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Tecnologia impulsiona comércio em Juiz de Fora

(Foto: Felipe Couri)

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Segundo o dicionário, empreender é o mesmo que decidir realizar uma tarefa difícil e trabalhosa, ou ao menos tentar. No mundo digitalizado em que vivemos, o verbo ganhou outras possibilidades, embora tenha mantido a essência de ser algo restrito a pessoas corajosas. A novidade do momento é a iniciativa de empresários de comércio e serviço que, sem medo de errar e experimentar, começam pequenos, mas sonham grande, e não se contentam com os limites territoriais da cidade e da região. Querem ganhar os mercados nacional e internacional, apostando na tecnologia como meio, para as mais diferentes áreas. Com operações voltadas à internet, eles impulsionam toda uma cadeia de empregos diretos e indiretos, gerando renda e fomentando a economia local. Desta fonte, já bebe o comércio de rua, que faz do acesso digital o canal para atrair e estreitar as relações com os consumidores.

Bruno Imbrizi, da Chico Rei, ressalta que a empresa gera 70 empregos diretos, com salários acima da média do mercado local (Foto: Felipe Couri)

Aos 19 anos, Bruno Imbrizi transformou um quarto onde morava, no Bairro São Mateus, Zona Sul, em estúdio de criação e estoque de camisetas criativas, que recebeu o nome de Chico Rei. O então estudante de artes sempre quis produzir em grande escala e, de início, até tentou o mercado formal, passando sua produção para revendedores. No entanto, a inadimplência de parte deles o fez buscar outros caminhos. Nasceu o site e, depois de seis dias, a primeira venda, para Fortaleza (CE). Foi a resposta que Bruno precisava para acreditar que empreender em um comércio virtual daria frutos. E deu.

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Hoje a Chico Rei possui sede própria, um prédio de cinco andares no Bairro Santos Dumont, Cidade Alta, onde trabalham cerca de 70 pessoas. Sob seu comando, a equipe não apenas cria desenhos bem humorados para camisetas, como também atua em toda a cadeia produtiva, da confecção, estúdio e estamparia à logística de entrega. E com um detalhe: seus colaboradores recebem salários 60% acima da média de mercado.

A Chico Rei é a maior empresa de vestuário e acessórios criativos do Brasil, com toda a operação, via internet, a partir de Juiz de Fora. Além das vendas pelo comércio eletrônico, distribui a produção, que passa de dois mil desenhos distintos de estampas, para mais de 600 multimarcas pelo país, que também compram via internet. E não apenas camisas, mas também acessórios como bolsas, chaveiros, meias, almofadas e canecas. “Quando saio de Juiz de Fora e vejo alguém usando nossos produtos é a melhor sensação de todas. Eu já deparei com Chico Rei no México, África do Sul, Argentina e em todos os cantos do Brasil. Em Belo Horizonte, basta um passeio pelo Mercado Municipal.”

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Caminho sem volta

Na avaliação do gerente regional do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas em Minas Gerais (Sebrae/MG), João Roberto Marques Lobo, investir em internet para o comércio de produtos e serviços é um caminho sem volta, que atrai o interesse de empreendedores das mais diferentes áreas. “Hoje o empresário busca o mundo digital para oferecer conveniência e comodidade, exigências do consumidor. Mas para ter sucesso, é importante planejar toda uma estrutura, com estoque e logística compatíveis à demanda, que será naturalmente maior.”

Habituado às dificuldades do comércio on-line, Bruno, da Chico Rei, fala sobre os desafios enfrentados. “Não é nada fácil. Hoje não se pode mais entrar de forma amadora, porque o mercado é mais feroz que há dez anos. Por outro lado, o comércio eletrônico tem crescimento muito maior, que deve ter por trás boas campanhas, estratégias de marketing, qualidade de produto e uma equipe preparada de atendimento e pós-venda. E isso é básico. Seja em um negócio físico ou digital, trabalhar a marca é o caminho, pois quando ela é forte conseguimos passar por situações adversas.”

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Supermercado on-line encontra nicho

Foi apostando exatamente na comodidade que os noivos Clinton Furtado e Amanda Britto inauguraram, há um ano, um supermercado on-line, o comprasemcasa.com.br. Com mais de 3.500 produtos disponíveis, o negócio está em fase de amadurecimento, após passar por um período de experimentação. “Tínhamos a ideia de fazer algo juntos e resolvemos colocar em prática uma ideia que tive em 2004, que era o supermercado via internet. Naquela época, a proposta não ia vingar, pois o comércio virtual ainda era visto com desconfiança. Ninguém imaginava em comprar arroz pelo computador. Mas nos últimos anos, o amadurecimento e o novo perfil do público consumidor nos motivaram a apostar e empreender”, disse Clinton, que vem de uma família de comerciantes do ramo imobiliário.

Depois de apostar em público jovem, hoje Clinton Furtado viabiliza seu supermercado on-line a partir da demanda de idosos (Foto: Marcelo Ribeiro)

Em menos de um ano, o supermercado on-line fez sucesso e mostrou que a tendência do futuro é uma demanda do presente. Para não perder o foco, o casal resolveu colocar o pé no freio, reduzir o volume da divulgação e investir em pesquisas e estudos. “Temos uma funcionária e contratamos duas consultorias, que indicaram a viabilidade do negócio. Também nos orientaram a não fazer estoque, mas funcionar como uma ponte entre fornecedores e os clientes, através da parceria com os atacadistas locais”, explicou Clinton que, atualmente, trabalha na implementação de um sistema de atualização automatizada de preços de todos os itens à venda. Carnes e hortifrutis são fornecidos por parceiros da cidade, e os produtos de padaria vêm das empresas da família.

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“O capital não era muito alto, e montar estoque seria bem complicado. Usamos o pouco de dinheiro que tínhamos e investimos na estruturação do site e apostamos no contato com fornecedores atacadistas da cidade para fazer compras sob demanda e não com antecedência. À medida que os pedidos chegam, buscamos os produtos.”

Público-alvo
Com a estruturação quase pronta, Clinton e Amanda querem voltar a investir em divulgação, agora focado no público-alvo que eles identificaram na prática. “Na teoria, pensamos que iríamos atingir os jovens que não gostam de supermercados. Mas nossos clientes são, principalmente, idosos, que conheceram o serviço através dos netos. Eles buscam comodidade e praticidade. Também temos demanda grande de pessoas de bom poder aquisitivo, moradores de condomínios afastados dos estabelecimentos tradicionais”, contou Clinton, responsável por todas as entregas, enquanto que Amanda, publicitária, lida com o marketing e a identidade visual.

Preparação para operar 100% delivery

A tendência do comércio virtual, porém, não é para todos, pois é preciso garantir a excelência no atendimento e na qualidade. De fato, o investimento inicial tende a ser menor, uma vez que as operações começam sem a obrigação de estruturar uma loja física, contratar e capacitar colaboradores. Entretanto, a concorrência é grande, assim como a exposição da marca. Por não haver o contato direto com o cliente, eventuais reclamações acabam sendo expostas em sites reguladores, onde os novos consumidores vão buscar referências antes de efetuar a compra.

Os sócios Lucas, Fabrício e Vitor se preocupam com a boa logística e qualidade dos produtos para ganhar reputação com hamburgueria totalmente delivery (Foto: Marcelo Ribeiro)

Com coragem e vontade de oferecer um serviço diferenciado, os irmãos Vitor e Lucas Vargas e o amigo Fabrício Paiva apostaram em uma hamburgueria para vender apenas via internet. Sem funcionários, contando apenas com um primo ajudante, os três empreendedores largaram o emprego formal e usaram os respectivos fundos de garantia para abrir a Bull Garage BBQ, uma das empresas do setor com melhor avaliação nos aplicativos de comida delivery Robin Food e iFood.

De portas fechadas, no Bairro Santa Catarina, região central, eles atingem toda cidade. Antes de iniciar a operação pelos aplicativos, em 2016, os três testaram o negócio com pedidos apenas por telefone, possibilidade ainda oferecida, mas com menor procura. Durante seis meses, Vitor, Lucas e Fabrício aprenderam a fazer a atividade um do outro, até mesmo para possibilitar que a operação se mantivesse mesmo na eventual indisponibilidade de um deles. Além disso, trabalham de segunda a segunda, e este mecanismo permite que se organizem para folgas semanais. “Ao optar pelo delivery, sabíamos que era necessário cuidar de todo o processo e garantir a qualidade diária, porque uma reclamação pontual pode acontecer. Duas ou três representariam a perda da nossa credibilidade, e isso conta muito nos aplicativos”, avaliou Lucas.

A escolha pela hamburgueria não veio por acaso, afinal, Fabrício é cozinheiro, Lucas design e Vitor tinha acumulado experiência administrativa. “O Lucas sempre dizia que a garagem da família ficava parada, que não tinha carro estacionado. E a partir deste espaço físico, pensamos em várias possibilidades, desde petiscos delivery até chegar a ideia de um sanduíche à base de churrasco. A ideia era se aproximar de um hambúrguer gourmet, mas ao mesmo tempo simples, com entrega rápida e preço justo”, explicou Fabrício.

Organização e higiene

Manter um negócio de portas fechadas não significa que o trabalho irá ocorrer em qualquer ambiente. Os empreendedores, por exemplo, reformaram a velha garagem para se transformar em uma cozinha, equipada com uma chapa “char broiler”, que grelha a carne sem queimá-la, simulando o funcionamento de uma churrasqueira. A logística também é um ponto a ser considerado. No caso deles, são três motoentregadores fixos, alinhados ao conceito do trio de sócios. Quando recebem elogios, são compensados. “Eles são o nosso cartão de visitas, é o contato entre a cozinha e o cliente, por isso é importante serem pessoas de confiança e bons profissionais”, disse Vitor.

‘Pensar, planejar e executar’

A empresária Liliane Turolla deixou o jornalismo para investir em loja on-line com itens criativos para cães, além de outros acessórios (Foto: Divulgação)

De repente, a recém-formada em jornalismo Liliane Turolla viu o empreendimento que cabia no quarto do seu apartamento ser tratado como referência nacional no comércio eletrônico. Foi assim que, há oito anos, nasceu a Pop Dog, que comercializa roupas para cachorros e acessórios para amantes dos bichos de quatro patas. Porém Liliane não tinha o comércio virtual como o seu plano A, e encarava o empreendimento como a oportunidade para ganhar renda extra, lidando com um nicho que era da sua afinidade. “Eu perdi esta oportunidade no início, e, às vezes, até lamento, pois quando comecei não tinha concorrentes. Mas havia acabado de me formar, e não queria a loja, e sim trabalhar na minha área, como acabei fazendo. Mas se eu tivesse profissionalizado o negócio desde o começo, estaria em outro patamar.”

Não que Liliane tenha uma empresa pequena. Ao contrário, a Pop Dog é referência em artigos para os bichos e seus donos. A diferença é que a falta de visão do negócio, inicial, abriu margem para o crescimento de inúmeros concorrentes, que agora disputam um mercado acirrado com ela. “Foi tão por acaso que iniciei vendendo almofadas relacionadas a cachorros em comunidades do Orkut. As roupas só vieram uns três anos depois”, disse, falando do seu carro-chefe. “Agora é tudo muito mais profissional. Além de ter investido na plataforma de comércio virtual, movimento outros parceiros em Juiz de Fora. A modelagem é toda minha, e estou adaptando de forma constante em busca da perfeição”, disse, afirmando que seus dois cachorros, o bulldog francês Felipe e a vira-lata Naomi, são seus modelos e “cobaias”.

Mas chegou um momento em que o trabalho para manter a loja, a partir de Juiz de Fora, precisava de apoio. Foi aí que veio o namorado, Thiago Salomão, para dar apoio administrativo e de logística que a empresa exige. Com ele, o casal alugou uma loja – de portas fechadas -, para manter o estoque e organizar as operações. “E o trabalho é 24 horas. Nós somos a empresa e, mesmo que o computador esteja ligado, é preciso ficar atento a todo o momento, nas finanças e também na concorrência. Agora o Thiago lida com a situação burocrática e eu me dedico ao criativo, para pensar em estampas e novos produtos. Penso, planejo e executo.”

Na avaliação de Thiago, que já ajudava nos negócios, mas entrou como sócio no ano passado, a internet é um aprendizado diário. “Não é nada fácil. Na rua, vai ter gente passando na nossa porta o tempo todo. On-line, temos que chamar estas pessoas”, disse. E Liliane acrescentou: “E é preciso mirar o público certo, caso contrário será dinheiro gasto à toa.”

A loja é física, mas a vitrine é o on-line

O comércio virtual é apenas uma das vertentes da tecnologia. Ela pode ser usada, com êxito, para movimentar espaços físicos. E em Juiz de Fora ninguém usa esta ferramenta tão bem quanto Tarcísio Guerra, da loja de vestuário feminino que leva o seu nome. A Tribuna esteve no local uma quinta-feira, pouco antes das 17h. O movimento era intenso, mas não para ele. “Hoje o fluxo está normal. Quando está cheio, a gente nem consegue andar pelo salão”, disse ele, orgulhoso, sobre a empreitada em família que cresce a cada dia. Tudo graças às redes sociais, como Facebook e Instagram, seus canais de interação, comunicação e, principalmente, divulgação dos produtos. Tarcísio é precursor no município em montar tendências de moda e fotografar peças de forma atrativa. “Eu acho que este é o boom da loja. Tanto que hoje as pessoas me copiam, em todo o país, mas ninguém consegue fazer igual.”

Tarcísio começou como sacoleiro, em 2008, ao mesmo tempo em que trabalhava para a Prefeitura de Rio Novo. Divulgava produtos no Orkut e ia na casa das clientes efetuar as vendas. No ano seguinte, mudou-se para Juiz de Fora, mantendo este trabalho, mas já apostando no Facebook. “Comecei a ter um volume grande de variedades, e adaptei a sala do meu apartamento para receber as clientes, não dava mais para levar até elas. Começou a dar fila no prédio e passei a ter problemas com o síndico. Foi quando aluguei a primeira loja, em 2014, na Rua Dirceu de Andrade (Dom Bosco), no mesmo prédio em que já morava.” Rapidamente Tarcísio adquiriu também o estabelecimento ao lado, e as filas de clientes em busca do seu produto só aumentavam. A cada nova foto nas redes sociais, mais clientes apareciam em busca das suas peças, em uma crescente que não parou mais.

Tarcísio Guerra investe na loja de vestuário feminino no Bairro São Mateus, mas aposta nas redes sociais como vitrine para atrair e fidelizar clientes (Foto: Marcelo Ribeiro)

Ano passado, Tarcísio e seus irmãos-sócios Fernanda e Felipe Guerra deram um passo maior: compraram uma casa na Rua Cândido Tostes, no São Mateus, Zona Sul, e a adaptaram para ser transformada em loja. Em poucos meses, o espaço recém-inaugurado já não suporta mais a demanda, segundo Tarcísio, e, até o fim do ano, o segundo andar, onde os irmãos atualmente vivem, será transformado em extensão do estabelecimento. “São 30 pessoas trabalhando, com milhares de pessoas frequentando a loja o dia inteiro. É muita gente, muitas clientes fidelizadas”, respondeu.

Mercado virtual
Não passava pela cabeça de Tarcísio operar apenas no mercado virtual. Mesmo assim, esta tornou-se uma necessidade, dada a procura de clientes fora da cidade. Em parceria com a loja Arthmanha, de Ubá, vende suas roupas através do site lpstore.com.br. É com a Arthmanha, também, que vem a parceria para comprar barato e fazer preços atrativos na loja física. Muitas das peças vêm de importadoras que adquirem direto da China. Tarcísio não é apenas mais um cliente, mas uma espécie de consultor de moda destas empresas. Em troca, consegue espaço nos contêineres para trazer as suas mercadorias.

Comércio digital é crescente, mas requer cuidados

A procura por orientações para empreender no comércio digital é crescente em Juiz de Fora e Zona da Mata, conforme avalia o gerente regional do Sebrae-MG, João Roberto Marques Lobo. Segundo ele, a temática “mídias digitais”, tanto para venda como para divulgação, desperta o interesse dos empresários, não somente daqueles que buscam iniciar as atividades no mundo digital, como dos que já identificaram a importância de replicar a estrutura física na grande rede.

“O comércio de bens e serviços físicos cresce com restrições. No digital, é uma realidade diferente, pois é possível atrair um mercado potencialmente maior. Mas há vários cuidados que devem ser adotados”, alertou. Entre eles, a preparação da estrutura física e logística para absorver esta nova demanda, que cresce rápido. “Este crescimento é substancial. E com isso, aumentam operações, estoque e necessidade de ter uma divulgação assertiva. Tudo isso deve ser planejado e não é fácil.”

Sobre a facilidade em iniciar do zero, João Roberto confirma a tese, mas se mantém cauteloso. “Embora seja uma tendência que dificilmente mudará, há muitos casos de empresas que começam no digital e acabam vendo a necessidade de migrar para a loja física. Eles percebem que, com uma demanda estritamente local, o ponto de referência físico acaba se tornando importante.”

João Roberto observa também o fato de o investimento para internet se menor no início, muito embora seja preciso estar preparado para o bem atendimento e a estrutura em logística para entregas rápidas. Com a exposição da marca, uma característica da internet, ao mesmo tempo em que o crescimento rápido se torna possível, a credibilidade também se perde em instantes. “Não há o contato direto com o cliente, portanto, é preciso garantir agilidade para garantir retorno e soluções de problemas. A credibilidade é o que move a relação de consumo.”

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