Quando o assunto é saúde mental, é preciso mais que uma mente sã e um corpo saudável: é necessário também que se garanta o acesso à cidadania. Neste ano, o Janeiro Branco, mês que destaca a importância da saúde mental, tem como tema “A vida pede equilíbrio”, importante momento para relembrar que a desigualdade, pobreza, a falta de emprego e de moradia são alguns dos fatores que tornam a população mais propensa a transtornos mentais.
Para tentar mitigar os efeitos do sofrimento psíquico intenso entre as camadas populacionais sem acesso ao sistema privado de saúde, entram em cena equipamentos multidisciplinares da rede do Sistema Único de Saúde (SUS), como o Centro de Atenção Psicossocial (Caps), que ampara prioritariamente pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso de substâncias psicoativas, e a Agência de Cooperação Intermunicipal em Saúde Pé da Serra (Acispes), que promove atendimento psicológico para pacientes que foram diagnosticadas com doenças, além de faculdades que oferecem atendimento psicológico gratuito.
Os Caps possuem equipes multiprofissionais compostas por psicólogos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, médicos psiquiatras e assistentes sociais. A fim de trabalhar em diferentes frentes, esse espaço oferece oficinas, grupos, assembleias de usuários e reuniões de equipe de forma integrada com outros serviços como o socioassistencial e o pedagógico.
Atualmente, Juiz de Fora conta com cinco unidades de Caps com diferentes perfis de atendimento no município. O Caps AD III presta atendimento a pessoas com necessidades decorrentes do uso prejudicial e/ou abusivo de álcool e outras drogas. Indo na mesma direção, o Caps IJ (infância e juventude) atende crianças e adolescentes que passam pelo mesmo quadro e que possuem transtornos mentais.
Os Caps tipo II são destinados ao atendimento de população adulta com transtornos mentais graves e persistentes: Caps II Leste, que é referência para as áreas Leste, Nordeste e parte do Centro da cidade; e Caps II Liberdade, que abrange os territórios Oeste e parte do Centro Sul. O último é o Caps III Casa Viva.
OMS
Na metade do ano passado, a Organização Mundial da Saúde divulgou a maior revisão sobre saúde mental desde a virada do século. No trabalho, eles destacam que são as pessoas mais pobres que acabam tendo maior risco de problemas de saúde mental e que também são as menos propensas a receber serviços adequados. Essa realidade faz com que os investimentos em saúde mental pública tenham que ser alinhados com as demandas da população de baixa renda.
A porta de entrada preferencial na Rede de Atenção Psicossocial (Raps) em Juiz de Fora é a atenção primária. Embora o Caps AD III receba casos por demandas espontâneas, as demandas em geral ainda são limitadas. A reportagem demandou a Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Juiz de Fora sobre quantos eram os atendimentos mensais feitos pelo Caps a partir de demandas espontâneas e acompanhamentos, mas não obteve resposta.
Acispes também oferece atendimento especializado
Outro equipamento público que disponibiliza este perfil de atendimento variado é a Agência de Cooperação Intermunicipal em Saúde Pé da Serra (Acispes), por meio do atendimento psicológico do Centro Estadual de Atenção Especializada (Ceae). Trata-se de um serviço específico para doentes renais crônicos, hipertensos, grávidas de alto risco, crianças e idosos com a saúde frágil que passam a ser acompanhados periodicamente. São pacientes que provavelmente vão conviver com as doenças para o resto da vida, e isso impacta o psicológico e o sucesso de todo o tratamento.
Com várias especialidades oferecidas pelo serviço em Juiz de Fora e em 37 municípios da microrregião, o serviço contabiliza uma média de 3.500 atendimentos mensais, com cerca de 80% dessas consultas associadas à psicologia. As portas de entrada do Ceae são as Unidades Básicas de Saúde (UBS’s) ou Secretarias de Saúde dos municípios atendidos pela Acispes.
Prevenção na saúde mental
Além de todo o cuidado durante o tratamento, a coordenadora do curso de psicologia da Estácio, Adriana Viscardi, comenta sobre a importância da condução de projetos que tenham como finalidade a prevenção, especialmente quando se trata de classes sociais menos favorecidas. “A gente não pode esquecer que a saúde mental tem tudo a ver com qualidade de vida de um modo geral – alimentação, emprego, segurança alimentar, condições de moradia”, destaca.
Daí a importância de os serviços psicossociais estarem articulados com as demais políticas públicas, como os Centros de Referência de Assistência Social (Cras), Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), Centros de Referência Especializados para População em Situação de Rua (Centro POP) e unidades de acolhimento.
Adriana Viscardi observa que nos atendimentos públicos é importante o uso de diferentes abordagens como psicoterapia, clínica psiquiátrica, terapia ocupacional, reabilitação neuropsicológica, oficinas terapêuticas, medicação assistida, atendimentos familiares e domiciliares, entre outros. “É um serviço indispensável para a saúde mental pública”, ela conclui.
Apoio também para as famílias
A família é tida como determinante no processo de enfrentamento dos problemas de saúde mental: cabe à ela o papel de ajudar a melhorar (ou a piorar) o quadro. Faz parte da chamada “rede de apoio”, estar presente, não invalidar sentimento, dar suporte e evitar cobranças. “Converse para saber que tipo de ajuda a pessoa precisa. Não tenha medo de perguntar o que a pessoa precisa naquele momento, como você pode ser útil, e deixe claro que você está ali para ajudar, que ela não está sozinha”, explica Adriana Viscardi.
O apoio, porém, não pode ser incondicional. Em uma via de mão dupla, os familiares de pessoas com algum tipo de transtorno também são afetadas em maior ou menor grau. A coordenadora do curso de psicologia da Estácio destaca ainda que essas pessoas também precisam de apoio. “A gente sempre fala que o cuidador precisa de cuidado também, até para conseguir cuidar.” É necessário fazer uma reflexão para pensar em limites, até onde é possível prestar ajuda e de que forma será feito. “Nesse sentido, o autocuidado é fundamental para os familiares, para que também não adoeçam de alguma forma, por exaustão, às vezes, ou por passar a viver o problema alheio, que lhe afeta, mas não é seu”, ela acrescenta. Para evitar uma possível sobrecarga e auxiliar os familiares neste processo, o Caps realiza o acolhimento e escuta dos familiares sempre que necessário, segundo a Secretaria de Saúde de Juiz de Fora.
Faculdades prestam atendimento gratuito em saúde mental
A Estácio oferece tratamento psicológico gratuito para a comunidade no início de cada semestre através do Serviço de Psicologia Aplicada da Estácio (SPA). A faculdade disponibiliza um link de inscrição no seu perfil do Instagram (@spa.estacio) e cria uma fila de espera, na qual os inscritos são atendidos por ordem de inscrição pelos alunos de psicologia que estão no final do curso, supervisionados por um profissional mais experiente. O link costuma ficar disponível por cerca de uma semana (até atingir cerca de 300 inscrições). A partir das informações preenchidas na ficha de inscrição, é possível direcionar o paciente para uma das abordagens de atendimento, que são basicamente hoje TCC, psicanálise, existencial e humanista. A clínica atende crianças, adolescentes, jovens, adultos e terceira idade.
A Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) também oferece serviço de atendimento psicológico gratuito para a população local através do Centro de Psicologia Aplicada (CPA). São oferecidos atendimento clínico psicoterápico individual e em grupo, avaliações psicológicas, orientação vocacional e profissional, além de grupos temporários, vinculados a projetos de pesquisa e de extensão, coordenados por professores e pesquisadores da instituição. As inscrições podem ser feitas on-line e são abertas pelo próprio CPA. A divulgação de vagas é feita pela pelas redes sociais do projeto no Instagram (@cpaufjf) e Facebook (CPA UFJF) e pelas redes sociais da UFJF.
As pessoas que não são contempladas com as vagas ainda têm possibilidade de participar de projetos que oferecem atendimentos psicológico específicos e que contam com entrada constante, como o Ambulatório Trans, o Grupo de Tímidos, o projeto Álcool e Saúde e o projeto Clarices (atendimento psicológico para mulheres usuárias de álcool e outras drogas).