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Nascidos há quase 90 anos

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MARIA TEREZA segura o recém-nascido Guilherme, enquanto é observada pela equipe da UTI neonatal

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Quando a mulher que usava terninho lilás, colar de pérolas e salto alto venceu a porta de blindex – aberta após uma funcionária utilizar a digital para franquear a entrada -, um bochico se formou dentro do prédio. Rapidamente a notícia sobre a chegada daquela visita se espalhou. Médicos, técnicos e enfermeiros avisaram aos outros e, um a um, os colaboradores foram se aproximando. Curiosos, eles queriam conhecer a pessoa que representava nove décadas de história. Localizada pela Tribuna, Maria Tereza Mello foi o segundo bebê a nascer, em 1927, na recém-inaugurada Maternidade Therezinha de Jesus, situada, na época, em uma casa na Avenida Getúlio Vargas, ao lado do antigo Cinema Popular. No dia 12 de janeiro de 2017, quando Tereza completar 90 anos, ela simbolizará o tempo de vida de um hospital criado para gestantes, mas que hoje atende não só mulheres, como homens e crianças de 96 municípios da região, recebendo, ainda, pacientes de vários estados brasileiros.

Preservado, o livro de registro da entidade, escrito com caligrafia artística, dá detalhes sobre a quarta-feira em que Tereza veio ao mundo. Filha de Edith Faustino de Jesus Lorençato, ela nasceu às 7h, pesando 3.100 kg. Foi o médico José Dirceu de Andrade, fundador da maternidade, quem fez o parto dela na Therezinha de Jesus, nome dado em homenagem ao primeiro bebê nascido lá no dia 3 de janeiro daquele ano. Sobre a primeira Therezinha não se tem nenhuma pista. Mas, ao localizar a segunda Tereza, foi possível reconstruir a memória de uma instituição que atravessou mais de três gerações e, em 2016, foi responsável pela realização de três mil partos.

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De maternidade a hospital geral

Ao fazer o caminho de volta, a ex-contadora da Prefeitura surpreendeu-se com a estrutura do hospital localizado na Rua Dirceu de Andrade, no Bairro São Mateus. O nostálgico portão de ferro da Getúlio Vargas não existe mais. Tudo agora está em ritmo frenético para garantir o funcionamento dos 250 leitos – 50 deles de UTI -, todos destinados ao SUS. Os números confirmam o crescimento da entidade que, há dez anos, passou a ser gerida pela Suprema, saltando de um negócio em decadência para um hospital de ensino, que, só este ano, foi responsável por 11 mil internações e 100 mil consultas em 2015.

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Tereza conheceu a UTI neonatal e ainda segurou Guilherme nos braços, que completava o seu primeiro dia de vida fora do útero da mãe. “Aquele bebê me despertou tanta coisa boa”, comentou, depois, a idosa. Como a velha brincadeira do telefone sem fio, a notícia de que Tereza era o segundo bebê da história da maternidade se espalhou e mobilizou a equipe médica. Ninguém conseguia acreditar que a mulher altiva e elegante que visitava a instituição completaria 90 anos. “Será que chego aos 115 anos”, perguntou, bem humorada, a aposentada que já se acostumou com o olhar de espanto das pessoas quando sua idade é revelada.

Convite especial
Para a mulher que se formou em direito após o casamento, teve uma filha de uma união que durou 54 anos e manteve ao longo da vida a amizade com os quatro enteados, olhar para trás é motivo de orgulho. “Não posso ser mais feliz do que sou”, afirmou Tereza que, apesar dos seus 89 anos e da morte do marido, não vive somente do passado. Ativa, ela continua construindo sua história e ainda alimenta sonhos, como enfeitar sua casa de maneira diferente a cada ano para as comemorações do Natal. Sua rotina também inclui aulas de dança, pilates e tocar violão, um hobby que ela alimenta há muito tempo. “A vida não é só um mar de rosas. É também muita responsabilidade com os seus sentimentos e o do outro”, afirmou, emocionada, ao despedir-se da equipe do hospital.

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Na saída, ela ainda foi surpreendida com um convite especial feito pelo diretor-presidente da entidade, Ricardo Campello. O médico pediu a Tereza que integrasse o conselho da maternidade. Convite aceito, ela ainda confidenciou: “Não consigo descrever a alegria que senti hoje. Me tocou profundamente o carinho de cada funcionário que veio falar comigo. Foi um dia muito significativo.”

 

Médico relembra desafios

Os 90 anos do Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus – 50 deles dirigidos pelo médico Amaury de Andrade – também mexeram com a memória do médico Ricardo Campello, 60 anos, que há dez está à frente da presidência da instituição filantrópica. Campello conta que a ideia de assumir a instituição nasceu após a fundação da Suprema e do desejo de aliar a formação a um hospital de ensino que fosse 100% SUS. “A gente naquele entusiasmo, fundando uma escola de medicina, mas, ao mesmo tempo, louco pra fazer alguma coisa na área pública. Foi quando percebemos que a maternidade, na época fechada pela Vigilância Sanitária, não poderia morrer. Acabamos assumindo o desafio de transformá-la em hospital geral, pois não havia mais viabilidade econômica de manter uma estrutura para uma única especialidade. Com isso, a maternidade ganhou uma dimensão muito maior. Ela continua sendo a maior do interior mineiro em volume de atendimento, mas com atuação em inúmeras especialidades importantíssimas, entre elas o trauma e a cardiologia”, explica o diretor-presidente.

Mas a história de Campello com a entidade nasceu muito antes de 2006. Após se formar em medicina com a ajuda de um crédito educativo, em 1978, ele iniciou sua vida profissional exatamente na Therezinha de Jesus que, na época, tinha se mudado da Avenida Getúlio Vargas para uma casa na Rua Padre Café. Foi lá que ele viu jovens mães solteiras passarem a maior parte da gravidez dentro da lavanderia Santa Mônica, que cuidava das roupas de cama e banho da instituição. Em troca de comida, de assistência pré-natal e de um lugar para ficar durante a gestação indesejada, elas trabalhavam na lavanderia. Muitas dessas mulheres foram obrigadas pela família a doar seus bebês. “Essa lavanderia me impressionava muito. As mães solteiras passavam nove meses acolhidas ali e ganhavam o neném em um lugar chamado geral, destinado a quem não tinha nem direito a assistência pública”, lamenta.

O médico jamais imaginou que quase trinta anos depois estaria à frente da gestão da instituição onde começou sua carreira de ginecologista e obstetra. “Não me passaria pela cabeça que eu fosse participar de um grupo que salvou essa instituição quase centenária”, afirmou, citando a certificação de excelência conferida ao hospital há três anos pela Organização Nacional de Acreditação (ONA). Segundo ele, o custo mensal da filantrópica gira em torno de R$ 6 milhões. “É um hospital de altíssima performance e com uma característica única no Brasil: 100% SUS. Mas essa conta nunca fechou. Temos a ajuda privada da faculdade, que coloca aqui cerca de 45 professores pagos por ela e 110 médicos residentes.”

Emocionado com o aniversário de 90 anos da maternidade, Campello disse que se tivesse a oportunidade de voltar atrás, faria tudo de novo. “O Therezinha se tornou nossa satisfação de vida. A gente não precisa de muita coisa para viver, apenas de projetos que nos mantenham felizes”.

 

O hospital em números

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