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Baixa cobertura vacinal ameaça volta de doenças controladas

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Sondagem feita por Unicef aponta que três em cada dez crianças não receberam as vacinas necessárias para proteção de doenças potencialmente perigosas (Foto: Felipe Couri)

Desde 2015, as coberturas vacinais vêm caindo, de uma forma geral, no Brasil, o que acende um alerta para o retorno de doenças infecciosas que, antes, foram consideradas controladas justamente por conta da imunização, como a poliomielite, a rubéola e o sarampo. De acordo com sondagem feita pelo Fundo de Emergência Internacional das Nações Unidas para a Infância (Unicef), no país, três em cada dez crianças não receberam as vacinas necessárias para proteção de doenças potencialmente perigosas. Trata-se, especialmente, do imunizante tríplice viral – que protege contra sarampo, caxumba e rubéola – e da vacina contra a poliomielite (paralisia infantil).

Em Juiz de Fora, a situação é a mesma observada em grande parte do país. De acordo com a Secretaria de Saúde (SS) da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), o Município não alcançou 95% da cobertura para nenhuma destas vacinas em 2022, de acordo com o que é preconizado pelo Ministério da Saúde. Especialistas ouvidos pela Tribuna advertem sobre os riscos por trás da baixa procura pela imunização.

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O alerta também foi feito pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), que aponta que 742 municípios estão com alto risco de reintrodução de doenças que poderiam ser evitadas com a imunização de crianças menores de 2 anos. Conforme informações da pasta estadual, em 2022, a vacinação contra a poliomielite em Minas não atingiu a meta de 95%. Até o dia 28 de novembro, 881.235 mil crianças com idades entre 1 e 4 anos foram vacinadas, o que representa 84,3% do público estimado.

Já a campanha da tríplice viral teve cobertura da primeira dose de 74,44% no estado, de janeiro a junho deste ano. A segunda dose, até o dia 14 de novembro, atingiu apenas 53,95% do público. A meta do Ministério da Saúde também é de 95%.

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Brasil

O levantamento feito pela Unicef, sobre as crianças que não receberam as vacinas necessárias, considerou dados do DataSUS, consultados em 28 de novembro deste abi, A cobertura da vacinação contra a poliomielite caiu de 98,3% em 2015 para 70,2% em 2021. Já a da primeira dose da tríplice viral foi de 96,1% para 74,4% no mesmo período. A Unicef também levantou informações sobre a vacina pentavalente, contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e contra a bactéria haemophilus influenza tipo B. Neste caso, a cobertura caiu de 96,3% para 70,6%.

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Falsa sensação de segurança reduz busca por vacina, aponta especialista

Um dos pontos que podem estar por trás da baixa procura por vacinas está diretamente relacionado ao próprio controle das doenças, de acordo com o médico infectologista Mário Novaes. Conforme as pessoas vão sendo vacinadas, as doenças reduzem, como foi visto no caso da Covid-19. Porém, com esta sensação de segurança, as pessoas passam a deixar a imunização de lado. “As pessoas só dão atenção àquelas coisas com grande impacto”, diz Novaes. “Isso não vale só para o público, mas para os médicos também. À medida em que ele (médico) perde a visão da doença, ele imagina que a doença está controlada – o que não é necessariamente uma verdade -, e ele não recomenda a vacinação.”

A preocupação da baixa procura vacinal se estende, inclusive, ao público adulto. Segundo o especialista, grande parte das pessoas não está com a carteira de vacinação em dia. A imunização do público geral contribui para a redução dos custos de saúde. A vacina contra a Covid-19, por exemplo, é mais barata do que o seu tratamento que requer UTIs nos casos graves. “Há uma redução de custo da saúde, propiciando que você entregue esses recursos que seriam destinados ao tratamento de doenças no organismo para tratar outras enfermidades, para criar outras coisas e inventar outras tecnologias”, aponta.

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Como destacado por Novaes, se hoje as pessoas vivem por mais tempo é devido à imunização. “Depois da água potável, não existe nenhuma outra coisa que seja mais importante do que a vacina para o crescimento da humanidade”, afirma. “Você tem autocuidado com o seu colesterol, você tem autocuidado com a roupa que você veste, então tenha autocuidado com a vacinação também.”

Para o infectologista, além de maior divulgação das campanhas de incentivo à vacinação, seria importante, também, que ocorressem adaptações no funcionamento dos locais de vacinação. “Os postos de saúde funcionam em horários que, de forma geral, os pais que trabalham não podem levar seus filhos”, diz.
A questão envolvendo o funcionamento dos postos foi verificada, inclusive, por estudo feito pela Unicef em outubro de 2020, em que o órgão buscou entender os motivos que levam as famílias a não vacinarem os filhos menores de 5 anos. O levantamento considerou grupos totalmente favoráveis à vacinação e os que são parcial ou totalmente contrários.

Nesses últimos, os fatores que influenciam na hesitação vacinal estão relacionados ao medo de possíveis efeitos adversos após a aplicação do imunizante; à dificuldade de acesso ao serviço de vacinação, por conta dos horários de atendimento, ou mesmo a falta de vacinas; à baixa percepção de risco das doenças imunopreveníveis, ou por não considerarem a vacina importante para proteger a saúde dos filhos; e, por fim, à preferência por tratamentos naturais ao invés do imunizante por conta de crenças individuais ou a falta de confiança em relação às motivações da indústria farmacêutica ao produzir as vacinas.

Doenças controladas

Poliomielite, sarampo, rubéola e difteria são doenças que foram controladas no Brasil, porém, estão com cobertura vacinal insuficiente em relação à preconizada pelo Ministério da Saúde. De acordo com informações do órgão, não há circulação de poliovírus selvagem (da poliomielite) desde 1990 graças à intensificação da imunização que houve na época, sendo esta a única forma de prevenir a doença. Todas as crianças menores de 5 anos devem ser vacinadas contra a doença.

Já o vírus do sarampo havia parado de circular no continente americano em 2016. Porém, em 2018, o Brasil enfrentou surtos da doença em nove estados, com 1.742 casos confirmados. A orientação é que todas as crianças de 1 ano de vida até adultos com 29 anos tomem duas doses da vacina contra o sarampo.

Ainda de acordo com o Ministério da Saúde, desde 2009 não houve confirmações de casos de rubéola no país. Isso indica a interrupção da transmissão autóctone do vírus. A norma preconizada pelo Programa Nacional de Vacinação é a mesma que a do sarampo, de que todas as pessoas abaixo de 29 anos tenham duas doses da vacina.

Já os casos de difteria se tornaram raros no Brasil após o surgimento da vacina tríplice bacteriana (DTP), na década de 1930. Porém, para que isso se mantenha, é preciso que as coberturas vacinais atinjam patamares de 80%. Neste caso, a vacina pentavalente é aplicada em crianças aos 2, 4 e seis meses de idade. Depois, deve-se aplicar os reforços em crianças a partir de 1 ano, por meio da vacina DTP.

Vacinas são seguras

Para além da falsa sensação de segurança, as fake news sobre os imunizantes também são fatores de destaque que influenciam na baixa cobertura vacinal, de acordo com o professor e pesquisador do setor de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Aripuanã Watanabe. Durante a pandemia da Covid-19, por exemplo, algumas informações falsas que circulavam diziam que as vacinas modificariam o DNA dos seres humanos, que possuíam chip para controle da população ou mesmo que estavam relacionadas à transmissão de HIV. “Não tem nenhuma verdade nessas fake news. As vacinas são seguras. Elas têm anos de estudos por trás do seu desenvolvimento”, aponta o especialista.

Conforme Watanabe, a poliomielite, o sarampo, a rubéola e a difteria são doenças que merecem cautela porque possuem alto grau de agravamento, podendo levar o paciente a óbito. “O risco é voltarmos a ter esse tipo de problema, principalmente na população infantil. São doenças que não existiam mais ou estavam muito bem controladas e correm o risco de voltar.”

Segundo o professor da UFJF, a vacinação possui papel importante no individual e na coletividade, por proteger o imunizado e as pessoas próximas ao evitar que se infectem. “Tem algumas pessoas que, por diversas condições, não podem se imunizar. Se temos uma alta cobertura vacinal, ajudamos a proteger também essas pessoas. Ajuda a diminuir ou até mesmo bloquear a transmissão, a erradicar uma doença, então é importante se vacinar.”

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