Desde o processo licitatório realizado em 2016, ainda na gestão do ex-prefeito Bruno Siqueira, o transporte coletivo urbano de Juiz de Fora é regido pelo signo da polêmica. Da troca de cores dos carros, que, inicialmente, trouxe confusão para os juiz-foranos, até a rescisão do contrato com uma das concessionárias no ano passado, o sistema passou por muitas reviravoltas. A mais recente, que tem provocado controvérsias entre os usuários e também entre motoristas e cobradores, é a circulação de 20 ônibus sem a figura do cobrador, ficando o controle do pagamento da tarifa e da direção do carro sob a responsabilidade do motorista.
Nos últimos dias, a Tribuna recebeu reclamações tanto dos profissionais que operam no sistema como também de usuários. No caso de motoristas, os principais relatos são no sentido de sobrecarga e pressão trazidos pelo acúmulo de função. Já os cobradores lidam diariamente com o medo de perder seus empregos, caso a medida tomada pelo Consórcio Via JF, de adotar ônibus sem a presença de um segundo profissional para auxiliar os motoristas, seja ampliada para mais veículos. Por fim, os usuários do sistema reclamam de atrasos no embarque, principalmente nos pontos com maior fluxo de pessoas.
Diante dos questionamentos, a reportagem procurou três dos atores envolvidos na questão: Sindicato dos Trabalhadores em Transporte e Trânsito (Sinttro), entidade que representa os motoristas e cobradores que atuam no sistema de transporte coletivo urbano de Juiz de Fora; o consórcio Via JF, que hoje é responsável pela operação integral deste mesmo sistema; e também a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), que é o poder concedente. Em nota, a PJF afirmou que “reitera o seu compromisso de que sejam mantidos os postos de trabalho no transporte coletivo de Juiz de Fora”. O Município também afirma “que não tomou conhecimento oficialmente das mudanças relatadas”.
Sindicato cobra PJF e diz que pode ‘haver paralisações’
O Sinttro se diz contrário à circulação de ônibus sem a presença do cobrador e, em esforço para barrar a situação, não descarta a judicialização da questão e até mesmo mobilizações de rua e greves. O sindicato busca pressionar a Prefeitura para garantir a manutenção dos postos de trabalho, sob o entendimento de que isto seria previsto na licitação. Cerca de cem trabalhadores já teriam sido demitidos, segundo a entidade. A categoria ainda relata ter sido surpreendida e que não existe qualquer acordo com o consórcio para a supressão da função dos cobradores nos ônibus convencionais.
“Há cerca de três meses, começaram a rodar micro-ônibus. Tentamos fazer intervenções com esses micro-ônibus várias vezes, mas não conseguimos parar a circulação, e, agora, a situação está indo para os ônibus convencionais. A categoria está apreensiva. Já ocorreram desligamentos e não houve contratações no mesmo número. O cobrador está com medo de ser mandado embora, de perder o trabalho”, afirmou o presidente do Sinttro, Vagner Evangelista Corrêa, lembrando a ampliação do número de micro-ônibus circulando no sistema a partir do último quadrimestre de 2022.
Para o Sinttro, a situação acarreta em dupla função para os motoristas. “Já conversamos com a empresa, colocando que defendemos que os ônibus devem ter motorista e cobrador, como prevê a licitação. Nós também estamos cobrando o Município para que sejam tomadas as devidas providências. Estamos aguardando um posicionamento da Prefeitura, chamando para uma reunião na mesa de diálogo. Caso isso não aconteça, o sindicato vai entrar com as ações cabíveis nos órgãos competentes, para poder reverter a situação, e, caso necessário, a gente não descarta paralisações e manifestações”, pontua Vagner.
Via JF diz que transição é ‘inevitável’ e que fará qualificação de cobradores
Em nota encaminhada à reportagem neste domingo (15), o Consórcio Via JF afirmou que “não houve nenhum desligamento em virtude da entrada dos ônibus sem a função do cobrador”. “Os desligamentos que ocorreram foram devidos ao término do contrato de experiência de uma parcela mínima das mais de mil contratações que foram feitas pelo consórcio desde setembro”. Segundo a concessionária, também foram contratados novos colaboradores para a função de cobrador. Assim o consórcio assume o compromisso de que a entrada de ônibus sem cobradores no sistema de transporte se dará apenas com “a qualificação e a promoção dos cobradores que estão atualmente na empresa”.
Ainda de acordo com o Via JF, recentemente, “foram promovidos mais de 40 colaboradores para a função de motorista”. “Além disso, o consórcio criou uma forma de financiar a CNH para o cobrador que se interessar”, diz a nota. Para o Via JF, a transição é ‘irreversível e inevitável’. A concessionária diz que, com a qualificação dos cobradores, o objetivo é causar o menor impacto possível no sistema.
“O Consórcio elabora estudos frequentes que indicam linhas de baixa demanda e com baixíssimo pagamento em espécie em algumas linhas. Vinte ônibus já rodam nessas linhas sem o cobrador embarcado. Segundo dados do GPS nenhuma viagem foi impactada após a implantação deste modelo. O Consórcio investiu fortemente na modernização do sistema de bilhetagem eletrônica para trazer mais comodidade e facilidade para os usuários. A maioria dos serviços será disponibilizada através de aplicativo de celular como recarga de cartões, pagamento por QR code, segunda via de cartões, cadastros e várias outras novidades que serão implantadas ainda no primeiro semestre de 2023”, finaliza a nota.
Motoristas relatam sobrecarga em ônibus sem cobrador
A Tribuna ouviu dois motoristas que dirigem veículos que estão circulando sem a presença do cobrador. Ambos pediram para ter suas identidades preservadas, mas reafirmaram relatos de sobrecarga e de pressão, e também o medo de demissão enfrentado pelos colegas. “Pai de família paga aluguel, paga pensão… É complicada a situação”, contou um deles, a respeito de profissionais que receiam perder o emprego.
Sobre a sobrecarga relatada pelos motoristas, ele reforça que o “cobrador realmente faz muita falta”. “O ônibus é grande. Então, a gente tem dificuldade até de olhar a porta. Se você prender um passageiro na porta, a responsabilidade é sua.” Assim, o motorista considera que o acúmulo de função pode, inclusive, aumentar os riscos de acidente. Ele ainda relata que os motoristas se sentem mais vulneráveis a assaltos e que já ocorreram situações em que tiveram que completar, com dinheiro do próprio bolso, o fechamento do caixa. “Estou sobrecarregado”, conta, pontuando que, pela função extra, a empresa sinaliza o acréscimo de R$ 200 no tíquete-alimentação.
Já o outro profissional da categoria ouvido pela reportagem alegou que, ao menos na linha em que vem trabalhando regulamente, a média é que cinco pagamentos sejam realizados em dinheiro diretamente ao motorista a cada dez passageiros que entram no coletivo, com o restante dos embarques sendo realizados diretamente nos validadores pelos cartões de vale-transporte.
Atrasos no embarque
Ambos os condutores corroboraram reclamações de usuários de que a circulação de ônibus sem a figura do cobrador tem provocado atrasos no embarque e, consequentemente, em todo o sistema. Usuário da linha Santa Cândida (422), em que houve corte de cobradores, o vigilante Alisson Henrique, 26, relatou que o processo de embarque nesses itinerários tem se tornado cada vez mais demorado. “Quando não temos o cobrador, o processo do embarque de todos demora bastante, tendo em vista que o motorista não pode arrancar enquanto não receber o dinheiro de cada um”, considera. Além disso, o passageiro também indica que a medida gera insegurança até mesmo para os usuários, que passam a contar unicamente com o motorista em situações adversas.