, é preciso ter conhecimento do novo método a ser utilizado, com todas as dúvidas sanadas pelo médico. Em segundo lugar, também é necessária uma orientação individualizada de acordo com cada método. Alguns podem ter eficácia diminuída no período inicial, outros não. Cada caso deve ser estudado e avaliado individualmente de acordo com a história e características da paciente”, orienta. Optando ou não por parar com a contracepção oral, a recomendação de Renata é que haja sempre orientação médica. “É importante que a paciente passe por avaliação médica antes do início do uso em busca de fatores que contraindiquem o seu uso. Além disso, é importante o acompanhamento regular com o ginecologista após o início do uso para avaliação dos possíveis efeitos adversos surgidos e reavaliação constante em busca de novos fatores que podem surgir e aumentar o risco durante a utilização”, diz a especialista.