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Estudantes enfrentam desafios para desenvolver pesquisas

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Pró-reitor adjunto de Pós-Graduação e Pesquisa da UFJF, Luís Paulo Barra, defende que o desenvolvimento da pesquisa é o que dá suporte ao desenvolvimento tecnológico (Foto: Olavo Prazeres)

Os desafios e preconceitos com os quais os pesquisadores brasileiros precisam lidar são apenas parte de uma realidade em que a pesquisa e a dedicação à vida acadêmica não são devidamente valorizadas. Apesar de ser um dos principais recursos para aumentar o desenvolvimento tecnológico e, consequentemente, econômico, no Brasil, a pesquisa ainda é tratada com distanciamento por parte da sociedade, que acredita que as bolsas de financiamento e o pagamento de pesquisadores “só para estudar” são dinheiro público desperdiçado. Além da desvalorização, a falta de incentivo vem de várias formas. Mais recentemente, problemas financeiros no Estado têm atrasado repasses de recursos direcionados à execução de projetos de pesquisa em diversas universidades mineiras, dificultando ainda mais a situação dos bolsistas. Somente em Juiz de Fora, 1.377 projetos de pesquisa são afetados pelos constantes atrasos.

Já há alguns anos, o país demonstra tendências de crescimento no número de pessoas com ensino superior completo. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2000 para 2010, a parcela de brasileiros com diploma universitário aumentou de 4,4% para 7,9%. Dados do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), ligado ao antigo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, apontaram crescimento também no número de brasileiros com títulos de mestrado e doutorado. Segundo estudo de 2015, o número títulos de mestrado concedidos aumentou 379% em quase 20 anos, passando de 10,4 mil em 1996 para 50,2 mil em 2014. No mesmo período, 486,2% foi o percentual de elevação do número de doutorados concedidos: 2,8 mil em 1996 para 16,7 mil em 2014.

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Os recursos financeiros destinados à Educação, porém, não aumentam na mesma proporção, resultando na ineficiência de projetos que poderiam colaborar para a inovação e o desenvolvimento tecnológico do país. Além de os valores pagos serem insuficientes para arcar com todas as despesas, problemas como falta de equipamentos e de estrutura são comuns. Em outros casos, pesquisadores precisam se desdobrar entre seus objetos de pesquisa e outros trabalhos para ter fontes de renda, situação muito longe da idealizada “dedicação exclusiva” solicitada por muitas universidades e instituições de fomento. Sem dinheiro, os profissionais acabam tendo que gerar resultados mesmo com a política de arrocho, enquanto “as pressões aumentam e o estímulo parece estar diminuindo”.

O diagnóstico é do pró-reitor adjunto de Pós-Graduação e Pesquisa da UFJF, Luís Paulo Barra. De acordo com ele, a inovação é a principal forma de levar o país a um patamar de maior desenvolvimento autônomo, com domínio de tecnologias próprias. “As universidades se baseiam em três atividades básicas: ensino, por meio da formação de recursos humanos; pesquisa, com o desenvolvimento do conhecimento; e extensão, segmento por meio do qual os resultados do ensino e da pesquisa são repassados para a sociedade, e que trata de uma parte mais aplicada ao processo produtivo dos desenvolvimentos realizados na universidade. Essa parte está cada vez mais baseada em tecnologia e inovação”, explica.

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Desvalorização

Apesar disso, a população ainda não compreende a relevância da pesquisa para o desenvolvimento do país. Com cada vez mais entraves, os pesquisadores acabam à mercê da boa vontade política, enquanto o desenvolvimento tecnológico caminha a passos curtos no Brasil. A coordenadora da Associação de Pós-Graduandos da UFJF (APG UFJF) e doutoranda em Ciências Sociais, Astrid Sarmento Cosac, vivencia esses desafios. “Um dos compromissos da universidade é produzir conhecimento e fazer com que ele alcance a comunidade, e são os alunos e seus orientadores que desenvolvem os projetos de pesquisa. As bolsas que recebemos são uma espécie de incentivo para a pesquisa, para que continuemos fazendo isso. Infelizmente, todo mundo acha que vida de estudante é só boteco, cerveja e passeio. Isso vem de um problema estrutural, porque o Brasil costuma dar pouca importância à educação. Pessoalmente, já me perguntaram várias vezes se eu só estudo, se eu ganho só para estudar, e esse pensamento vem disso. Era para as pessoas acharem bom que alguns ganhassem para estudar e contribuir com o país, mas isso não acontece”, lamenta.

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Mas afinal, o que é pesquisa?

Em que aspectos da vida cotidiana a pesquisa se insere? A resposta é: em todos. Desde o aparelho celular, que absorve inúmeras funções na vida de praticamente todas as pessoas, até o medicamento usado de vez em quando para aplacar uma dor de cabeça, passando pelo calçado mais confortável para se trabalhar até o tratamento da água usada para escovar os dentes e cozinhar, a pesquisa e a tecnologia estão em todos os segmentos da vida contemporânea. É o que explica o pró-reitor adjunto de Pós-graduação e Pesquisa da UFJF. “No nosso dia a dia, estamos a toda hora utilizando recursos tecnológicos para diversas atividades. Crianças usam o tablet para brincar, e nós usamos o smartphone para fazer quase tudo. Até para chamar um táxi ou um motorista da Uber, usamos a tecnologia. Tudo isso está baseado em uma cadeia de desenvolvimento que vai desde o chip e a montagem do dispositivo até a construção do software e de todas as aplicações decorrentes daquilo. A importância da pesquisa está evidente nesse dispositivo que está na mão de todo mundo e que é utilizado para diversas aplicações”, afirma Luís Paulo Barra.

Para ele, esse é apenas um dos muitos exemplos sobre como a tecnologia e a inovação estão inseridas na nossa realidade. O tema vai além das questões econômicas e práticas. “Na área da saúde, o desenvolvimento de fármacos é essencial. Recentemente, uma brasileira foi eleita uma das pessoas mais influentes do mundo por estar desenvolvendo uma pesquisa relacionada ao Zika Vírus. E aí nos perguntamos: quem vai pesquisar sobre isso se não forem os pesquisadores brasileiros? As doenças negligenciadas têm importância para nós, mas não para outros países. Não é um agente externo que vai resolver nosso problema, até porque, para eles, a relevância econômica disso pode ser pequena, mas a relevância social é enorme para nós.”

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Por isso, conforme o pró-reitor adjunto, é preciso apoio de todos os segmentos para que os pesquisadores sejam valorizados e obtenham resultados importantes para o país e os brasileiros. “Durante muito tempo, a universidade brasileira focou na formação dos recursos humanos, para expandir até mesmo as próprias universidades, mas estamos chegando em uma etapa em que temos que fazer mais que isso. Precisamos de uma formação de recursos humanos capacitados para alavancar o desenvolvimento tecnológico, pois precisamos avançar nessa área. Na UFJF, temos cerca de 45 programas de pós-graduação, quase o triplo do total que tínhamos em 2005. Temos o Centro Regional de Inovação e Transferência de Tecnologia (Critt), que trabalha com a incubação de empresas de base tecnológica. Estamos fazendo um esforço para nos recuperarmos nesse sentido, mas é importante o apoio da sociedade, pois as universidades estão sendo ameaçadas e é preciso lutar pela sua manutenção.”

O primeiro passo seria a desmistificação da ideia de que uma universidade gratuita é errada e a incorporação do entendimento de que os profissionais ali formados contribuem diretamente para o desenvolvimento da sociedade. “O retorno que a universidade dá para a sociedade é imensurável. É na universidade onde ocorrem os debates, onde as ideias são colocadas de maneira mais prática. É o espaço para a discussão das ideias, para se ter ideias contraditórias, para avanço, questionamento.” Somado a isso, Barra defende que, se o objetivo for garantir que o país possa avançar de maneira mais autônoma, apostar na área tecnológica se faz cada vez mais necessário. “É difícil imaginar que nosso país consiga subsistir de maneira autônoma sem nenhum domínio das tecnologias envolvidas nesse processo. Nossa posição de exportadores de matéria-prima e commodities, por exemplo, foi obtida através de um acréscimo de produtividade por conta do aumento de tecnologia no agronegócio. É muito importante o desenvolvimento da pesquisa, que vai dar suporte ao desenvolvimento tecnológico.”

Mais de 1.300 pesquisas prejudicadas no município

Membros de Associações de Pós-Graduandos reuniram-se com a Fapemig em busca de soluções para todos os problemas enfrentados (Foto: Divulgação APG UFJF)

Os constantes atrasos no repasse de verbas do Governo Estadual à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) têm prejudicado o andamento de pesquisas de pós-graduação e iniciação científica em Juiz de Fora. Os problemas afetam diretamente os 320 bolsistas da Fapemig em Juiz de Fora. Destes, 288 estão na UFJF, sendo 118 bolsistas de mestrado e doutorado. Outros 170 alunos da UFJF têm bolsas de iniciação científica e iniciação científica júnior, além de 30 que estão na Embrapa Gado de Leite e são bolsistas das mesmas modalidades. No total, 1.377 projetos de pesquisa estavam em desenvolvimento na cidade em dezembro de 2017, chegando a 3.497 projetos em execução em Minas.

Os recursos são repassados pela Secretaria de Estado de Fazenda (SEF), e a Fapemig é responsável por repassar às fundações parceiras das universidades. Em seguida, o dinheiro é depositado nas contas dos bolsistas. Com os atrasos e a burocracia, principalmente com o agravamento da crise econômica no Estado, a problemática torna-se complexa e de difícil resolução. Segundo a pesquisadora Nicole Oliveira, mestranda do programa de Pós-graduação da Faculdade de Serviço Social, o problema é antigo e teve início ainda em 2016.

“Em outubro do ano passado, tivemos um atraso muito longo, de quase duas semanas, que se repetiu em dezembro de 2017. Estávamos tendo atrasos recorrentes, de até três dias, no máximo. Mas em dezembro a situação foi mais complicada, porque o Estado não repassou o pagamento até o quinto dia útil.” A bolsa referente ao mês de dezembro foi paga por volta do dia 22 de janeiro, o que alarmou os bolsistas. “A situação é preocupante não só do ponto de vista de pagar contas, como aluguel, luz, mas também para custear as pesquisas, porque temos uma produção a cumprir. Estar na situação de bolsista impede outra atividade remunerada, e, embora saibamos que a bolsa não é salário, temos que considerar esse valor como a renda que temos”, conta.

Os bolsistas deveriam receber os recursos até o quinto dia útil do mês seguinte. Mas, com o atraso, a bolsa referente ao mês de janeiro e que deveria ter sido paga até o quinto dia útil de fevereiro, foi depositada apenas no dia 1º de março. No mesmo mês, o Governo efetuou o pagamento da bolsa referente a fevereiro, mas, neste mês, o pagamento referente a março já está atrasado novamente. Cansados da situação e de não receber explicações ou prazos detalhados sobre os pagamentos, os bolsistas da Fapemig se mobilizaram e escreveram um manifesto em dezembro, em que pedem soluções urgentes para o problema.

A ideia, conforme Nicole, era de que o grupo mantivesse uma mobilização permanente, para evitar que situações como essa se repetissem. “A proposta é que seja um grupo de mobilização permanente, porque a nossa preocupação é criar uma ponte para ter suporte para casos como esse, pois sentimos que não temos como desenvolver nosso trabalho sem o fomento à pesquisa. Era nesse sentido imediato e também para dar continuidade ao incentivo à pesquisa.”

Isso porque os pesquisadores saem prejudicados e acabam lançando mão de alternativas para conseguirem continuar as pesquisas, já que, muitos deles, precisam do dinheiro das bolsas para arcar com despesas primárias, como alimentação. Os pesquisadores saem prejudicados e acabam lançando mão de alternativas para conseguirem continuar as pesquisas, já que, muitos deles, precisam do dinheiro das bolsas para arcar com despesas primárias, como alimentação. “Alguns pesquisadores têm que procurado bicos e estão trabalhando em bares e em lojas do comércio, porque não conseguem se dedicar exclusivamente. O objetivo deveria ser esse. Mas se a bolsa não é paga, como a gente faz? Passa fome? Sabemos que estamos passando por uma crise nacional, na qual o Governo estadual também está sofrendo as consequências, mas algo tem que ser feito”, exige a coordenadora da APG UFJF, Astrid Sarmento Cosac.

Foi com o objetivo de solucionar a questão que representantes das associações de pós-graduandos de seis universidades mineiras, inclusive a APG UFJF, se reuniram em março com o presidente da Fapemig, Evaldo Vilela, para criar um grupo permanente de trabalho entre Fapemig, Assembleia Legislativa de Minas Gerais e o Governo de Minas. A intenção é encontrar soluções para o financiamento da ciência em Minas e a criação de ambientes em comum entre academia e indústria para o favorecimento da inovação.

Fapemig: atraso se deve à situação econômica

Procurada pela Tribuna para se manifestar sobre os atrasos, a Fapemig informou, por meio de nota, que mantém contato permanente com a Secretaria de Estado de Fazenda (SEF) para regularizar os pagamentos o mais rápido possível, evitando prejuízos para os bolsistas, e destacou que “a formação de mão de obra capacitada para a pesquisa por meio da concessão de bolsas de estudo é uma dos pilares da Fapemig. As bolsas auxiliam os pesquisadores a se dedicar à pesquisa, contribuindo para que as áreas do conhecimento se desenvolvam e alcancem excelência.”
O chefe de gabinete da fundação, Ricardo Guimarães, conversou com a reportagem e informou que os recursos das bolsas de março já estão sendo liberados pela SEF e que o repasse para os bolsistas deve ocorrer na próxima semana. “O atraso ocorre em virtude da situação econômica do país e, em Minas Gerais, não é diferente. A crise financeira vem diminuindo, mas ainda está presente no nosso dia a dia. Como nosso recurso é oriundo do tesouro estadual, quando há problema de caixa no Governo, afeta diretamente a Fapemig. Mas o governo vem se empenhando e se mostrando solidário, mantendo o entendimento de que a bolsa é essencial e é prioridade. A ciência, a tecnologia e a inovação são importantes para o desenvolvimento da nação e estamos nos empenhando nesse propósito para proporcionar melhorias na qualidade de vida dos brasileiros.”

A Secretaria de Estado de Fazenda confirmou que já efetuou a liberação financeira do recurso para pagamento das bolsas do mês de março e que as datas dos pagamentos das mesmas serão informadas após o processamento bancário. Por meio de nota, a pasta ressaltou que “é de conhecimento público que o Estado de Minas, assim como outras unidades da Federação e a própria União, passam por severa crise fiscal, o que, inclusive, motivou a decretação de calamidade financeira em Minas” e reafirmou o empenho para regularizar a situação das bolsas o mais brevemente possível.

A UFJF também se posicionou por meio de nota e disse lamentar a situação que a Fapemig tem passado e ainda salientou que “a fundação sempre honrou com seus compromissos junto à instituição e seus pesquisadores.” Segundo a nota, no último dia 6, o diretor de Ciência, Tecnologia e Inovação da Fapemig, Paulo Beirão, esteve na UFJF e informou que “a fundação não tem problemas orçamentários – que estão assegurados -, mas financeiros, pois não está havendo repasses à agência por conta da crise pela qual passa o Estado de Minas Gerais.” Ainda segundo nota da universidade, a expectativa do diretor é que o cenário seja mais favorável a partir de junho.

Quando procurada pela reportagem, em fevereiro, a UFJF informou que a Fundação de Apoio e Desenvolvimento ao Ensino, Pesquisa e Extensão (Fadepe) é responsável apenas por repassar as bolsas aos bolsistas, como gestora financeira dos recursos, e realiza os pagamentos mediante recebimento prévio.

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