A violência na Zona Rural em Juiz de Fora vem aumentando a cada ano. Dados da Secretaria de Justiça e Segurança de Minas Gerais (Sejusp) mostram que, no ano passado, 112 casos de furtos contra imóveis rurais foram registrados no município. O total é 10% maior do que os números de 2020, que fechou com 101 ocorrências. Já os crimes de roubos contra propriedades rurais foram seis em 2020, contra três em 2021. Este ano, a estatística aponta que foram 18 de furtos e nenhum registro de roubo entre janeiro e fevereiro. Todavia, para quem mora na área rural, os números não representam a realidade. Segundo eles, a dificuldade de deslocamento para acionar a polícia colabora para que muitos crimes deixem de ser registrados.
Com o objetivo de enfrentar a violência rural, representantes do movimento em prol da implantação de uma delegacia rural no município estão cada vez mais mobilizados. Eles preparam para o dia 14 de maio, próximo sábado, a realização de um leilão de gado para arrecadar fundos para o movimento. O evento está agendado para 11h, na Fazenda Santuário, no Distrito de Torreões, e seu objetivo é levantar recursos para divulgar a necessidade de implantação de uma delegacia especializada em atendimento de crimes ocorridos nas áreas rurais da cidade.
Em comunicado enviado à Tribuna, os representantes afirmam que resolveram unir forças para sensibilizar as autoridades competentes. O grupo ressalta que os produtores rurais de Juiz de Fora vêm, há muito, enfrentando a escalada da violência rural. De acordo com Celso Machado de Almeida, produtor rural de Torreões e representante do grupo, Juiz de Fora tem cerca de 2.200 quilômetros de estradas vicinais e vários distritos, condições que justificam a implantação da delegacia.
“A população na Zona Rural aumentou muito durante a pandemia e, com isso, cresceu também a criminalidade”, ressalta. Segundo ele, atualmente, o grupo já conseguiu instalar 30 faixas nos distritos do município, com o propósito de conscientizar a população rural sobre a importância da delegacia especializada. “Queremos essa conscientização para reunir os produtores junto com o Poder Público, para conseguirmos a criação dessa unidade”.
Ele enfatiza que a verba arrecadada com o evento não será para a construção da delegacia, mas para divulgar a importância de sua instalação. “Essa delegacia vai impactar a Zona Rural, mas também as delegacias da região urbana, porque vai desafogá-las, sem falar que as demandas são diferentes, o que exige uma unidade especializada”, destaca. Ele conta que um bezerro também será leiloado no dia do evento e todo o dinheiro arrecadado, em função deste leilão, será doado para a Fundação João de Freitas.
Agilidade para investigar crimes na área rural
Presidente da Associação de Moradores de Torreões, Francisco de Paula Moreira, aponta que muitos crimes envolvendo violência têm assustado os moradores do distrito. “São casos de invasão de propriedades em que os moradores são amarrados e têm suas vidas ameaçadas. A situação é bem preocupante”, avalia. Ele considera que a criação de uma delegacia especializada é fundamental, para aumentar a segurança dos habitantes.
“Há dificuldade de atendimento policial nessas localidades, que são distantes. Além da questão do flagrante, que é um complicador para a polícia agir, porque, até chegar, os criminosos já fugiram, a delegacia rural é fundamental para a região, pois, sendo especializada, teremos mais atenção e melhores condições de atendimento mais ágil.”
LEIA MAIS
- Homem é rendido por dupla de assaltantes em Torreões
- Homem é libertado de cárcere privado na Zona Rural de Juiz de Fora
- Empresário é feito refém e perde joias, carro e R$ 18 mil em dinheiro
Família é amarrada por pés e mãos
No último dia 2 de maio, dois homens, de 86 e 43 anos, e uma mulher, 86, foram amarrados pelos pés e pelas mãos durante assalto a uma propriedade rural no Distrito de Torreões. O crime aconteceu no período da tarde, e os ladrões teriam fugido, levando a quantia de R$ 80 mil. A repercussão do roubo alarmou ainda mais os moradores da região.
Segundo relato das vítimas, elas estavam na sala da residência, quando foram surpreendidas por dois homens, sendo que um deles estava de posse de uma arma de fogo, que ficou apontada para a família, enquanto um dos ladrões amarravam os moradores.
A dupla ordenou que os residentes ficassem na sala, enquanto vasculhava a residência à procura do dinheiro, que afirmava saber que havia na casa. Os ladrões encontraram a quantia e fugiram levando o valor. As vítimas permaneceram amarradas até que uma delas conseguiu chegar até a cozinha e se soltar, pedindo ajuda para o acionamento da polícia. Todavia, nenhum suspeito foi encontrado.
Produtor rural é golpeado com pedaço de madeira
No último mês de março, no dia 14, um produtor rural, de 61 anos, que possui uma fazenda, também em Torrões, em uma localidade conhecida como “Fundão”, teve sua propriedade invadida no período da noite e foi vítima de agressão por parte de um dos invasores. Por volta das 19h30, o idoso percebeu que seus cachorros estavam agitados, latindo muito. Ao verificar a situação na área externa, o morador se deparou com um homem, que surgiu do matagal com um pedaço de madeira, ameaçando: “perdeu, perdeu”.
O proprietário tentou reagir e foi golpeado com um pedaço de madeira. Ele foi atingido na mão direita, quando tentava se defender da paulada. Em seguida, outros três criminosos surgiram e ameaçaram a vítima, afirmando que o morador iria morrer se continuasse a reagir. Os ladrões roubaram a quantia de R$ 1.800, que estava no bolso do idoso, e fugiram.
Reféns em restaurante
Há cerca de um ano, a noite de sábado, em 15 de maio, foi traumática para um caseiro de 47 anos e duas mulheres, de 31 e 36. Eles foram rendidos e feitos reféns durante roubo a um restaurante na Estrada de Torreões. O caseiro relatou à Polícia Militar que, por volta das 22h, foi surpreendido por cinco criminosos encapuzados, três deles armados com revólver. O bando anunciou o assalto e vasculhou o estabelecimento comercial à procura de dinheiro, mas nenhuma quantia em espécie teria sido encontrada.
Os criminosos ficaram no local por cerca de duas horas, consumindo carnes e bebidas do restaurante. Antes da fuga, o grupo deixou as vítimas amarradas. Os bandidos levaram um televisor de 39 polegadas, um DVR, além de diversas peças de carne, bebidas e queijos. As vítimas só conseguiram se desvencilhar das amarras às 6h do dia seguinte, quando a PM foi acionada.
‘Foi um dos dias mais tristes ver minha casa arrombada’
Conforme Celso Machado de Almeida, ele mesmo, como produtor rural, já sentiu na pele o prejuízo de ter a propriedade invadida por criminosos. Ele conta que, durante a pandemia, uma das sedes das quais é proprietário foi invadida e furtada. “Cheguei de manhã junto com meu empregado e observei a presença de um boné perdido na entrada da fazenda. Esse boné não era do meu empregado, nem meu. Quando fomos ver, nosso quartinho de ferramentas tinha sido todo levado. Nenhuma ferramenta sobrou no lugar, e tinha muita coisa lá, porque estava construindo um curral. Os bandidos também entraram dentro da casa e levaram pertences, eletrodomésticos, roupas, fazendo uma limpa. Foi um dos dias mais tristes para mim ao ver minha casa arrombada”, lamenta.
Segundo Celso, depois de uma série de dificuldades para que o caso começasse a ser investigado, um inquérito foi instaurado, e os suspeitos, ouvidos pela Polícia Civil. “Ter inquérito de crime aberto é coisa rara no meio rural. É humilhante o produtor ter que passar por toda essa situação”, afirma, como forma de justificar a necessidade de implantação de uma delegacia rural.
Reivindicação é demanda antiga
A reivindicação dos produtores rurais é antiga. Em 2021, por exemplo, a Câmara Municipal aprovou uma representação ao governo do Estado de Minas Gerais, solicitando a implantação, em Juiz de Fora, de uma unidade da Delegacia Especializada em Crimes Rurais. A iniciativa tinha como meta dar mais efetividade ao combate e apuração de crimes praticados nas áreas rurais, como roubo em propriedades rurais. Conforme Celso Machado de Almeida, parte das ações em prol da delegacia é também um abaixo-assinado que já contava com 540 assinaturas de produtores rurais de Juiz de Fora. O documento deverá ser entregue ao Governo de Minas como forma de sinalização da necessidade de criação da delegacia.
Em agosto do ano passado, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informou que havia definido regras para implantação e expansão de Delegacias Especializadas de Repressão a Crimes Rurais no estado. Segundo estudo técnico, elaborado por meio da Assessoria de Planejamento Institucional (API), os Departamentos de Polícia territoriais foram orientados quanto à criação das unidades especializadas, que terão o objetivo de reprimir e exercer atividades de polícia judiciária e de investigação criminal, de forma a garantir mais segurança aos moradores do campo.
Conforme a PCMG, as delegacias especializadas vão investigar crimes de abigeato (furto de animais) e também os demais crimes patrimoniais relacionados à atividade rural, especialmente os que tenham por objeto material insumos, defensivos e maquinários agrícolas.
Naquela ocasião, a Polícia Civil ressaltou que estava trabalhando em alternativas para repressão qualificada dos crimes cometidos em Zona Rural. A Resolução Interna nº 8.179 publicada pela PCMG reforçou a necessidade de maior atuação das forças de segurança pública em áreas rurais, sobretudo frente ao avanço da criminalidade e da especialização cada vez maior dos grupos criminosos.
Como sequência do planejamento estratégico da instituição, a API conduziu amplo estudo, a partir da formação de grupo técnico de servidores da Polícia Civil com atuação nessa temática. O trabalho resultou no diagnóstico da criminalidade no campo e nas diretrizes a serem adotadas para instalação das delegacias especializadas.
Cinco eixos
De acordo com PCMG, cinco eixos principais norteiam o documento: estratégia institucional, disponibilidade de efetivo, disponibilidade orçamentária, observação da taxa de demanda e expressão agropecuária da região. Assim, as regras definidas buscam garantir a instalação das Delegacias Especializadas de Investigação de Crimes Rurais nas localidades onde são mais necessárias, sem que haja prejuízo em infraestrutura e de recursos humanos.
Estudo de viabilidade em andamento
A Tribuna questionou a PCMG se já havia alguma ação ou projeto em andamento a fim de atender o pleito dos produtores rurais da região de Juiz de Fora. Como resposta, a instituição informou que se encontra em andamento na Assessoria de Planejamento Institucional (API) um estudo técnico que avalia a possibilidade de implantação de uma Delegacia Especializada de Repressão a Crimes Rurais, no âmbito do Departamento de Juiz de Fora.
O estudo, como apontou a PCMG, encontra-se em fase de elaboração e considera, para a criação ou expansão destas unidades especializadas nos Departamentos de Polícia Civil, os parâmetros de estratégia institucional. “Ressalta-se que os delitos ocorridos em Zona Rural, atualmente, são prontamente atendidos no âmbito das unidades policiais existentes no Departamento”, enfatizou, acrescentando que, tão logo o estudo técnico seja concluído, ele será publicizado.