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Organização oficializa mudança no Domésticas de Luxo

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Representantes do grupo carnavalesco e da OAB redigem termo de compromisso durante reunião realizada nesta segunda-feira (Foto: Fernando Priamo)

O tradicional bloco carnavalesco Domésticas de Luxo não irá mais fornecer itens como tecidos, luvas e tintas na cor preta para a caracterização de seus foliões. A decisão foi oficializada pela diretoria do grupo juiz-forano na presença de membros da Funalfa e de representantes da Comissão da OAB/JF para promoção da Igualdade Racial, na tarde desta segunda-feira (18). Na ocasião, a diretoria do Domésticas de Luxo reiterou que a atitude partiu da organização do bloco, que decidiu rever sua postura a partir das críticas e protestos que a atração carnavalesca vinha sofrendo nos últimos anos.

As críticas tinham como mote o uso da cor preta, usada pelos participantes para representar mulheres negras e que delegava a elas a função de domésticas. Recentemente, circularam em redes sociais as manifestações publicadas pelo Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), pelo coletivo feminista Maria Maria e por representantes do movimento negro em Juiz de Fora. A partir disso, a organização do bloco procurou a OAB/MG Subseção Juiz de Fora na tentativa de solucionar a questão.

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De acordo com presidente do bloco, Valdir Alves, cada integrante do Domésticas de Luxo assinou um termo garantindo que não recebeu itens na cor preta – agora banidos do bloco. A partir do próximo ano, a organização estuda oferecer tecidos coloridos para seus foliões.

“Nós comunicamos todos os integrantes e explicamos a situação. Não entregamos nada na cor preta e fizemos cada um assinar um termo afirmando que não recebeu as malhas (pretas).”

Na reunião, representantes do Domésticas de Luxo leram e assinaram uma nota em que oficializam a decisão. Além do documento, um termo de compromisso foi assinado pela direção do bloco, pela Funalfa e pela Comissão da OAB.

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Análise positiva

Para o presidente do bloco, a medida é positiva. “Na minha opinião é uma evolução, a partir de um esclarecimento. A gente está fazendo o melhor para o carnaval de Juiz de Fora. Eu acredito que a mentalidade das pessoas têm que mudar. Se todo mundo muda, porque a gente não pode mudar?”, afirmou Valdir. Ainda segundo a organização, a medida também abrangerá as composições dos sambas-enredo do bloco, que passarão a ser analisadas com maior cautela com relação ao uso de possíveis termos racistas.

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O superintendente da Funalfa, Zezinho Mancini, destacou que a decisão é um ganho “enorme” para a cultura, mas também para a sociedade. “Se uma ação ofende o outro, o seu jeito de ser, ela tem que ser revista”, disse. Ele ainda destacou a tradição do bloco como um dos baluartes do carnaval juiz-forano e reforçou que a atitude é importante para que a tradição se mantenha.

Medidas punitivas

De acordo com Carlos Eduardo Furtado de Paula, um dos diretores do Domésticas de Luxo, a decisão foi um passo importante. Ele afirma que a medida foi divulgada e enfatizada a todos os participantes, que foram orientados a não participarem caracterizados com os itens banidos. Contudo, segundo ele, não há como garantir que nenhum integrante irá “como mandava a tradição”. Ele explicou que algumas pessoas não concordam com a medida.

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Perguntado sobre se os foliões serão punidos caso não se adéquem às novas orientações, ele disse que tudo será avaliado.

“É preciso diálogo. A possibilidade de um desligamento existe, mas precisa ser estudada. Teremos precaução”.

A OAB afirmou que o órgão não possui caráter punitivo, mas de moderação, orientação e esclarecimento. “Nós conversamos, orientamos sobre os comportamentos que podem ser ofensivos, além de expor o que é preconceito, racismo e discriminação. Esse é o papel da OAB, orientar e esclarecer”, disse o presidente da comissão para promoção da Igualdade Racial, Alexander Jorge Pires. Conforme o órgão, a possibilidade de uma punição a nível jurídico compete a outros setores.

Polêmica acompanha bloco nos últimos anos

A principal polêmica envolvendo o Domésticas de Luxo tem relação com o uso de malhas pretas pelos participantes, caracterização esta relacionada a um viés racista. Tradicionalmente, desde 1958, seus integrantes, todos homens, se caracterizavam de mulheres negras, pintando o rosto com tinta preta, vestindo perucas que imitam cabelos crespos e cobrindo o corpo com as malhas pretas, caracterização conhecida como ‘blackface’.

De acordo com o presidente do grupo, o bloco nasceu para homenagear as domésticas. Conforme explicou Valdir, como na década de 1950 a maioria das trabalhadoras deste segmento era negra, e na época de carnaval elas não podiam se divertir, o grupo surgiu para homenagear a classe trabalhadora. Ele defendeu que, embora a atitude tenha sido definida como preconceito e ofendido pessoas, “o intuito do bloco nunca foi ser racista, e os integrantes não são racistas. Inclusive temos negros que participam e não se sentem ofendidos”.

No entanto, nos últimos anos, a caracterização vinha sendo criticada. Em nota pública recente, o DCE da UFJF repudiou as “práticas que discriminam gênero, raça e, sobretudo, trabalhadoras no bloco”. Em 2015, a Revista Fórum repercutiu a polêmica a nível nacional. No ano passado, no aniversário de 60 anos do bloco, o desfile aconteceu sob protesto. Na ocasião, a maioria dos manifestantes era formada por jovens negros.

A adequação do bloco, portanto, é considerada um avanço na conquista de direitos de parte da população que era ofendida pela atração carnavalesca, conforme analisou o presidente da Comissão da OAB para promoção da Igualdade Racial, Alexander Jorge Pires. Questionado sobre se a atitude e a caracterização podem ser consideradas racismo, ele avaliou que as práticas que causem a estigmatização ou ofendam determinado grupo social são consideradas preconceituosas. Além disso, o presidente lembrou que o Brasil é reconhecido a nível mundial pela Organização das Nações Unidas (ONU) como um país cujo racismo é estrutural.

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