A cada dia, a Polícia Militar do Meio Ambiente em Juiz de Fora recebe, em média, 15 chamados relacionados a animais silvestres. As solicitações vão desde a identificação em área urbana de espécies como saguis, micos, serpentes, capivaras e gambás até denúncias de animais protegidos em cativeiro. Estas atividades, no entanto, estão limitadas e correm o risco de se tornarem falhas por causa da burocracia. Desde o início de março, o Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) – gerido pelo Ibama e o Instituto Estadual de Florestas (IEF) -, para onde os bichos apreendidos são levados, catalogados e tratados, limitou o acolhimento a filhotes e animais feridos. O problema ocorre porque encerrou-se o contrato com a empresa terceirizada responsável pela conservação e manutenção do espaço, e o trâmite para a definição de nova firma ainda está em andamento, por meio de um pregão eletrônico. Agora, animais silvestres aparentemente saudáveis, mesmo que em perigo ou que provoquem risco a terceiros, estão jogados à própria sorte. Em via de regra, sem um laudo veterinário que ateste a saúde, e a avaliação de um biólogo sobre as condições para retornar ao habitat natural, ambos serviços do Cetas, a Polícia Militar não pode fazer a devolução dos animais a uma área de mata. A situação coloca em risco atendimentos como os desenvolvidos pelos Bombeiros em fevereiro, quando duas jararacas e uma capivara foram resgatadas dentro de residências da cidade. Ciente da situação, o Ministério Público de Minas Gerais informou que vai instaurar inquérito.
Como um efeito cascata, o impasse burocrático do Ibama também afeta as fiscalizações desenvolvidas pela Polícia Militar do Meio Ambiente. Denúncias de animais em cativeiros estão sendo registradas, mas não atendidas, uma vez que não há para onde levar os bichos. Na sede da companhia, no Bairro Poço Dantas, região Sudeste, algumas espécies, como cobras, são guardadas de forma provisória, mas sem as condições de armazenamento adequadas. O acúmulo de solicitações pode obrigar a corporação a descumprir a regra de responder os chamados em até 90 dias, caso o problema não seja resolvido a tempo.
Segundo o comandante do Pelotão de Meio Ambiente da Polícia Militar, tenente Emerson Cezano, o comunicado à corporação sobre a restrição de recebimento dos animais chegou por meio da Secretaria de Estado do Meio Ambiente. “Informaram que, por problemas técnicos, estavam deixando de receber provisoriamente os animais silvestres.” Conforme o comandante, enquanto o impasse não se resolve, as ocorrências estão sendo atendidas de forma limitada. “Recebemos os mais diversos tipos de chamados pelo telefone 3228-9050, como caça, desmatamento e animal silvestre em perímetro urbano. Normalmente, a gente prioriza o atendimento por data da denúncia e região da cidade, de forma a potencializar os recursos. Agora estamos selecionando pelo tipo também, uma vez que não temos para onde levar os bichos saudáveis. Como temos 90 dias para atender as denúncias, e este problema vai completar um mês, ainda estamos no prazo. Mas se a situação perdurar, teremos problemas de acúmulo.”
Bombeiros
Segundo a tenente Vanessa Leandro Filippo, assessora de comunicação do 4º Batalhão de Bombeiro Militar, a corporação ainda não recebeu a informação de limitação na Cetas. Segundo ela, o procedimento dos Bombeiros, após atendimento deste tipo de ocorrência, pode ser tanto o encaminhamento para o centro, como a entrega para a Polícia Militar do Meio Ambiente. Ainda há casos de o animal ser localizado próximo ao seu habitat, permitindo a devolução imediata à natureza.
Apenas este ano, os bombeiros atenderam a 20 ocorrências envolvendo animais silvestres. “O 193 pode ser acionado quando o animal oferece ou está em risco. O que orientamos sempre é deixar o bicho contido. Se encontrou uma cobra no banheiro, feche a porta e aguarde a chegada da corporação. Isso porque nós temos materiais próprios para fazer a contenção física e dar a destinação correta, sem feri-los ou causar acidentes.” Já com relação a denúncias envolvendo cativeiro, a fiscalização é de responsabilidade da polícia.
Licitação para contratar nova empresa ainda está em andamento
Chefe da unidade técnica do Ibama Juiz de Fora, o analista ambiental Luiz Augusto Candido Benatti confirmou o andamento do trâmite burocrático que limita os serviços. Ele explicou que a empresa terceirizada que fazia a manutenção da área teve o contrato encerrado, e um pregão eletrônico foi feito para a definição de outra firma. No Portal de Compras do Governo federal, a Tribuna localizou o edital da licitação, cuja concorrência estava agendada para o último dia 27 de março. O pregão eletrônico atraiu o interesse de 18 empresas, mas as propostas ainda estão sendo analisadas. “É uma questão administrativa. Não é só tratar os animais, mas também tem que manter as áreas, limpar. O Pinguim (apelido do funcionário terceirizado) está conosco há 16 anos, adquiriu um conhecimento específico, e não há outra pessoa capacitada e treinada para isso. Contamos com estagiários, mas não é suficiente. Esperamos mesmo que isso seja resolvido o mais breve possível.”
Conforme o edital, o salário previsto para o funcionário de manutenção e limpeza é de R$ 1.015,90, tendo com referência o piso da classe para Juiz de Fora. A Tribuna entrou em contato com a assessoria de imprensa da sede do Ibama em Brasília, que informou ser proibida pela legislação vigente a ingerência, ou seja, não pode sugerir a contratação do mesmo funcionário. Não foi dado prazo para que a questão seja resolvida, mas informou que a limitação termina tão logo a contratação da firma terceirizada seja concluída.
Apesar da dificuldade pontual, Benatti faz questão de reforçar o importante trabalho desenvolvido pelo órgão na cidade. Segundo ele, as aves são a grande parte dos bichos recebidos, muitas delas fruto de apreensões. “O tráfico de animais silvestres é a terceira força de dinheiro irregular no mundo, perdendo apenas para a venda de armas e drogas.”
Quando levados para o Ibama, maritacas, tucanos e outras aves passam por avaliação veterinária e biológica para atestar o seu estado de saúde e condição de sobrevivência na natureza. Se estiverem saudáveis, eles são libertados periodicamente em uma área de reserva credenciada. “É um trabalho que fizemos com o IEF, chamado de projeto Asas (área de soltura de animais silvestres). A gente chega a libertar mais de 200 pássaros por vez.” Já as cobras, sendo muitas resgatadas em perímetro urbano, são doadas para o Instituto Vital Brasil, que utiliza do veneno para fabricar medicamentos. Entre as espécies mais comuns estão jararacas e serpentes.
Habitat
Há casos ainda em que os animais permanecem aos cuidados do Ibama por toda a vida. Esta decisão é tomada quando a saúde é debilitada ou o bicho viveu sempre em cativeiro. “Certa vez, uma moça devolveu uma capivara, que ela havia criado desde filhote como um pet. Ela até tomava banho com shampoo. Quando cresceu, a dona viu que era insustentável mantê-la dentro de casa”, disse.
Ainda segundo Benatti, no caso de devolução voluntária de animais silvestres e aves, o Ibama não vai restringir a entrega, que pode ser feita na sede da unidade, entre 8h e 11h e das 14h às 18h. “Acontece muito de a pessoa criar, se arrepender ou descobrir que trata-se de um crime ambiental. Nestes casos, a devolução não acarreta nenhuma ação administrativa”, garantiu.
Os funcionários do IEF, que trabalham na mesma área do Ibama, não são autorizados a dar entrevistas sobre os trabalhos desenvolvidos. A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa do órgão em Belo Horizonte, mas a única pessoa indicada para falar com o jornal está de férias.
Ministério Público vai instaurar inquérito
O promotor de Meio Ambiente de Juiz de Fora, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Alex Fernandes Santiago, disse estar ciente da situação do Cetas, que ele classifica como “lamentável” e “preocupante”. Segundo o promotor, o fato de um contrato ter encerrado antes da conclusão de um novo processo licitatório demonstra falta de planejamento. “É uma notícia triste, pois o Cetas não atende só Juiz de Fora, mas inúmeras cidades do entorno. O MPMG ajuda o centro como pode, inclusive destinando recursos de Termos de Ajustamentos de Conduta (TAC) para melhorar sua infraestrutura, como fizemos com a construção do espaço destinado aos jabutis.” Para dimensionar a importância da unidade, o promotor informou que há 347 casos envolvendo fauna na sua promotoria, sendo 321 ainda em andamento.
Mediante a interrupção parcial dos serviços oferecidos pelo Cetas, o promotor informou que vai instaurar inquérito civil para apurar os fatos. Em outra frente, segundo ele, pode-se tentar a contratação temporária do trabalhador por uma ONG, também usando um TAC. “E o pior é que não é a primeira vez que o Cetas fecha. Em outras oportunidades, por motivos distintos, os serviços já chegaram a ser interrompido por alguns dias.”
Segundo ele, o MPMG também já tentou, em outras ocasiões, dar outro espaço para que o IEF instalasse a sua estrutura, e não ficasse na área compartilhada com o Ibama. Entretanto, o órgão nunca teve interesse nos espaços oferecidos. “Reconhecemos o papel do centro e fazemos de tudo para expandi-lo. Andar para trás é um retrocesso.”