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Mais de 70% dos candidatos à CNH são reprovados em Juiz de Fora

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Dezenas de candidatos participam semanalmente dos exames de direção, como o ocorrido no Bairro Aeroporto no início deste mês (Foto: Leonardo Costa)

Cerca de 73% dos exames práticos para obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para direção de automóveis, realizados em Juiz de Fora este ano, resultaram em reprovação dos candidatos. Os dados são do Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG), que apontaram um índice desfavorável também para os exames de motocicletas: só neste ano, foram mais de 60% de reprovações. Os índices em Juiz de Fora se aproximam de Minas Gerais, onde cerca de 71,4% dos candidatos foram reprovados este ano no exame de direção da categoria B. Na categoria A, os valores de todo o estado são melhores que os do município: quase 49% de reprovações.

Os valores de reprovação seguem uma tendência nos últimos anos. Desde 2013, quando o percentual nos testes práticos de carro foi de 74,7%, o ano em que mais candidatos reprovaram foi 2016, com índice de 75,03%, enquanto o menor número de reprovações foi registrado em 2015, sendo cerca de 72,2%. Já nas provas de moto, nos últimos cinco anos, o maior índice de reprovações foi em 2014, com 66,9%, e o menor em 2017, sendo 57,8% (ver quadro).

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A estudante Fernanda Carvalho não conseguiu aprovação em sua primeira tentativa para habilitação de direção de carro em outubro desse ano e acredita que fatores psicológicos influenciaram na hora do exame. “Eu sei que tinha uma capacidade de passar que simplesmente não aconteceu, porque você fica tão nervosa que sua mente trava e, por mais que você tente fazer o que sabe, não consegue.” Já no segundo teste, a jovem conseguiu ser aprovada. “O exame foi absolutamente igual ao primeiro: o mesmo percurso, só que com uma pequena diferença. Quando o examinador me pediu para parar o carro, até pensei que havia reprovado novamente. Eu já tinha passado pela experiência uma vez e, então, sabia como iria ser e que a questão era puramente psicológica.”

Detran-MG busca melhorias

Em nota, o Detran-MG informou que procura monitorar a formação dos condutores no estado, bem como vem trabalhando a fim de melhorar os índices de aprovações. “Para tal, foram realizadas algumas mudanças no processo de formação dos condutores nos últimos anos, como o simulador de direção e a prova prática em duas etapas. Em Minas Gerais, as aulas teóricas e práticas em breve serão monitoradas por áudio e vídeo, possibilitando ao Detran-MG melhor gerenciamento do processo de habilitação sob sua responsabilidade, sobretudo dos novos condutores.”

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Segundo dados do Detran, Juiz de Fora conta com 30 Centros de Formação de Condutores (CFCs). O órgão procura promover curso de requalificação de diretores gerais, de ensino e instrutores de trânsito. Só este ano, mais de 133 CFCs credenciados do estado passaram pelo processo, e outros 173 também foram convocados. A requalificação é necessária para os CFCs que não alcançaram média igual ou superior a 60% na avaliação de desempenho em exames de legislação. Realizado em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial de Minas Gerais (Senac Minas), conforme o Detran, “o objetivo de preparar esses profissionais para o gerenciamento eficiente do CFC e a aplicação de métodos e técnicas de ensino que sejam mais eficazes na formação do futuro condutor.”

Processo fragilizado

Em 6 de março deste ano, o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) publicou a resolução 726, que traria algumas mudanças no processo de formação e habilitação de condutores, como, por exemplo, realização de curso de atualização e exames teóricos para renovação da CNH. No entanto, 13 dias depois, por meio de deliberação publicada no Diário Oficial da União (DOU), o Contran revogou as novas regras. Na ocasião, o Ministério das Cidades informou, em nota, que os técnicos do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) “seguirão na busca de alcançar o objetivo de promover cada vez mais a segurança dos usuários de trânsito, mas sempre com absoluto foco na simplificação da vida dos brasileiros e na constante busca pela redução de custos de forma a não afetar a rotina dos condutores que precisam renovar suas carteiras de habilitação por todo o Brasil.”

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De acordo com Roberta Torres, especialista em Educação e Segurança de Trânsito, a resolução 726 seria um processo de reformulação da 168, que está em vigência no país. “Ela (resolução 726) mudava todo o processo de habilitação, inclusive com melhorias muito significativas.” Isto porque, para a especialista, o sistema de formação de condutores precisa melhorar. “O processo de habilitação ainda está muito fragilizado no sentido metodológico, ou seja, de haver uma complementação entre suas etapas. Como consequência disso, também há um problema de formação de profissionais que atuam na área, tanto instrutores como examinadores.”

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Para Roberta, outro ponto importante para obtenção da CNH está relacionado à falta de uniformização do método no país. “Hoje temos uma regulamentação, que é a resolução 168 do Contran, que traz uma série de faltas que o aluno comete no exame e, diante disso, ele perderia pontos, mas não existe uma padronização de critérios a serem avaliados ou de como essa avaliação vai ser aplicada.”

Por conta disso, determinados procedimentos são exigidos em alguns estados, mas não em outros, algo que, de acordo com a especialista, pode influenciar na diferença de índices de reprovação entre unidades federativas. “O Detran de Minas Gerais ou seus examinadores criam os próprios padrões, isso não significa, necessariamente, que você está avaliando melhor ou pior o aluno”, afirma. “Talvez isso contribua para a reprovação ser tão alta.”

Um desses procedimentos, por exemplo, é colocar a cabeça para fora do carro a fim de olhar atrás e eliminar o ponto cego na hora de estacionar ou retirar-se de uma vaga. “É uma exigência dos examinadores do Detran de Minas, sendo que o próprio Código de Trânsito Brasileiro contradiz isso, dizendo que não deve colocar nenhuma parte do seu corpo para fora do carro, exceto para fazer algum sinal de braço. Ou seja, em outros estados, basta você fazer o gesto de cabeça”, exemplifica.

Necessidade de vencer medos e dificuldades

Entre os principais pontos que podem justificar o alto índice de reprovação na cidade está a falta de preparação dos alunos, de acordo com a diretora de ensino da Unidade de Estudo e Ensino para o Trânsito (UEET) em Juiz de Fora, Cleide Cardoso. “A legislação prevê que são 25 horas/aulas o mínimo que o candidato tem que fazer. Muitas vezes, esse candidato nunca teve contato com a direção do veículo, e, mesmo que o instrutor oriente que ele não tem condições de ir para o exame, que ainda não está preparado, o aluno quer experimentar e ver como é.”

“A legislação prevê que são 25 horas/aulas o mínimo que o candidato tem que fazer. Muitas vezes, esse candidato nunca teve contato com a direção do veículo, e, mesmo que o instrutor oriente que ele não tem condições de ir para o exame, que ainda não está preparado, o aluno quer experimentar e ver como é”, afirma Cleide Cardoso, diretora de ensino da Unidade de Estudo e Ensino para o Trânsito (Foto: Felipe Couri)

Antes de entrar na autoescola, a jornalista Moema Feital nunca havia tido contato com direção de veículos por medo de dirigir. Neste ano, resolveu tentar vencer o receio e começou a fazer as aulas de direção. Ela optou por, além do pacote essencial de aulas, comprar outro conjunto. “Acredito que cada um tem o seu tempo, até porque cada um tem os seus medos e as suas dificuldades, então eu ainda estou desenvolvendo habilidades que talvez outras pessoas já tenham assim que começam as aulas práticas, o que não é o meu caso. Eu tento me desvencilhar um pouco desse senso comum de que as aulas práticas devem ser rápidas e que nós conseguimos já com nossas aulas obrigatórias fazer uma prova, porque, na verdade, eu compreendo os meus limites.”

O apoio do instrutor foi fundamental para a candidata. “O pacote essencial foi, na verdade, o meu primeiro contato com o carro. Então, no fim desse pacote, comecei a me sentir um pouco mais segura, pela presença do instrutor que me passou muita segurança, com quem eu tive muita empatia e que teve muita paciência comigo. Se não for isso, é impossível que uma pessoa com muito medo de dirigir consiga pegar o carro e sair sozinha.”

Para Cleide Cardoso, uma boa solução para reprovações relacionadas à falta de preparo seria que, nas autoescolas, os instrutores tivessem mais autonomia em relação aos alunos. “Quando o instrutor avalia e fala que não tem condições de ir para o exame, seria importante que a palavra dele, através de um documento devidamente formalizado, fosse ouvida e aquele aluno não tivesse o exame marcado.” Isso porque, constantemente, a iniciativa para fazer o exame parte dos próprios alunos. “A autoescola, muitas vezes, não tem o poder de não marcar, uma vez que a legislação prevê que, com 25 horas/aulas, você tem o direito de ter seu teste marcado. O instrutor pode orientar que seu aluno faça mais aulas, mas ele, achando que vai gastar muito dinheiro, prefere tentar.”

Outro ponto destacado pela diretora de ensino seria um número mínimo de aulas para que os interessados realizam a prova prática novamente. “Muitas vezes, o aluno compra um pacote de aula, vai para o exame e é reprovado. Ele volta, faz uma hora/aula e quer estar preparado. Não tem como preparar o aluno, e aí a reprovação é inevitável.”

‘Crença passa de geração em geração’

Em Juiz de Fora, é comum escutar sobre como é raro passar no exame de direção, principalmente se for o primeiro, de acordo com Lilian Marcon, psicóloga e membro da Comissão de Avaliação Psicológica em Juiz de Fora. A questão é que isso acaba influenciando no momento de realização do teste. “Pais, irmãos mais velhos, tios, primos fazem essa pressão. Já escutei muito ‘quando você for fazer seu primeiro exame de habilitação, não pense que vai passar, porque não vai.’ É uma crença que estão passando de geração em geração.”

A pressão foi um ponto notado por um universitário de 20 anos, que preferiu não se identificar por estar em processo para obter a CNH. O jovem foi reprovado duas vezes no exame prático para categoria B e acredita que a coação parte, muitas vezes, da própria autoescola. “Sempre querem que você marque aula, marque o exame rápido. É a impressão que me passa. Também acho que a pressão na hora da prova, querendo ou não, mexe muito com o nosso emocional. Eu mesmo estava bem tranquilo, mas, na hora, enquanto esperava minha vez, ficava muito tenso.”

Durante a avaliação psicológica, primeira etapa para obtenção da CNH, são avaliados cinco itens: inteligência, personalidade, atenção difusa, atenção concentrada e memória. Segundo Lilian Marcon, os resultados podem dar um panorama do exame prático. “Se for uma pessoa ansiosa, vai mostrar ansiedade na prova prática também. Se ela passou no teste de memória, mas tem memória um pouco deficiente, quando chegar na hora do exame, também atrapalha.”

A principal dica da psicóloga na hora de realizar o exame é procurar manter a calma e controlar a ansiedade. “Se for pessoa extremamente ansiosa, nós aconselhamos a fazer uma terapia nesse processo de tirar a carteira. Dormir bem no dia anterior, não fazer uso de bebida alcoólica, estudar bem o manual, conversar com instrutor e rever na semana o que tem que fazer. Até mesmo fazer um plano no papel, porque a maior parte das reprovações não é nem porque o candidato não sabe dirigir, mas por causa da pressão. A ansiedade é muito presente nos candidatos à carteira de habilitação no Brasil.”

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