A dificuldade de os alunos da rede pública conseguirem vaga nas escolas próximas ao seu endereço residencial, conforme prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, levou o Conselho Tutelar de Juiz de Fora a enviar ofício para a Secretaria de Educação do município em busca de solução para o problema. Sem ter como arcar com os custos do deslocamento para levar os filhos a outros bairros, muitos pais não fizeram a matrícula no colégio disponibilizado e há os que matricularam os filhos, mas não estão conseguindo manter a frequência deles. Entre os casos houve até uma mãe que levou a filha para a rede particular, apesar de a medida comprometer mais de 30% da renda dela.
A Secretaria de Educação reconhece o desafio de equacionar a questão. Atualmente, há cerca de 85 crianças da educação infantil ainda sem matrícula. Os dados são flutuantes, mas uma das causas da dificuldade, segundo a presidência da Comissão do Cadastro Escolar, é o não preenchimento do cadastro pelas próprias famílias. Só em janeiro deste ano, 676 pessoas procuraram a secretaria em busca de vagas na rede pública, ou seja, fora do período previsto. A maioria, porém, não tinha participado do cadastro no ano passado, condição fundamental para o planejamento das vagas de 2018.
Outra questão é o aumento da demanda após a universalização da educação infantil, com previsão de atendimento integral de todas as crianças entre 4 e 5 anos, o que tem levado à necessidade de ajuste. É importante lembrar que o cartão passe fácil, que permite o uso gratuito do transporte coletivo, só é válido para quem estuda na rede municipal, mora a mais de um quilômetro da escola e cuja renda familiar não ultrapasse a dois salários mínimos.
Em ofício assinado mês passado pelos conselheiros tutelares que representam todas as regiões da cidade, a questão da deficiência de vagas é apontada principalmente na educação infantil. No documento, os conselheiros informam a Secretaria de Educação que o órgão tem recebido reclamações recorrentes de pais e responsáveis e que há uma demanda reprimida.
Pais se sacrificam para pagar escola
A vendedora Caroline Nunes mora no Bairro Linhares, região Leste da cidade. Atualmente, a filha de 5 anos está matriculada no Santa Cecília, na Região Sul. Com um salário de R$ 986 mensais, Caroline, que é funcionária de uma loja no Centro, gasta R$ 124 por mês só com transporte coletivo para levar a filha em endereço mais próximo do seu colégio. “Saímos de casa antes das 6h30. Deixo ela na minha mãe e vou trabalhar. É a avó quem a leva para a escola. Só saio do serviço às 20h. Tem sido muito difícil mantê-la estudando tão longe de casa”, afirma.
Desempregada, Síria Campos, 27 anos, disse que precisou recorrer a ajuda de um parlamentar da cidade para matricular pelo menos um de seus quatro filhos perto de casa. Ela conta que morava em Rio das Ostras (RJ) e se mudou, recentemente, para Juiz de Fora com o marido e os filhos para buscar novas oportunidades. O esposo trabalha com impermeabilização e também está desempregado. Morando de favor na casa de parentes, no Bairro Marumbi, Região Leste, ela vê os filhos de 13, 9 e 8 anos caminharem mais de meia hora para chegar à escola no Bairro Bonfim, na mesma região. O mais novo, de 6 anos, é o único que está matriculado no mesmo bairro. “Estamos em situação muito difícil. Eles vão a pé. Minha preocupação é constante”, afirma.
Cansada de esperar por uma vaga mais próxima de casa para o filho de 8 anos que está no terceiro ano do ensino fundamental, a auxiliar de cozinha Luciene Neves da Silva, 27 anos, decidiu matricular o menino na rede particular. “Moro no Bairro Manoel Honório, e meu filho estudava no Bairro Vitorino Braga. Para viabilizar a ida dele à escola, eu pagava uma van, cujo custo mensal é de R$ 130. Tentei uma vaga próxima à minha casa e não consegui. Kauã ficou até o início de março sem frequentar a escola. Como não queria vê-lo sem estudar, acabei o colocando em uma escola particular próxima. Ganho R$ 1.007 por mês e só com a mensalidade gasto R$ 300. Precisei, inclusive, fazer um empréstimo para pagar a matrícula. Tinha tanta esperança de conseguir uma vaga na rede pública para ele, mas deu tudo errado.”
‘Prejuízo para relacionamento e aprendizagem’
A coordenadora geral do Sindicato dos Professores, Aparecida de Oliveira Pinto, é enfática ao comentar os prejuízos impostos à aprendizagem. “Com certeza absoluta é uma situação grave para o aluno que, às vezes, tem que acordar muito mais cedo para se deslocar de um bairro para o outro, muitas vezes, em locais nos quais ele não tem nenhuma afinidade. Por não ser natural daquele lugar, ele não tem ambiência e pode até sofrer bullying. Há o prejuízo de relacionamento e o de aprendizagem”, aponta.
A situação também preocupa o conselheiro tutelar Laurindo Rodrigues. Ele lembra que, por lei, cabe aos municípios oferecer vagas para a educação infantil e o ensino fundamental o mais próximo de casa. “O ideal é garantir a vaga o mais próximo possível. Em resposta ao nosso ofício, a Secretária de Educação se reuniu conosco, a fim de dar andamento a ações capazes de resolver as pendências. Ficamos satisfeitos com a forma respeitosa que ela tratou o assunto”, afirmou.
No encontro, ocorrido mês passado, a Secretaria de Educação mostrou o que tem feito na tentativa de equacionar a questão. “O cadastro acontece como um planejamento da escola pública, geralmente nos meses de agosto e setembro do ano anterior. É quando o estado e os municípios se juntam para poder organizar o planejamento do atendimento para o ano subsequente. Tivemos para a rede pública em Juiz de Fora mais ou menos oito mil crianças e adolescentes cadastrados para ingressar na rede pública municipal e estadual em 2018. Todas elas foram atendidas e estavam estudando no dia 1º de fevereiro. Mas, quando essas crianças estavam alocadas, tivemos 676 novas procuras entre janeiro e fevereiro para crianças que não tinham sido cadastradas. Aí começa todo o processo de rastreamento na região.
Até o dia 21 de março deste ano, que foi quando fizemos a reunião com os conselheiros tutelares, das 676 crianças, conseguimos matricular 457. Das 219 que sobraram, 116 aguardavam vagas para o 1º e 2º períodos. Destas, 16 crianças não foram encontradas – por causa de problemas com endereço e telefone -, e 15 estão sendo encaminhadas para as escolas. Restam 85 na educação infantil. De lá para cá, no entanto, já surgiram novas demandas. É um trabalho que não para. O que a gente tem percebido é que tem crianças que estão pedindo transferência de escola, mas já estão estudando e que, por isso, não têm prioridade. As que têm prioridade são aquelas que estão sem a vaga”, explicou Andrea Borges, presidente da Comissão do Cadastro Escolar da Secretaria de Educação do município.
Andrea afirma, ainda, que ensino público é, sim, obrigatório, mas as pessoas precisam participar do planejamento da política educacional preenchendo o cadastro escolar. “Só esta semana chegaram mais seis crianças, duas delas tinham sido cadastradas, porém a mãe não foi fazer a matrícula. A gente tenta atender da melhor forma possível, mas é um desafio”, acrescentou Andrea.