Conseguir remédios emprestados tem sido a alternativa encontrada pela cuidadora de idosos Maria Odenir de Magalhães, 60 anos, para a filha, de 39 anos, paciente do SUS, que sofre de crises psicóticas. O problema se arrasta há quatro meses, segundo a denúncia da mãe, que mora no Bairro Vitorino Braga. Ao longo desse período, a mulher diz que todas as vezes que procurou a Farmácia Geral vinculada à Administração Municipal para retirar os remédios Haldol e Biperideno, na Rua Espírito Santo, no Centro, ela recebeu a informação de que os itens estavam em falta. O problema não é isolado e tem levado ao aumento de reclamações na Ouvidoria de Saúde de Juiz de Fora. Somente de janeiro até agora, 28 notificações foram feitas a respeito da não distribuição de remédios básicos para tratamento de saúde mental por parte da Prefeitura. Diante do quadro, o órgão diz já ter cobrado do poder municipal a regularização do estoque. A situação também já foi alvo de denúncias recebidas pela Comissão de Saúde Pública e Bem-Estar Social da Câmara Municipal, que irá buscar explicações para a indisponibilidade dos medicamentos junto à Secretaria de Saúde. A mesma medida também será adotada pela Promotoria de Defesa de Saúde do município.
No caso da paciente, de 39 anos, ambos os remédios em falta são responsáveis por conter as crises e controlar os sintomas de rigidez e tremor. A mãe afirma que a filha precisa de 180 comprimidos durante 60 dias, todavia ela não tem conseguido os produtos gratuitos. “Ela agora só tem remédios para os próximos três dias. Estou desesperada e recorrendo às igrejas, para ver se alguém pode me ajudar”, afirmou a mulher, no início desta semana.
Incêndio
A filha não tem renda, e sua mãe precisa arcar com R$ 156 ao mês para adquirir a medicação. “A situação é preocupante, pois, em 2014, ela sofreu um surto e ateou fogo na casa onde moramos, resultando em riscos para as nossas vidas”, desabafa a cuidadora. Na época, depois de incendiar a residência, a filha tentou se jogar do segundo andar do imóvel, de uma altura de cerca de quatro metros. O Corpo de Bombeiros foi acionado para contê-la. Foi apurado que as chamas começaram em uma cama e se alastraram para o guarda-roupas. Uma equipe de militares trabalhou para debelar o fogo. “Hoje, minha filha só está controlada, porque consegui uma medicação emprestada de uma pessoa que tem condições de comprar e cedeu para a gente uma cartela de cada um”, relata a cuidadora.
Usuários voltam de mãos vazias da Farmácia Geral
Na última terça-feira, a Tribuna esteve na Farmácia Geral e observou que diversos usuários deixaram a unidade sem o remédio que tinham ido buscar. Entre eles estava a aposentada Marlene de Morais, 65, moradora do Bairro Granjas Bethânia. Ela se dirigiu ao local a fim de conseguir o medicamento Clonazepam para ela e o marido, de 69 anos. “Há duas semanas, ele veio buscar o medicamento e não tinha. Hoje eu vim e também não tinha. Os funcionários disseram que não tem previsão para os remédios chegarem”, afirmou Marlene, acrescentando: “Quando não consigo, tenho que comprar a caixa, pois tomo um remédio por dia. Meu marido toma dois. A caixa não custa caro, mas se tivesse o remédio, o dinheiro que sobraria daria para comprar umas frutas”, ressaltou. Já a moradora do Bairro Santos Dumont, Hosana Maria Severino, 40, voltou para a casa sem o Haldol. “Vim buscar para mim mesma, pois sofro de depressão. Hoje não tem, e tenho que voltar outro dia. Agora vou tentar comprar, mas pesa muito para mim, porque estou desempregada e tenho dois filhos”, lamentou a mulher.
Ouvidoria diz já ter acionado Secretaria de Saúde
Sobre os remédios que a cuidadora não consegue receber, a Ouvidoria de Saúde diz que, desde janeiro, oito reclamações envolvendo somente a falta deles chegaram ao órgão. Segundo a ouvidora Samantha Borchear, além de Haldol, Biperideno e Clonazepan, o setor detectou a falta de outro psicotrópico, a Nortitripilina. “Ao receber a denúncia, nossa conduta, conforme determinação legal, foi acionar a Secretaria de Saúde, responsável pela compra dos itens e cobrar regularização do estoque. Recebemos informação que a compra foi feita e que o prazo para entrega dos itens pelo fornecedor é de 15 dias. Vamos aguardar este prazo. Caso não ocorra a regularização, teremos que adotar outras medidas”, afirmou a ouvidora.
Reclamações a respeito da ausência do medicamento no SUS também chegaram à Câmara Municipal. De acordo com o presidente da Comissão de Saúde do Legislativo, Adriano Miranda, diversas denúncias a respeito da falta de medicamentos fundamentais para a saúde mental têm sido recebidas por ele em seu cabine. “Vou fazer um pedido de informação, por meio da Comissão de Saúde, à Secretaria de Saúde, para listar os medicamentos faltosos e que se posicione, explicando o motivo desses remédios não estarem sendo disponibilizados, porque as pessoas que fazem esse tipo de tratamento não podem ficar sem eles”, afirma o vereador, que também é médico, lembrando que o Biperideno serve para cortar o efeito colateral do Haldol.
O promotor de Defesa de Saúde do município, Jorge Tobias de Souza, informou que irá tomar as medidas necessárias para apurar o que estaria motivando a falta dessa medicação. “Vou encaminhar ofício para a Prefeitura, solicitando informações sobre os fatos. Dependendo da resposta, analisaremos o que poderá ser feito”, pontuou o promotor, alegando que, entre as providências, pode haver a instauração de inquérito civil. Todavia, se o transtorno for resolvido pela Administração, o caso é arquivado.
A Secretaria de Saúde informou que os medicamentos Haldol e Biperideno já foram encomendados ao laboratório e, dentro de dez dias úteis, eles estarão disponíveis. A falta dos mesmos foi motivada pelo recesso do final/início de ano, fazendo com que os medicamentos só voltassem a ser produzidos após a segunda semana de fevereiro. Sobre o Clonazepan, a Prefeitura informou que o item já foi licitado e que o processo de compra está em sua fase final. Já a compra da Nortitripilina já foi realizada, e a pasta aguarda a entrega por parte do fornecedor.