Por Marcos Araújo, Michele Meireles e Sandra Zanella
O brutal assassinato de dois irmãos, na manhã desta sexta-feira (15), na Vila Olavo Costa, Zona Sudeste de Juiz de Fora, despertou novamente para o estado de banalização da violência que estamos vivendo. Talvez sem terem tido chance de um destino diferente, Pablo Caetano de Melo, 35 anos, e Guilherme Luís de Melo, 39, foram friamente executados com vários tiros de pistola 9mm na calçada em frente à casa onde moravam, ironicamente na Rua da Esperança. Um terceiro homem, 41, também foi baleado e internado no HPS. Esse foi o sexto duplo homicídio registrado apenas este ano, totalizando 99 mortes violentas.
O caso aconteceu um dia depois do anúncio de que o mesmo bairro marcado por sangue à luz do dia é o primeiro a receber o programa estadual Fica Vivo, voltado para jovens de 12 a 24 anos, com o objetivo de prevenir crimes contra a vida, por meio de oficinas de esporte, cultura e profissionalização. O processo de implantação da iniciativa, em parceria com o Município, foi confirmado pela subsecretária de Políticas de Prevenção Social à Criminalidade do Governo Estadual, Andreza Rafaela Gomes, durante visita à cidade, na última quinta-feira. Há praticamente uma década a Tribuna cobra do Estado a vinda do Fica Vivo para a cidade. O delegado titular da Especializada de Homicídios, Rodrigo Rolli, pondera que o projeto “poderia ter acontecido há mais tempo”. “Com certeza é necessário e deveria ser expandido para outras áreas.” Ele ressaltou que Juiz de Fora nunca teve esse índice de tantos duplos homicídios, a maioria ligada ao tráfico de drogas e à disputa de pontos.
Como cerca de 80% dos assassinatos e tentativas teriam motivações no tráfico e na briga de gangues, tendo cada vez mais jovens como vítimas e autores, Rolli avalia a importância do combate ao comércio de entorpecentes e de armas. “Fazemos investigações no intuito de tentar descobrir a rota do tráfico e como se dá essa distribuição. A guerra, especificamente existente na Olavo Costa e região, tem como base a existência dessas armas de fogo que foram compradas.”
O delegado explicou que, atualmente, o tráfico se divide em cinco pontos da Olavo Costa – Antena, Paredão, Terreiro, Barracão e Trevo -, sendo cada um deles dominado por um grupo diferente. “A parte intermediária está em guerra. Tinha diminuído muito os crimes, mas é a rivalidade que fomenta isso. Essa disputa por região levou a mais esse duplo homicídio em Juiz de Fora”, lamentou.
Para Rolli, “temos que aplaudir qualquer política pública que seja utilizada como ferramenta para ocupar os jovens e tirá-los da criminalidade”. “Mas também é importante a implementação de políticas educacionais de base para que o jovem nem chegue a buscar o crime”, enfatizou. Para Rolli, a Olavo Costa “necessita demais” dessa iniciativa, assim como os bairros Santa Rita, Santa Cândida, São Benedito e Vila Alpina, na Zona Leste, e algumas áreas da Zona Norte, como Parque das Torres e Jóquei Clube. “São as zonas de maior incidência criminal de homicídios em Juiz de Fora e precisam de políticas preventivas, não só de repressão.”
Crime mobiliza várias viaturas e comandante da PM
Os dois irmãos, de 35 e 39 anos, foram mortos na Vila Olavo Costa por volta das 7h30 desta sexta-feira, mobilizando viaturas da Polícia Militar, inclusive o comandante da 4ª Região, coronel Alexandre Nocelli, presente no local. O sobrevivente, 41, ao tiroteio foi socorrido pelo Samu com um tiro na cabeça próximo à orelha direita e outro de raspão na nuca. Segundo a Secretaria de Saúde, o paciente está em observação no HPS, lúcido e orientado. Ele será avaliado pela equipe de neurocirurgia.
Segundo a PM, quatro ocupantes de um veículo Gol teriam desembarcado armados com pistolas e aberto fogo contra as vítimas. O crime assustou os moradores, que se aglomeraram na via para acompanhar os trabalhos da polícia. Os irmãos moravam em uma residência atrás de onde foram assassinados. Segundo familiares, há sete casas no terreno, todas ocupadas por parentes. Apesar da comoção, ninguém quis comentar sobre o crime.
A perícia esteve no local e realizou os trabalhos de praxe, mas não foi possível identificar a quantidade de tiros que atingiu cada vítima, ferida nas regiões da cabeça, tórax e abdômen. Os corpos foram levados para necropsia no Instituto Médico Legal (IML). Na rua foram recolhidos cartuchos deflagrados de munição 9mm. De acordo com o comandante da 135ª Companhia da PM, tenente Rualemberg Marques, a principal suspeita é que os crimes tenham ligação com o tráfico de drogas. Apesar das intensas buscas pelos suspeitos, ninguém foi preso.
Os investigadores da Delegacia Especializada de Homicídios também foram mobilizados no caso logo pela manhã. Segundo o delegado Rodrigo Rolli, “a vítima internada no HPS não teria envolvimento com o tráfico em si, mas teria sido alvejada por estar próxima ao ponto de drogas”. “Conforme as investigações e os levantamentos prévios, os outros dois estariam comercializando substâncias. Eles não seriam os alvos efetivos, que seriam os “reais donos” daquele local. Mas acabaram sendo executados porque estavam lá. O motivo seria a briga por pontos. No passado esse local de venda teria sido tomado por um grupo.”
85 inquéritos de homicídios instaurados este ano
Durante entrevista coletiva na manhã desta sexta-feira (15), o delegado Rodrigo Rolli apresentou um balanço dos trabalhos da Delegacia Especializada de Homicídios de janeiro a agosto. Segundo ele, foram instaurados 85 inquéritos de homicídios, contra 91 no mesmo período de 2016, representando uma redução de 7%. Já de acordo com levantamentos da Tribuna, que leva em conta cada vítima em ocorrência de duplo assassinato e também o crime de latrocínio (roubo seguido de morte), foram 94 mortes violentas até agosto. A mesma estatística apontou 104 óbitos nos oito primeiros meses do ano passado, chegando a uma redução ainda maior, superior a 10%.
Em 2017 houve na delegacia outros cem procedimentos relacionados a tentativas de assassinatos, enquanto, no ano passado, haviam sido abertos 136 inquéritos. Neste caso de crimes não consumados, a redução alcançou 26,5%. Para Rolli, o fato de os homicídios terem caído menos que as tentativas pode ser explicado pelas armas mais letais usadas atualmente, como as pistolas ponto 40 e 9mm. “Cada vez mais, os autores de crimes desta natureza têm utilizado armamentos pesados, de grosso calibre, financiados pelo tráfico de drogas, que acabam levando à consumação efetiva dos crimes. São armas muito mais lesivas do que aquelas utilizadas no passado, como revólveres 22, 32 e 38. Não significa que não matavam, mas essas pistolas têm potencial ofensivo muito maior. As lesões causadas no organismo são de difícil contenção ou reversão, e as vítimas acabam indo a óbito.”
O delegado acrescentou que, até agosto, a especializada chegou à autoria de 144 inquéritos, representando um índice de apuração de 78%. Ainda durante a coletiva, Rolli apresentou três jovens, com idades entre 20 e 24 anos, suspeitos de envolvimento em um homicídio e cinco tentativas de assassinato ocorridos desde 2015 em Juiz de Fora. Um dos casos aconteceu no dia 9 de abril deste ano no Bairro Retiro, Zona Sudeste, e causou comoção porque a vítima era um menino de apenas 4 anos, baleado na perna quando estava no colo da mãe, na Rua Irmã Emerenciana.
Diagnóstico pretende levantar demandas da região
A terceira fase do Plano Municipal Integrado Sobre Crack, Álcool e Outras Drogas (JF+Vida), no Núcleo Travessia, na Vila Olavo Costa, foi iniciada, conforme divulgou a Prefeitura de Juiz de Fora, nesta quinta-feira (15). As ações são desenvolvidas com o apoio da Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas do Ministério da Justiça (Senad/MJ) e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Primeiramente, foi realizada, na última quarta-feira, a primeira oficina do Diagnóstico Participativo JF+Vida, contando com a presença de moradores da região e membros do Travessia.
O principal objetivo dos encontros é escutar a comunidade para a elaboração de um diagnóstico participativo e mapear potencialidades e desafios de cada território, fortalecendo o trabalho na área da dependência química e as políticas sobre drogas no município. Dezessete equipamentos públicos daquela região participarão desta fase.
De acordo com a coordenadora do grupo técnico JF+Vida, Cláudia Stumpf, o projeto tem duas etapas. “Uma delas é um diagnóstico participativo, com o qual pretendemos ouvir pessoas de vários equipamentos governamentais e não-governamentais através de oficinas de diagnósticos e, dentro dos próprios equipamentos, serão ouvidas pessoas da comunidade”, explica Cláudia. A meta é verificar que equipamentos formam uma rede na comunidade, ouvir moradores para apontar quais são seus desejos e traçar ações de trabalho de questões relativas às vulnerabilidades da área. “Nossa intenção é criar uma modelagem de rede intersetorial e integrada de atenção a pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas.” Serão levados em conta outros indicadores, como violência e tráfico de drogas, a fim de estabelecer medidas para minimizar esses indicadores.
Comunidade anseia ser ouvida e integrada
Mesmo com o desenvolvimento das ações anunciadas pelo Poder Público na Vila Olavo Costa, lideranças da comunidade se queixam da falta de participação dos moradores nas decisões que prometem mudar a realidade do bairro e adjacências. Segundo o fundador da Associação de Assistência Social, Reciclagem e Artesanato Lixarte, Reginaldo Barbosa da Silva, mais conhecido como Bulu, as medidas implantadas não contam com a presença de atores da comunidade, o que poderia causar uma resistência da população. “Ao invés de serem usados os atores da comunidade que já têm projeto no bairro e já trabalham aqui, só colocam pessoas que têm cargo comissionado ou que trabalham para algum vereador, para poder fazer voto para as próximas eleições. Assim, os projetos não avançam”, lamenta Reginaldo, acrescentando: “A gente luta aqui dentro da comunidade e quer que nosso trabalho seja reconhecido, mas isso não acontece. Enquanto isso não for entendido, esse genocídio não irá acabar.”
O presidente da Associação de Moradores da Vila Olavo Costa, José Roberto de Almeida (Carreteiro), afirma que as intervenções públicas não funcionam como deveriam. “Ao longo desse tempo, o Poder Público vem fazendo as coisas sem comunicar com a gente, e o que está acontecendo é um desperdício de dinheiro público.” Segundo ele, o assassinato dos dois irmãos nesta sexta-feira mostra como está a situação da violência no bairro. “Há meninos de 10 e 12 anos andando armados pelas ruas e há locais que temos medo de ir, mesmo tendo sido criado aqui dentro. Esse tipo de cena por aqui é normal. Nada vai mudar, na minha avaliação.”
Conforme a coordenadora do grupo técnico JF+Vida, Cláudia Stumpf, o diagnóstico que já está sendo realizado vem para ouvir a comunidade e suprir essa demanda. “Vamos ouvir a comunidade, com reuniões que serão realizadas até novembro.” Ela ainda destaca que a ideia é que as ações possam ser ampliadas para outros territórios da cidade. “Mas, primeiro, elas exigem uma formação e têm uma complexidade.” A coordenadora ainda pontua que essas medidas não irão acontecer da noite para o dia, uma vez que são de curto, médio e longo prazos.