A eficácia do atendimento de saúde na atenção primária pode reduzir o número de internações e, consequentemente, diminuir os gastos públicos com a rede de urgência e emergência, direcionando melhor os recursos. Essa é uma das conclusões de um estudo realizado pela mestre em Saúde Coletiva, Luiza Furtado e Silva. Conforme a pesquisa, que relaciona valores gastos pelo Estado em 2009 e 2014 com internações por condições sensíveis ao diagnóstico disponível em atendimentos básicos, 20% do dinheiro gasto no estado de Minas Gerais poderiam ser economizados caso a atenção primária fosse mais eficaz, já que o montante é aplicado nestas internações, que seriam evitáveis. Na Macrorregião Sudeste, 9% das internações são por condições consideradas evitáveis, o que demonstra uma melhor situação na região do que a média do estado.
A pesquisa “Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária em Minas Gerais: análise da prevalência e dos gastos nas macrorregiões de saúde” foi baseada em dados disponibilizados pelo Data SUS, sistema nacional de informação hospitalar. De acordo com Luiza, o assunto foi escolhido porque os poucos recursos existentes para a saúde são mal utilizados, o que causa estranheza.
“As internações são consideradas evitáveis, em casos de doenças que podem ser imunizadas ou patologias que teriam complicações evitadas se o diagnóstico ou tratamento fosse precoce.” Segundo a pesquisadora, o indicador que define quais condições são sensíveis à atenção primária é utilizado no Brasil desde 2008, e foi estipulado pelo Ministério da Saúde, além de ser usado em outros países.
Apesar de demonstrar que ainda é possível reduzir o número de internações com tratamento adequado nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), por exemplo, o estudo também mostra que o número de internações está diminuindo no estado. “A macrorregião de saúde Sudeste representa cerca de 9% das internações por condições sensíveis à atenção primária do estado nos dois anos cujos dados foram estudados, 2009 e 2014. Mas percebemos que houve redução nas taxas de internação por esse tipo de situação de 32% para crianças e 11% para idosos, o que representa uma melhoria.”
Para a especialista, a dissertação prova, por meio de dados quantitativos, que algumas ações do Poder Público na saúde têm, de fato, melhorado a qualidade de atendimento à população, mas ainda há problemas a serem solucionados. “Há investimentos no modelo de saúde da família, por exemplo, e esse impacto tem sido positivo. A população está se aproximando da atenção primária, e é o que deve acontecer. Mas percebemos que as causas dessas internações são diferentes entre as faixas etárias, então é importante ter um direcionamento das políticas para cada uma, e o governo tem que atentar para isso”, finaliza.
Promover a prevenção é prioridade
Para a Secretaria de Saúde, a lógica de trabalho é baseada na promoção da saúde e na prevenção dos agravos, evitando que o número de internações cresça. A afirmação é do subsecretário de Atenção Primária, Thiago Horta. De acordo com ele, assim como apontado na pesquisa, o custo de um usuário atendido na atenção básica é, de fato, menor, em comparação ao custo para atender um usuário internado. “Do ponto de vista econômico, o gasto com o usuário que precisa ser internado é muito maior do que se ele tivesse sido atendido na atenção básica. Além disso, há o custo indireto para a economia do país, pois o paciente fica afastado do trabalho, acaba se aposentando por invalidez ou sofrendo uma amputação, por exemplo.”
No entanto, ainda conforme o subsecretário, a prioridade da atenção básica é com a saúde do usuário. “Existe um rol de 18 condições sensíveis à atenção básica que devem ser trabalhadas por meio de agendas programadas, de acordo com o Ministério da Saúde. É o caso da diabetes e da hipertensão, por exemplo. Para tratar essas patologias, é necessário programar o cuidado contínuo, por meio de uma linha de cuidados, para que a saúde do usuário não chegue a um grau de comprometimento em que ele tenha de ser internado. Em Juiz de Fora, esse conjunto de cuidados é normatizado pela portaria 2.381, que elenca quantas vezes o usuário com cada patologia deve se consultar na atenção básica durante um ano para evitar esse agravamento”, explica Thiago.
Segundo dados levantados pela subsecretaria, em torno de 22% da população são internados por condições sensíveis à atenção primária, dado 13% maior que o apontado pela dissertação elaborada por Luíza. Para o subsecretário, a diferença nos dados pode ter relação com o número de patologias elencadas no estudo, que pode ser diferente dos dados referenciados pela secretaria. No entanto, ele destaca que, nos dois casos, os dados de Juiz de Fora estão abaixo do parâmetro do Ministério. Outro fator que pode ter influenciado a diferença é que os dados da pesquisa são apenas um recorte, que leva em consideração os anos de 2009 e 2014.
“O Ministério da Saúde coloca um parâmetro que estabelece que, no máximo, a porcentagem de internação por condições sensíveis à atenção básica deve ser de 28%. Estamos abaixo, mas ainda assim devemos promover a melhoria contínua, que depende da organização do serviço e do comportamento do usuário. Este aspecto é cultural, e registramos que, em cada agenda programada da secretaria, 30% da população não aparecem. Por isso, é necessário reverter essa ideia de que só se deve buscar uma unidade de saúde quando se adoece”, pontua.
Atenção básica é subfinanciada
Procurada pela Tribuna para comentar os resultados obtidos por meio da dissertação, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) se manifestasou por meio de nota e afirmou que não dispõe de informações para fazer análises sobre os resultados. No entanto, sobre a compreensão de que as internações sensíveis à atenção básica são evitáveis, a SES afirmou que “é um erro conceitual e não há evidências que esse indicador deva ser usado pela ótica economicista”.
Além disso, conforme a nota, “atividades como a prevenção de doenças, o diagnóstico e o tratamento precoce de patologias agudas, o controle e acompanhamento de patologias crônicas, devem ter como consequência a redução das internações hospitalares por esses problemas. Muitos outros fatores influenciam o número de internações por condições sensíveis, sendo que um deles é a configuração da rede hospitalar”, o que, para a pasta, comprovaria que o rol de condições sensíveis criado pelo Ministério da Saúde tem como objetivo diminuir o risco de internações.
Sobre os motivos pelo qual a atenção básica não pode ser considerada 100% eficaz, a SES afirma acreditar que a mesma ainda está em fase de desenvolvimento e que há subfinanciamento por falta de mais recursos. “A maior parte dos recursos públicos ainda é utilizada na rede hospitalar e de urgência, principalmente para custear os procedimentos de maior complexidade, dessa forma a atenção básica é subfinanciada. Faltam profissionais em quantidade e com capacitação para realizar os cuidados na abrangência necessária”, finaliza a nota.