A violência urbana é um problema social que acarreta altos custos para a sociedade, principalmente no setor de saúde pública, que tem a responsabilidade de atender a demanda inicial e proporcionar o retorno da vítima ao convívio social. Em Juiz de Fora, o Hospital de Pronto Socorro (HPS), porta de entrada para o Serviço de Urgência e Emergência, sente o impacto causado pelo aumento da violência intencional, relacionada a crimes de homicídios tentados e consumados, e daquela ocasionada, muitas vezes, pela imprudência no trânsito.
Os números de vítimas de arma de fogo que deram entrada na unidade cresceram 17% na comparação dos anos de 2015 e 2016. Conforme a Secretaria de Saúde, foram 264 atendimentos de baleados entre janeiro e dezembro do ano passado contra 226 no ano anterior. Os dados referentes a atendimentos relativos a ocorrências de trânsito, apesar de assinalarem queda entre 2015 e 2016, impressionam, já que, só este ano, o HPS já atendeu 786 casos de pessoas acidentadas e 213 de atropelados
Para dar conta das vítimas, o Serviço de Urgência e Emergência demanda o envolvimento de uma equipe multidisciplinar com médico, cirurgião, ortopedista, fisioterapeuta, enfermeiros, técnicos em enfermagem, exames complementares, tomografia, ultrassom e diária de UTI, que representam altos custos para os cofres públicos. A permanência de um paciente grave em decorrência de violência por muito tempo no hospital é outro agravante que impacta a disponibilidade de leitos. Para especialistas, o Poder Público precisa investir em capacitação e aumento de equipes, a fim de reduzir as estatísticas de mortes violentas, mas também implementar ações de prevenção.
Para se ter uma ideia, R$ 25.220,11 foi o valor pago à assistência prestada a uma vítima de tiro na região torácica. Sem revelar a identidade do paciente, a Secretaria de Saúde explica que, num caso como esse, o baleado permaneceu internado por cerca de três meses, sendo submetido a procedimentos cirúrgicos, realização de exames laboratoriais e de imagem, transfusão, assistência fisioterápica e nutricional, entre outros cuidados ao qual foi submetida no CTI, setor onde permaneceu por maior tempo. Outro paciente que esteve por menos de um mês no HPS e apresentava ferimento por arma de fogo na cabeça, com traumaencefálico, atingiu a soma de R$ 13.998,70. Ele também foi submetido a procedimentos cirúrgicos e recebeu cuidados da fisioterapia, fonoaudiologia e nutrição.
Acidentes
Quando o tratamento tem a ver com as questões do trânsito, os valores também são altos. Um paciente que ficou no HPS entre 18 de junho de 2016 e 29 de dezembro do mesmo ano, quando teve o óbito confirmado, teve seu tratamento orçado em R$ 14.556,06. Ele passou pela Sala de Urgência, CTI e enfermaria masculina, permanecendo sob os cuidados da neurocirurgia, em tratamento conservador devido a um traumatismo cranioencefálico, com diagnóstico principal de edema cerebral traumático. Também recebeu assistência fisioterápica e nutricional e foi submetido a exames de imagem e laboratoriais. Outro paciente, vítima de acidente automobilístico envolvendo um caminhão-cegonha, em 12 de maio de 2016, manteve-se sob os cuidados do hospital até 10 de agosto daquele ano, quando foi transferido para outra unidade. Diferentemente do primeiro, este passou por procedimento cirúrgico. Ele apresentava politraumatismo e traumatismo cranioencefálico, e seus custos somaram R$ 28.584,85.
Esses valores representam o custo de atendimento direto ao paciente. Todavia, existem os gastos do entorno, como hora trabalhada da enfermagem, do copeiro, do profissional de limpeza, gastos com energia, entre outros. Todo o investimento envolvido na atividade meio de assistência a esse paciente cabe ao Município, responsável por todo o aparato.
Além dos casos de violência por arma de fogo, o HPS recebe vítimas de ferimento por arma branca e agressão. Nesses casos, houve redução nos atendimentos. No que diz respeito à arma branca, a diminuição foi de 18%, e, nos casos de agressão, de 14%. Atualmente, além de Juiz de Fora, o HPS é referência para outras 36 cidades da região, somando uma população de cerca de 1,5 milhão de pessoas. Os procedimentos são realizados por meio de pactuação, na qual Juiz de Fora recebe repasses para ofertá-los.
Rotina de atendimento alterada
A natureza e a vocação do Hospital de Pronto Socorro são os atendimentos de vítimas de traumas. Contudo, ao longo dos anos, houve um reconhecimento por parte do Ministério da Saúde, da Secretaria de Estado de Saúde, em parceria com o Município, da necessidade de investimento em uma rede de emergência, que trabalha com linhas prioritárias de cuidado. De acordo com a subsecretária de Urgência e Emergência da Secretaria de Saúde, Adriana Fagundes, num primeiro momento, foram criadas linhas de cuidados, como AVC e infarto, mas o aumento da violência urbana fez acender o sinal de alerta sobre a urgência de investimento maior na linha de cuidados com pacientes de traumas, como acidentes e vítimas de disparos de arma de fogo, arma branca e agressões. “Essa linha tem um olhar para o politraumatizado, paciente para o qual o hospital é vocacionado. Então, estamos preparados para esse tipo de assistência, que ora apresenta crescimento, ora redução”, ressalta Adriana, acrescentando que, para a vítima de violência chegar ao HPS, ainda tem o acionamento de uma ambulância, envolvendo o Samu, cujo serviço é mantido pelo Município. “Com a chegada desse paciente, a rotina do hospital é alterada, já que é acionada uma equipe para recebê-lo, que conta com profissionais de sobreaviso, especialidades e tudo de acordo com a necessidade da vítima.”
Gastos vão além do hospital
Quanto mais tempo um paciente permanece internado, mais caro fica para o Município e, consequentemente, implica em impacto na rotatividade de leitos, pois quanto maior o tempo de permanência, menor a capacidade de disponibilidade. Segundo a subsecretária de Urgência e Emergência da Secretaria de Saúde, Adriana Fagundes, essa é uma realidade da qual não há como fugir. “O objetivo de qualquer leito é atender o paciente, e há o giro de leitos, que é a capacidade de haver sempre vagas desocupadas. Para tanto, temos mecanismos para diminuir esse impacto. Temos setores que fazem o monitoramento desses leitos, que verificam o tempo de internação, quais exames estão sendo realizados, para detectar o que pode ser agilizado, a fim de diminuir a permanência. Nessa circunstância, é acionado o Departamento de Internação Domiciliar do Município e, nele, o paciente é avaliado sobre seu estado e pode ser liberado para casa mais cedo, sem prejuízo da assistência e com o suporte necessário”, explica Adriana. Atualmente, no geral, são cerca de 140 pacientes acompanhados em domicílios.
Além desses recursos, o paciente pode ser encaminhado para um hospital de cuidados prolongados destinado aos que não estão em condições de urgência hospitalar, mas ainda não podem ir para casa. “Esse paciente não precisa contar com toda a tecnologia do HPS, assim ele vai para um hospital, abaixo do nível de urgência, no qual é disponibilizado um leito para ele continuar seu tratamento”, pontua. Todos esses procedimentos passaram a ser disponibilizados entre 2012 e 2013, significando avanço nos atendimentos do HPS, que também passou a contar com duas equipes, com enfermeiro e médico, para triagem dentro do Protocolo de Manchester. Conforme Adriana, antes havia só uma equipe e, quando o hospital recebia uma vítima de violência, esses profissionais paravam os outros procedimentos. Agora, com duas equipes, enquanto uma atende o baleado, a outra continua os demais atendimentos.”
A subsecretária também traz à tona outra questão: “O fato de o paciente ir para casa não significa que ele não tenha sequelas . Assim, irá depender do Poder Público, pois geralmente são vítimas jovens, muitas vezes, pais de família, responsáveis pelo sustento da casa. Assim, ele fica dependente do Poder Público para manter sua família, gerando mais custos e, normalmente, são pacientes com sequelas neurológicas que precisam de fisioterapia, acompanhamento psicológico e até novas cirurgias.”
Prejuízo também pela incapacidade das vítimas
Separar os dois tipos de violência, a intencional daquela provocada pelo trânsito, é fundamental para que gestores estabeleçam políticas públicas, pois, em ambos os casos, cabem medidas de prevenção. Para o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Núcleo de Segurança do Centro de Liderança Pública (CLP), Leandro Piquet Carneiro, em poucos países existe quase uma equivalência entre acidentes de trânsito e crimes violentos, como ocorre no Brasil. “O padrão mundial é que o custo de acidentes seja muito maior que o advindo da violência, mas no Brasil o nível de violência é muito alto, o que deixa os gastos maiores, pois abrangem internações, mortes prematuras e uma série de problemas que outros países mais desenvolvidos não têm. Essa separação é importante porque o que é possível fazer em termos de políticas públicas para conter a violência intencional é diferente do que é necessário para conter a violência no trânsito, pois abarcam ações diferentes, instituições e trabalhos que serão realizados de formas diversas. A Polícia Militar irá participar, por exemplo, no esforço de um e de outro, mas são trabalhos com finalidades e estratégias diferentes”, pontua o professor.
Piquet, assim como a subsecretária de Urgência e Emergência da Secretaria de Saúde, Adriana Fagundes, ressalta que não são apenas os custos de internação que impactam o setor de saúde. Ele chama a atenção para o prejuízo causado pela incapacidade, posto que muitas vítimas deixam o hospital e continuam com debilidades graves e não conseguem voltar ao trabalho. “Há um custo direto em internação, vaga, leito, tratamento, mas têm os gastos da Previdência Social, da aposentadoria precoce. Muitas vezes, a pessoa perde sua mobilidade, pois como são atos muitos graves, ela apresenta perda de membros e de órgãos, ficando incapaz para o trabalho.”
Necessidade de investir na prevenção
Investimentos em capacitação e aumento de equipes, para o melhoramento do atendimento, não invalidam as ações de prevenção. As duas medidas são complementares e necessárias. De acordo com Leandro Piquet Carneiro, o sistema de saúde responde bem a esses desafios, às vezes, muito melhor do que outros setores, como o sistema de segurança, que falha na identificação dos problemas. “Da porta para dentro do hospital, a vítima precisa ser acolhida e ter o melhor tratamento possível. Isso ajuda a diminuir o número de mortes violentas, pois muitos vão a óbito em função de complicações. Para fora do hospital, quem tem que agir é a polícia, a guarda municipal, o sistema educacional na prevenção. No caso do trânsito, a alternativa é ter rigidez no quesito bebida e direção. Temos leis e experiências interessantes no Brasil, com cidades que conseguiram reduzir as mortes advindas da mistura entre álcool e volante, como Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, que avançaram bastante nessa questão, mesmo que em ritmo lento. Já a segurança é um caminho mais complexo, pois envolve uma agenda muito ampla, como a questão das armas, das drogas e da gestão do sistema de segurança pública”, conclui Piquet.