A Justiça determinou o afastamento das atividades públicas exercidas pela instrumentadora, suspeita de fazer cobranças indevidas para que pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) conseguissem ter suas cirurgias agilizadas em Juiz de Fora, e também do médico cirurgião com quem ela trabalhava há 21 anos. As informações foram divulgadas nesta segunda-feira (15) pela Polícia Civil, que cumpriu mandado de busca e apreensão, na mesma data, na casa da instrumentadora. De acordo com a delegada responsável pela investigação, Ione Barbosa, os policiais estiveram na residência dela, na região central da cidade, onde apreenderam três celulares, um notebook, agendas, guias de internação e recibos, entre outros materiais que vão auxiliar nos trabalhos de apuração.
Ainda conforme a delegada, o inquérito que apura o caso havia sido encaminhado à Justiça, que solicitou o cumprimento de várias medidas, incluindo a paralisação das funções públicas de ambos os investigados. “Foi decretada a imediata suspensão das atividades profissionais (exercidas) direta ou indiretamente junto ao Poder Público”, explicou Ione, acrescentando que vai oficiar o Conselho Regional de Medicina (CRM) e os demais órgãos competentes sobre a decisão. “Eles não vão poder mais prestar serviço para o SUS”, resumiu Ione. Segundo ela, a Justiça também decretou a proibição de a suspeita e o médico manterem contato, por qualquer meio, com as possíveis vítimas e seus familiares.
O caso começou a ser apurado pela polícia quando familiares de um adolescente de 17 anos, morador de Guarani, a cerca de 70 quilômetros de Juiz de Fora, desconfiaram da atitude da mulher, que teria se passado por instrumentadora da Santa Casa de Misericórdia. Ela teria cobrado alguma quantia, acordada em R$ 4 mil, em troca de acelerar uma cirurgia no jovem, que estaria com uma bala alojada na coluna desde 11 de dezembro. Pelo menos mais quatro pessoas também teriam sido vítimas do suposto esquema.
Os procedimentos teriam sido oferecidos pela investigada na Santa Casa. O hospital, por sua vez, afirmou, desde o início da apuração, que a suspeita não é funcionária da instituição. Ela apenas prestaria serviço para o médico cirurgião e teve suas atividades suspensas, assim como o acesso ao hospital vetado, desde que o caso veio à tona. A Santa Casa também informou que abriu investigação, paralelamente, e que repudia todo e qualquer ato de improbidade, principalmente, envolvendo os pacientes do SUS.
Na época em que a possível fraude estava para ser descoberta, a família do rapaz de 17 anos, já desconfiada, recorreu a uma advogada, que conversou com a suposta instrumentadora assistente do cirurgião que atuava dentro da Santa Casa. Ela se passou por parente do jovem interessada na negociação e gravou a conversa. “Ela tentou nos convencer de que precisaríamos pagar pela cirurgia para agilizar o processo, porque pelo SUS é mais demorado. Mas pedia para nunca comentar que tinha dinheiro nessa história, para falarmos em ‘facilitação’. Também orientou que quando o rapaz fosse internado não falasse sobre isso dentro do hospital com ninguém”, contou a advogada na ocasião.
Médico nega envolvimento em esquema
Apesar de a instrumentador ter sido intimada a prestar declarações à Polícia Civil desde o início das investigações, ela não havia comparecido até esta segunda (15), de acordo com a delegada Ione Barbosa. Um advogado chegou a apresentar um atestado médico dela de 30 dias. O médico cirurgião, por sua vez, foi ouvido no decorrer do inquérito e, segundo a delegada, negou qualquer prática de cobrança indevida por cirurgias do SUS, seja por parte dele ou da instrumentadora.
Já as investigações revelaram, conforme Ione, que a suspeita costumava cobrar de R$ 300 a R$ 500 de pacientes para poder atuar em cirurgias públicas, que não deveriam ter qualquer custo. “Algumas dessas vítimas chegaram a pagar pelo serviço dela, tem até recibo.” Ainda não ficou esclarecido se havia algum envolvimento do médico nas cobranças. “Ela trabalha com ele há 21 anos e tem vínculo empregatício na empresa particular dele”, pontuou Ione. “Ele disse que é ela quem cuida de toda a parte administrativa, mas afirmou que não recebem nenhuma outra forma de pagamento pelos trabalhos do SUS.”
Conforme Ione, tanto a instrumentadora quanto o médico poderão responder pelo crime de concussão, previsto no artigo 316 do Código Penal. A norma prevê reclusão de dois a 12 anos e multa para quem “exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida”. A polícia também averigua possível delito de falsidade ideológica.
“O prejuízo é incalculável às vítimas e ao sistema de saúde, ainda mais neste momento de pandemia, quando os recursos estão mais escassos”, conclui a delegada, considerando graves as supostas condutas. De acordo com ela, as investigações continuam, e outras pessoas poderão ser ouvidas, incluindo possíveis novas vítimas, com base nas apreensões desta segunda. “Vamos fazer a análise e a perícia de todos os materiais apreendidos, para angariar mais provas que corroborem com nosso entendimento.”