Saiba por que é preciso ter acompanhamento multidisciplinar no pós-Covid

Especialista ouvido pela Tribuna explica que sequelas da infecção pelo coronavírus não são totalmente conhecidas, mas paciente deve ter supervisão médica


Por Sandra Zanella

16/05/2021 às 07h00

Cerca de um ano depois de a pandemia do coronavírus chegar ao Brasil, a Organização Mundial da Saúde (OMS) continua alertando para os efeitos da Covid-19 em pacientes já considerados recuperados, chamando a atenção para a necessidade de cuidados prolongados, devido a problemas de saúde persistentes. Segundo a OMS, um estudo revela que um quarto das pessoas que tiveram o vírus apresenta sintomas que continuam por pelo menos um mês, enquanto uma em cada dez ainda não se sente bem mesmo após passadas 12 semanas, diante da chamada “Covid longa”.

Em 7 de fevereiro deste ano, a Tribuna já havia publicado reportagem com relatos de juiz-foranos que sofreram sequelas após serem infectados pelo coronavírus. Mesmo os prejuízos respiratórios sendo os mais comuns, como fadiga, vítimas ainda descreveram problemas pulmonares e renais mais graves, além de perda de olfato e paladar e queda de cabelo. Um estudo iniciado neste ano por pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) acompanha, por até seis meses depois da doença, pacientes que precisaram de internação, a fim de desvendar mais esse mistério em torno dos efeitos do coronavírus no corpo humano.

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Como a ciência e a medicina estão em constante evolução, a Tribuna voltou ao tema nesta entrevista com o infectologista Marcos Moura. De acordo com ele, o tempo pelo qual as sequelas podem persistir ainda é uma incógnita, mas uma coisa é certa: “o pós-Covid deve ser, necessariamente, uma questão multidisciplinar”.

Tribuna – Quais são as possíveis sequelas da Covid-19 conhecidas até agora e por quanto tempo podem durar?
Marcos Moura – Não sabemos hoje todas as sequelas relacionadas à Covid-19 após a cura clínica. Como é uma doença sistêmica, pode atingir qualquer órgão. Existem sequelas mais graves, como as cardíacas e as neurológicas, mas hoje em dia se foca muito na parte psíquica, tanto de doenças psiquiátricas, como cognitivas. Há muita relação com o próprio sintoma respiratório, com cansaço e fadiga, que pode também levar a um comprometimento tardio do pulmão. Mas a princípio temos muitos sintomas associados à Covid após a cura. O paciente acha que ainda está transmitindo a doença, que ainda tem o vírus, mas na verdade são sequelas sistêmicas. A mais grave que se vê hoje são os eventos tromboembólicos, que podem acometer qualquer órgão, como o pulmão, com tromboembolia pulmonar, que é extremamente grave e pode levar a óbito; ou o cérebro, provocando isquemias e o AVC (acidente vascular cerebral). E ainda os (eventos) cardíacos, que nas coronarianas podem dar até um infarto. O tempo de duração é imponderável, não sabemos exatamente. Temos sequelas relacionadas a um, dois meses após a doença, mas também tem aquelas mais tardias.

Como o paciente que teve Covid-19 deve agir para identificar essas possíveis sequelas?
Todo paciente que tem ou teve Covid tem que buscar um médico, que deve acompanhá-lo por pelo menos até 30 dias após a alta. É muito comum o paciente ter o desligamento do contato médico e ficar com dúvidas. Ele precisa desse período de acompanhamento, mas é uma dificuldade do sistema público não ter esses ambulatórios. Em algumas cidades de Minas estão fazendo o ambulatório pós-Covid, onde o paciente desinternado vai para ser acompanhado. O ideal é que seja um infectologista ou pneumologista, primariamente, mas, dependendo do sintoma, ele pode precisar até de um dermatologista. Não é ideal que o paciente fique identificando as sequelas, ele tem que ter uma reavaliação médica, porque existe muita fake news e muita sugestão a doenças que, muitas vezes, não têm nem a ver com a Covid. Observamos muito pacientes que têm doenças crônicas, que não eram tratadas adequadamente e, com a Covid, tudo aparece ou piora. Então precisamos entender que muitos pacientes que estão na rede pública não têm acompanhamento, nem com cardiologista, nem com pneumologista. Alguns que são hipertensos ou diabéticos estão sem controle por anos. Depois da Covid, quando se identifica, precisamos que esses médicos entrem para poderem reajustar esses pacientes. É preciso uma avaliação médica para saber se aquele problema tem a ver com a Covid, ou não, se era uma doença que já existia e foi diagnosticada.

Em Juiz de Fora, quais são os casos mais comuns de sequelas? E quais os mais raros?
Primariamente, os pacientes que me procuram são aqueles que ainda têm fadiga, cansaço, falta de ar e tosse – alguns sinais respiratórios que levam os pacientes a acreditarem que ainda não se curaram da doença e podem estar na fase virêmica. Normalmente, esses me procuram porque têm alguma lesão pulmonar associada à Covid. Ou são pacientes que internaram e ainda têm um déficit muscular, um cansaço extremo. Não atendi casos de sequelas cardiovasculares, neurológicas ou psiquiátricas, mas hoje em dia sabe-se muito que a pandemia e a Covid podem agravar os problemas psiquiátricos.

Já é possível identificar se as sequelas da Covid-19 podem ser permanentes ou temporárias?
Não temos como definir isso ainda. Mas, de forma geral, vamos ter as sequelas sintomáticas temporárias, que são aquelas questões mais brandas ou despercebíveis. Mas pode haver uma sequela definidora. Por exemplo, um paciente que tem uma lesão pulmonar extensa pode vir a ter uma DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica), pode virar um dependente de oxigenoterapia após a Covid. O paciente que tem uma nefropatia, uma lesão renal pela Covid, pode virar um nefropata e necessitar de diálise. O paciente que desenvolver um AVC pode ter sequelas neurocognitivas e motoras focais associadas. Isso tudo é muito complexo. De forma geral, o paciente tem que ter uma avaliação para poder saber se aqueles problemas sequelares da Covid são contornáveis, tratáveis ou não.

Os casos de pacientes que tiveram sintomas leves ou ficaram assintomáticos, mas que apresentaram sequelas depois da Covid-19, são raros?
A princípio, as sequelas são associadas a pessoas sintomáticas graves. No caso dos pacientes que têm a doença branda, que não precisam de internação, temos que avaliar, a não ser que seja algum distúrbio psiquiátrico, se aquilo é uma sugestão ou uma necessidade. Isso é muito complicado, uma vez que existe muita fake news, muita informação desencontrada, que leva as pessoas a acreditarem que estão com uma doença que, às vezes, não são nem diagnosticáveis, nem mensuráveis em exames laboratoriais. É fundamental que um médico acompanhe esse paciente, para poder pedir os exames adequadamente e avaliá-lo clinicamente.

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Há comorbidades que você considera mais graves no sentido de causar sequelas?
A Covid é uma doença que cada vez mostra novas manifestações. Tem um aspecto midiático ímpar em toda a história, inclusive surgiu durante a (era da) internet. Como é uma doença muito nova, não sabemos exatamente quais são as sequelas associadas a ela. Mas é uma manifestação primordialmente pulmonar. Então imaginamos que toda a doença vai se basear no pulmão. Os pacientes internados com as formas graves e moderadas vão ter um desajuste orgânico completo, e doenças que estavam controladas podem descompensar, assim como outras podem se manifestar. Pacientes obesos e tabagistas, por exemplo, vão ter pré-requisitos para desenvolver doenças mais graves, e aí sim podem ter uma doença coronariana associada, pulmonar ou hepática. O coronavírus é um vírus sistêmico, então ele acomete todos os sistemas do corpo, inclusive há manifestações cutâneas associadas à Covid. De forma geral, o paciente que tem a doença branda não vai evoluir nem para uma sequela, nem para uma gravidade. O paciente que tem a forma grave, pode ter uma parte das sequelas associadas à doença e outras à própria internação. Quem fica internado, intubado, no CTI, faz diálise por muito tempo vai ter comprometimentos relacionados. É muito comum (nesses casos) ter dificuldade cognitiva e motora e precisar de reabilitação fisioterápica. Entendemos que o pós-Covid deve ser, necessariamente, uma questão multidisciplinar, onde médicos, fisioterapeutas e outros profissionais de saúde podem auxiliar nessa reabilitação.

Tópicos: coronavírus

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