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Secretaria de Saúde faz intervenção em residência terapêutica de Juiz de Fora

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A Secretaria de Saúde do município realizou intervenção em uma das 17 residências terapêuticas que ainda estão sob gestão da Associação Casa Viva. A entidade não se qualificou no chamamento público realizado pela Prefeitura, em 2017, para administração de 29 moradias destinadas ao acolhimento de pessoas com transtornos mentais que permaneceram em longas internações psiquiátricas e que não puderam retornar para as suas famílias de origem. A decisão de intervenção ocorreu depois que uma residente apareceu com diversas marcas roxas no braço em vídeo feito pela Tribuna. Questionada sobre o que teria ocorrido, ela diz que as marcas são resultado de beliscões dados por uma das “tias” da casa – na verdade uma cuidadora -, como forma de repreendê-la por ter mexido na carne do congelador. Na imagem, feita na presença da irmã e tutora da residente, ainda é possível vê-la defendendo a profissional, já que a moradora admite ter violado a regra ao mexer na geladeira sem permissão para isso. Em nota, a secretaria afirma que o conteúdo do vídeo será apurado e que vai pedir esclarecimentos à prestadora. Já a ONG afastou temporariamente a cuidadora do local, antecipando as férias dela, a fim de esclarecer o ocorrido, embora a coordenação dos serviços residenciais terapêuticos da entidade afirme que não há, até o momento, “uma evidência real de que a agressão tenha ocorrido”. As imagens, no entanto, levaram o Departamento de Saúde Mental a realizar imediata intervenção no local. Com isso, profissionais da Secretaria de Saúde permanecem 24 horas na moradia.

O episódio complicou a situação da parceria que existia desde 2010 entre a entidade e a Prefeitura. O problema se agravou no ano passado, quando uma sindicância realizada pela Secretaria de Saúde apontou que haviam falhas do ponto de vista assistencial nas residências sob gestão da Casa Viva, totalizando cerca de 159 pessoas atendidas. Além dos apontamentos, algumas situações que não foram tratadas pela sindicância chamam atenção, como lesões existentes em moradores que utilizam o serviço residencial terapêutico.

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Um dos casos envolve uma usuária de 51 anos que apresentou ferimentos no rosto, na cabeça e na orelha, que parece ter sido parcialmente cortada. Ela foi internada no Hospital de Pronto Socorro (HPS), em julho do ano passado, sob alegação de ter sofrido escoriações em função de uma queda. No dia 28 de julho de 2017, no entanto, a direção do HPS remeteu ofício para a Delegacia Regional da Polícia Civil de Juiz de Fora pedindo que fossem tomadas providências cabíveis, a fim de apurar o que teria ocasionado os ferimentos na mulher.

No dia 22 de agosto do ano passado, a Polícia Civil solicitou ao HPS novas informações do caso para poder distribuí-lo em uma das delegacias da cidade, mas o inquérito não chegou a ser instaurado. Foi a Tribuna quem descobriu que o caso referente às lesões da moradora não havia tido andamento. Ao questionar a polícia, o jornal descobriu que a demanda solicitada pela delegacia não havia sido atendida pela própria Prefeitura. De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria de Saúde, o HPS respondeu a solicitação feita pela polícia, mas o documento acabou não dando saída do setor de apoio administrativo da Secretaria de Saúde, o que levou à abertura de uma nova sindicância, por ordem da secretária Elizabeth Jucá, para descobrir o motivo pelo qual o pedido de informações não foi entregue à polícia, conforme o previsto.

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Questionado sobre as lesões apresentadas pela paciente durante a internação no HPS, o coordenador dos Serviços Residenciais Terapêuticos da Associação Casa Viva, Rodrigo Mitterhofer, afirmou que a paciente já teve vários episódios de queda da própria altura. “No entanto, não me lembro, em momento algum, de tê-la visto nesse estado”, diz, referindo-se à fotografia mostrada a ele pela Tribuna, cuja imagem traz a usuária com o rosto sangrando e, ainda, um corte profundo na orelha. Segundo Mitterhofer, que é enfermeiro, a moradora da residência foi encaminhada para o pronto socorro sem esses ferimentos. “Os ferimentos dela não foram dessa magnitude. Ela voltou do hospital assim. Não estou colocando a culpa na unidade hospitalar, mas pode ter caído de novo lá dentro”.

A informação foi rebatida pelo Departamento de Saúde Mental. Segundo a gerente do departamento, Andréia Stenner, foram justamente as lesões apresentadas pela paciente ao dar entrada no HPS que levaram a direção do hospital a procurar a polícia, resultando na transferência da moradora para uma residência terapêutica gerida pelo Gedae, entidade que foi anunciada vencedora do chamamento público. “A nossa preocupação, em um primeiro momento, foi garantir a segurança da paciente”, afirmou Andréia.

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Em setembro do ano passado, em ofício enviado para o Departamento de Saúde Mental, representantes da Casa Viva lamentaram a notícia do desligamento da paciente. “Foi com muita consternação que toda a equipe da Associação Casa Viva recebeu o ofício no qual é informado o desligamento e a transferência da moradora para o Gedae”, diz Mitterhofer, questionando a falta de um comunicado que os pudesse fazer compreender a decisão de mudar a paciente de lar e solicitando que a transferência, ocorrida em 22 de agosto, fosse revista.

Neste mesmo ofício, o enfermeiro parece se contradizer ao afirmar que a paciente voltou do HPS com quadro de melhora tantos dos ferimentos, quanto de ordem psíquica. Em nenhum momento, é dito que ela retornou para a residência terapêutica com machucados que não apresentava anteriormente. “Parece contraditório, mas o fato é que ela voltou melhor dos machucados que resultaram na sua internação, porém com novas lesões”, explicou.

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Entidade se queixa de falta de transparência por parte da Prefeitura

A Secretaria de Saúde diz que a resposta do município para a ocorrência de eventos que não condizem com o atendimento contratado junto a Associação Casa Viva foi justamente o não credenciamento dela para continuação da prestação do serviço. Mas a entidade que tem hoje cerca de 130 funcionários contratados para o atendimento das residências terapêuticas se queixa de falta de transparência no processo, alegando que não foi comunicada oficialmente sobre essa decisão.

“A publicação no Atos do Governo é a resposta cabível para anunciar o resultado de um chamamento público”, diz Andréia Stenner, gerente do Departamento de Saúde Mental. Já o coordenador dos serviços residenciais terapêuticos da Associação Casa Viva, Rodrigo Mitterhofer, analisa a questão de outro jeito. “O Departamento não fez nenhum comunicado oficial a cerca dessa situação, fazendo com que eu me sinta acuado. Um de nossos contratos para a gestão de dez casas está vencido desde março e outro, referente a sete casas, vence agora em abril. Como vamos continuar a atender durante um período de transição sobre o qual não sabemos nada? O fato é que não existe um diálogo técnico entre o departamento e os setores de saúde mental que funcionam bem na teoria, mas, na prática, têm grandes dificuldades. As residências, por exemplo, têm dificuldade de acessar a própria rede de saúde mental. Não temos o privilégio da equidade e nem de prioridade no atendimento”, diz.

O psicólogo Marlon Rauthier Brandi, que é técnico de nível superior de referência de quatro das 17 casas ainda em atendimento pela Casa Viva, afirma que, para a residência funcionar bem, é preciso ter uma boa articulação dessa rede. “Não adianta colocar a culpa na residência terapêutica se o problema está na rede. É preciso haver uma co-responsabilização”, diz.

Marlon afirma, ainda, que a falta de parceria com o departamento causa insegurança. Ele e Rodrigo relembram o caso recente da moradora do serviço que foi estuprada dentro do HPS. “Eles deveriam ter ficado ao nosso lado. Foi um caso que ocorreu dentro de um serviço da rede e para o qual espero uma resposta, assim como todos os que trabalham comigo”, frisou o enfermeiro. Andréia Stenner rebate: “as providências legais foram todas tomadas, inclusive em relação à vítima e ao autor que foi encaminhado para a delegacia e está preso”, afirmou Andréia Stenner.

Rodrigo também cita um episódio de “contenção” de paciente dentro do HPS cujas marcas, identificadas em outubro de 2017, foram comunicadas ao departamento, mas não teriam sido explicadas até hoje. Segundo o Departamento de Saúde Mental, a contenção no leito clínico, onde o paciente estava para investigação de um problema neurológico, realmente aconteceu, em função da agitação do paciente. Ainda assim a medida de contenção está sendo apurada, informou a Secretaria de Saúde.

Rodrigo critica a falta de resposta para um encaminhamento médico da usuária que aparece com marcas de beliscão no corpo e que, desde agosto do ano passado, aguarda resposta para pedido de encaminhamento de cirurgia geral para tratamento de uma hérnia ventral. “A morosidade no atendimento do caso foi por causa da própria ONG que demorou cinco meses para responder nosso pedido de informações sobre ela. Quando a resposta nos foi enviada, eles não nos pediram nenhum tipo de ajuda, apenas informaram que estão aguardando vaga para cirurgia eletiva”, disse a gerente do Departamento.

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