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Juiz-forano recebe alta após uso de medicamento experimental para febre amarela

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Os testes laboratoriais com Sofosbuvir foram realizados por pesquisador, do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz

O alto índice de letalidade da febre amarela tem levado médicos e pesquisadores brasileiros a buscarem alternativas para uma doença até o momento sem intervenções capazes de reduzi-lo. Mas a história de um paciente de Juiz de Fora contaminado pelo vírus e tratado experimentalmente na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) com um medicamento usado em casos de hepatite C pode significar uma luz no fim do túnel. Depois de passar por dois hospitais da cidade com sintomas de febre amarela e alterações significativas nas taxas que medem a inflamação do fígado, o empresário da construção civil Wander Rocha Côrtes, 43 anos, foi levado às pressas para o Rio de Janeiro, no dia 9 de fevereiro, onde recebeu, na fundação, o primeiro dos cinco comprimidos de Sofosbuvir, um medicamento que tem se mostrado eficaz contra o vírus em testes laboratoriais feito em células e camundongos. Com o avanço da doença na região Sudeste, o uso em humanos vem sendo realizado não só em Minas Gerais, mas Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo. O caso do juiz-forano Wander, que respondeu muito bem ao uso dos comprimidos e já teve alta, levanta várias questões em relação à utilização farmacológica da droga e a necessidade da agilidade no processo de estudos clínicos e aprovação para uso.

Wander, que não tinha sido vacinado, começou a ter febre e sentir dores no corpo dia 6 de fevereiro, depois de viajar para sua fazenda em Matias Barbosa e ainda passar por Lima Duarte. Segundo a esposa dele, a administradora Andrea Côrtes, 46 anos, na mesma noite, ele deu entrada na Santa Casa, onde passou por uma consulta. Como a dor atingia o braço, o empresário achou que poderia estar sofrendo um infarto, o que foi descartado na unidade hospitalar. Em função dos sintomas, o plantonista solicitou ainda a realização de exames de sangue cujos resultados não apontaram nenhum tipo de alteração. Naquela noite, no entanto, o paciente continuou com febre alta e, mesmo sentido-se mal, foi trabalhar no dia seguinte. Mas com a persistência das dores no corpo, ele voltou para casa, onde um amigo ligado a um laboratório fez nova coleta de sangue. Com resultado negativo para leptospirose e dengue, a família de Wander se preocupou, principalmente porque as taxas do fígado começaram a subir. Foi uma médica conhecida da família quem orientou Andrea a procurar novamente ajuda hospitalar. Ela, então, recorreu ao Albert Sabin, onde o empresário passou por novos exames de sangue a pedido do infectologista Guilherme Côrtes, médico que o casal não conhecia. Com a elevação das taxas a cada hora, Wander foi internado e passou a receber soro venoso.

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Na noite de quinta-feira, sem nenhum tipo de melhora e com agravamento do quadro clínico, o infectologista falou pela primeira vez na possibilidade de adotar o tratamento experimental com Sofosbuvir. Andrea tentou comprar o medicamento com a distribuidora da farmacêutica Gilead e, mesmo disposta a arcar com o altíssimo custo – R$ 74 mil uma cartela com 28 drágeas -, o remédio não chegaria a tempo na cidade. Começava aí uma busca por hospitais do país que tivessem vaga e também o medicamento disponível. Quando a Fiocruz acenou positivamente para o caso, a administradora não teve dúvidas: colocou o marido no carro em direção ao Rio. De longe, o infectologista Guilherme Côrtes monitorava a viagem. “Quando se tem uma doença com 60% de letalidade, cada minuto perdido significa uma hora. Eu não tinha opção. Precisava tentar esse tratamento”, comenta Andrea que ainda está no Rio de Janeiro acompanhando o marido.

Ela contou que, ao chegar na Fiocruz, no dia 9 de fevereiro, Wander passou por novos exames e iniciou o tratamento experimental tomando o primeiro de cinco comprimidos de Sofosbuvir, oferecido sem custos ao paciente. Na mesma noite, as alterações nas taxas do fígado apresentaram pequeno aumento. No sábado, já houve registro de redução e, no domingo, nova queda confirmava que o empresário estava fora de risco. Na segunda-feira de carnaval, Wander recebeu alta e ainda tomou outras duas drágeas do remédio para hepatite C. Neste momento, ele está sendo monitorado pela equipe da Fiocruz. Embora o fígado ainda requeira cuidados, ele passa bem e aguarda o acompanhamento na casa de parentes ao lado da esposa e dos três filhos do casal. “Vivemos um grande pesadelo, principalmente diante de uma doença cuja evolução é muito rápida. Depois de tudo que passamos, quis fazer uma mobilização para alertar as pessoas sobre a necessidade da vacinação e também sobre a importância de o Brasil investir em pesquisas para o desenvolvimento de medicações capazes de conter a evolução da doença. Mesmo diante de tantos casos, as pessoas ainda não se deram conta da seriedade do problema”, alerta Andrea.

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CRM não vê problema ético em tratamento

O infectologista Guilherme Côrtes é cauteloso ao falar sobre o caso de Wander, mas concorda com a necessidade de se discutir alternativas para situações que envolvem a saúde pública. “O que ocorreu com o Wander pode ter sido coincidência apenas. Metodologicamente, o caso dele não comprova a eficácia do medicamento. No entanto, resolvi indicar o tratamento por ser uma doença de elevada letalidade e porque o paciente estava evoluindo com gravidade. A única chance de interromper a ação do vírus no corpo seria o uso desse medicamento, cujo perfil de segurança é conhecido em estudos clínicos contra a hepatite C. São questões paralelas: a questão da intervenção como pesquisa e a questão da intervenção indivíduo. Há a agonia do paciente e também a do seu médico em relação ao tratamento e a ética”, pondera.

O delegado regional do Conselho Regional de Medicina (CRM), José Nalon, afirmou não enxergar nenhum constrangimento ético na utilização de uma medicação experimental no quadro atual de febre amarela no Brasil. “Considerando os princípios da bioética, a não maleficência, a beneficência, o conceito da justiça, não existindo outra alternativa no mercado – esse é um produto que já mostrou eficácia no tratamento da hepatite C -, e, como se trata de um vírus à semelhança, pode também ser eficaz nessa situação. De maneira que, não havendo outro recurso, nós entendemos que, do ponto de vista ético, não há nenhum tipo de infração ao se lançar mão desse produto como um recurso capaz de ajudar as pessoas que estão em uma situação que traz uma mortalidade de 40% a 60%. A utilização desse produto (o Sofosbuvir), no nosso entendimento, não é nenhum constrangimento ético”, considera.

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A Fiocruz foi procurada pela Tribuna e disse que, nesta sexta-feira, vai se manifestar oficialmente sobre o caso com pronunciamento dos envolvidos na área de pesquisa. Os testes laboratoriais foram realizados pela equipe do pesquisador Thiago Moreno, do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde da Fiocruz. Apesar de os resultados ainda não terem sido publicados, o uso do medicamento indicado para o tratamento da hepatite C vem sendo adotado diante da ausência de alternativa terapêutica e avaliação da relação risco benefício do medicamento.

Conforme dados do boletim epidemiológico da Secretaria de Estado de Saúde (SES), já chega a 18 o número de mortes por febre amarela somente em municípios da região de Juiz de Fora. No total, 13 cidades já registraram, pelo menos, um óbito em decorrência da doença. Até agora, conforme a secretaria, são 25 casos confirmados em municípios da regional, apenas sete em pacientes hospitalizados ou curados. Em todo o estado, o número de confirmações da doença subiu de 164 para 183 desde semana passada, sendo 76 óbitos.

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