Dois programas municipais de assistência social sofreram cortes nos últimos meses. Em julho, 75 pessoas foram desligadas do Programa de Auxílio-Moradia, que prevê o pagamento de R$ 240 mensais para famílias em situação de vulnerabilidade social ou risco habitacional. No mês passado, o Programa de Segurança Alimentar foi diluído e, de um pico de até 1.600 famílias atendidas com cestas básicas mensalmente, o programa estaria disponibilizando, atualmente, apenas 342 cestas para todo o município, divididas pelos nove Centros de Referência em Assistência Social (Cras).
A exemplo do que tem acontecido em todo o país, os cortes podem ser reflexo da expressiva diminuição de repasses financeiros sofrida pelos municípios. De 2016 para 2017, o repasse da União para Juiz de Fora caiu de R$ 872.765,76 para R$ 342.516,12 entre os meses de janeiro a junho, segundo dados divulgados pela Câmara dos Deputados, referentes à Execução Orçamentária da União. Nos bastidores, a informação é que, por conta da crise, a ordem na Prefeitura é de cortar gastos. As famílias, porém, só saberão se tiveram os nomes cortados durante este mês.
Apesar da reconhecida necessidade de economizar, quem sofre é a população vulnerável, que também tem que lidar com o desemprego e outros problemas sociais. É o caso de Angela Maria da Silva Santos. Com sete netos para sustentar, 61 anos de idade e nenhuma renda, a conta não fecha para a idosa. As duas filhas dela morreram recentemente, e Angela não sabe o que fazer para continuar criando os netos. “Tenho água e luz cortadas e dependo de pessoas fazerem doações para conseguir pagar as contas. Tenho problemas de saúde, mas estou tentando pela quarta vez fazer uma perícia para me aposentar e não consigo. Uma cesta básica não dura nem 15 dias, mas complemento o que falta com o Bolsa Família. Se cortarem a cesta básica, o que eu vou fazer com essas crianças? Vou ter que viver de doação.”
Carmen Jussara da Conceição Medeiros da Silva, 31 anos, também depende da cesta básica para alimentar dois filhos e um sobrinho. “São três crianças em casa, e dependemos dessa cesta básica, porque eu e meu marido estamos desempregados, e ele faz bicos, mas não tem conseguido nada. A cesta básica ajuda muito na nossa alimentação, pois, com o dinheiro do Bolsa Família, consigo comprar fralda e remédios. Agora, o dinheiro que eu vou ter que usar comprando comida vai fazer falta. Não queremos depender de auxílio para sempre, mas se não temos emprego, o que mais podemos fazer?” A moradora do Bairro São Benedito, na Zona Leste, é uma das integrantes de uma comissão montada com o objetivo de cobrar explicações do Poder Público sobre os cortes.
O questionamento de Carmen é o mesmo feito pelo ex-presidiário Aparecido Rodrigo Acássio da Silva, 33. Ele e a esposa têm nove filhos, mas, desempregados, não têm condições de cuidar das crianças. “Tenho o auxílio-moradia, mas não recebo há mais ou menos cinco meses, não sei o que aconteceu. Estou quase sendo despejado e sou ex-presidiário, então não consigo emprego de carteira assinada. Se cortarem a cesta básica, não vou ter como colocar comida em casa. Vou ter que pedir esmola na rua, pedir ajuda aos vizinhos… Quero uma vida digna, mas não estou encontrando ajuda. Quando deram o auxílio, tinham que ter pensado em como ajudar as famílias a conseguirem um emprego”, lamenta.
Direitos Humanos
A situação destas e de outras pessoas tem preocupado o Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH), que denunciou à Tribuna o que tem chamado de “desmontes” da assistência social. “Estamos vivenciando muitos cortes. Primeiro, houve uma diminuição muito grande no Programa de Auxílio-Moradia. Depois, veio o corte na alimentação, que é um direito humano fundamental, não é um favor que o Poder Público faz. A política de assistência tem que garantir segurança às famílias beneficiadas, e cortar essas cestas básicas fere os direitos constitucionais dessas pessoas, é uma violação”, afirma a assistente social Paula Miranda.
Centro de Referência questiona decisões
Responsável por acolher as demandas de pessoas em situação de vulnerabilidade social, o Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH) tem ajudado os juiz-foranos prejudicados a se mobilizarem e formarem uma comissão para cobrar explicações do Poder Público sobre a diminuição do número de benefícios, que não teria sido informado oficialmente. Conforme a assistente social, os juiz-foranos que recebem as cestas básicas do Programa de Segurança Alimentar foram avisados pelos funcionários dos Centros de Referência em Assistência Social (Cras), no mês passado, de que não havia garantia de continuar recebendo as cestas básicas a partir de outubro.
Segundo publicação no site da Prefeitura, o programa assiste pessoas em situação de insegurança alimentar, necessidade e vulnerabilidade, após análise de técnicos, por seis meses. Ainda conforme a publicação, o indivíduo assistido poderia solicitar a prorrogação do benefício, em análise feita pelo próprio Cras. Mas, de acordo com a assistente social, a causa da diminuição na distribuição das cestas aconteceu por parte da própria Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS). A informação recebida era de que, a partir deste mês, 38 cestas básicas seriam direcionadas para cada Cras e deveriam ser distribuídas pelos funcionários em casos emergenciais e não mensalmente, como antes.
Por meio de nota, a Secretaria de Desenvolvimento Social afirmou que o programa enfrentou dificuldades pontuais de fluxo. “Em face do momento de crise financeira do país, que afeta sobretudo as prefeituras, e da queda drástica dos repasses federais e estaduais para o município, a SDS informa que o programa enfrentou dificuldades pontuais de fluxo, que – com todo esforço da administração da assistência – já estão sendo solucionadas para buscar a continuidade dos atendimentos.”
Auxílio-Moradia de R$ 240
Criado em 2010, por meio da Lei nº 12.060, o Auxílio-Moradia tem como objetivo socorrer e assistir famílias em situação de risco habitacional por meio de pagamentos mensais, de R$ 240, que devem ser utilizados nas despesas de moradia enquanto os beneficiados não são contemplados com uma solução definitiva para habitação. No entanto, conforme a norma, as famílias assistidas só podem participar do programa por seis meses, com prorrogação por mais seis, recebendo o auxílio durante o tempo máximo de um ano. Esta seria a norma que causou o desligamento de 75 famílias em julho, segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS), responsável pelo programa.
No mês passado, um ofício assinado pelo Centro e por outros órgãos foi encaminhado ao prefeito Bruno Siqueira (PMDB), solicitando o encerramento do processo de desligamento do Programa de Auxílio-Moradia e questionando a integralidade do cumprimento da lei, cujos itens II e III do Artigo 2º versam sobre a responsabilidade do Executivo em indicar solução habitacional definitiva, encaminhar a família beneficiária para órgãos competentes e orientá-la sobre os meios para conquista de autonomia financeira. No entanto, procurada pela Tribuna, a assessoria da secretaria afirmou que a interrupção já tinha sido feita e destacou que as famílias foram desligadas porque ultrapassaram o tempo máximo de permanência no programa.
O questionamento da assistente social, no entanto, continua. “A lei diz que o auxílio pode ser concedido por seis meses, com prorrogação máxima de até seis meses, mas também diz que cabe ao Executivo indicar solução habitacional definitiva para a família beneficiária, além de outras questões com relação a encaminhamentos, para que se garanta autonomia financeira. Essas ações encaminhariam os beneficiários à porta de saída do programa. No entanto, isso não acontece”, afirmou Paula, à época.
Prefeitura afirma fazer encaminhamento de demandas
A assessoria da pasta informou, por meio de nota, que, “ao longo dos seis primeiros meses desse ano, foram realizados alguns cortes por meio de pedido de desligamento dos mesmos, devido à superação da vulnerabilidade. Restaram 75 beneficiários para serem excluídos, que ultrapassavam o período máximo de um ano, previsto em lei. Após serem comunicados previamente pela unidade executora do auxílio (Amac) sobre o possível corte, eles foram desligados no mês de julho.”
Segundo a pasta, o auxílio se trata de um benefício eventual da Proteção Básica que pode contemplar até 183 beneficiários, conforme a lei. Atualmente, 23 famílias são beneficiárias do auxílio-moradia em Juiz de Fora. Elas são incluídas no programa por meio de um relatório social, que aponta se elas se encaixam nos critérios da lei. Ao final dos primeiros seis meses de benefício, um novo relatório da situação da família é elaborado por um técnico de referência das unidades encaminhadoras da Prefeitura. A pasta destaca que o auxílio é dinâmico.
Sobre o sistema de encaminhamento para outras unidades, para acompanhamento de questões habitacionais ou relacionadas a renda e emprego, a SDS pontuou que “as famílias incluídas no Auxílio-moradia são acompanhadas pelas unidades encaminhadoras de assistência social e direcionadas para os programas e serviços públicos existentes de toda a Rede, que possam ajudá-las a sair da condição de vulnerabilidade social, tais como os programas Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida.” Entre as unidades encaminhadoras estariam os centros de referência em assistência social (Cras e Creas), o Centro Pop, as Casas de Acolhimento Institucional de Criança e Adolescente e de Adulto, a Vara da Infância e Juventude e a Defesa Civil. Ainda conforme a assessoria da SDS, alguns destes beneficiários teriam sido contemplados com o sorteio no Minha Casa Minha vida até o fim da desvinculação, sendo que alguns não teriam comparecido para assinatura de contrato e outros estariam aguardando integração de posse e posicionamento do banco responsável pelo programa federal.
A SDS também destacou que, conforme a lei, os critérios para suspensão do benefício são a alteração das condições que motivaram a concessão do benefício, a possibilidade de retorno ao imóvel desocupado autorizada pela Defesa Civil (em casos de risco habitacional), aquisição ou entrada em outro imóvel, conquista de autonomia financeira, comprovação de uso indevido do benefício, descumprimento dos termos de compromisso do programa ou término do prazo de um ano.