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“O feminismo é necessário”

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Daniela Auad fala de sua trajetória na luta pelos direitos da mulher (Foto: Marcelo Ribeiro)

Ele já foi tema de redação do Enem, causando críticas e revoltas. Para muitos, é um palavrão. Para outros tantos, uma ameaça doutrinária às crianças. O feminismo pode ser incompreendido para aqueles que não estão sob as luzes do saber. Todavia, ele grita e cresce toda vez que uma vítima morre simplesmente pelo fato de ser mulher, fazendo-se extremamente necessário numa sociedade em que, a cada hora, há mostras de desrespeito aos direitos humanos. O movimento feminista busca uma equidade de direitos e de vivência entre os gêneros e é a bandeira da ativista, pesquisadora e professora da Faculdade de Educação da UFJF, Daniela Auad.

No último dia 8, Daniela tomou posse no Conselho Estadual da Mulher, por notório saber e reconhecida atuação na promoção e defesa dos direitos das mulheres. O órgão é ligado à Secretaria de Estado de Direitos Humanos. A professora também integra o Observatório de Gênero e Raça de Minas Gerais e é líder do coletivo e grupo de pesquisa Flores Raras. Em entrevista à Tribuna, Daniela defende a importância de dar visibilidade à presença das mulheres nos movimentos sociais, LGBTIs e negros. Para ela, houve avanços no debate sobre o gênero feminino nas questões envolvendo violência e preconceito, mas ainda existe um tensionamento que tenta arrastar a sociedade para o retrocesso.

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Tribuna – O que significa tomar posse do Conselho Estadual da Mulher e representar a luta pela igualdade de gênero

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Daniela Auad – É um espaço importante para fazer com que políticas públicas, que assegurem os direitos das mulheres, sejam implementadas. O Conselho Estadual da Mulher explora as diferentes maneiras pelas quais é possível tanto motivar as mulheres na direção de conhecerem seus direitos e militar por eles, quanto, numa perspectiva de cidadania ativa, criar novas e ainda não existentes maneiras de as mulheres se fazerem ouvir. No meu caso, que, além de militante, sou pesquisadora, feminista e estudiosa de gênero, é importante pensar nessas interseções identitárias, das variadas e múltiplas formas que a mulher assume em sociedade, para que diferentes mulheres, até então silenciadas, possam ter voz numa esfera como essa que é o conselho, para que pensemos em maneiras de assegurar os direitos das variadas mulheres, incluindo portanto, as lésbicas, transexuais e travestis.

 

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– Enquanto pesquisadora e ativista, o que a levou a militar sobre as questões de gênero?

– Eu tenho 43 anos e, quando estava no ensino médio, fazendo Magistério, que é o antigo Curso Normal, tinha uma professora de sociologia da educação, que era inclusive uma religiosa, uma freira, e uma outra professora, uma leiga, que trabalhava no Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo. Elas nos deram dois livros: “O poder do macho”, de Heleieth Saffioti; e “Mulher e Homem – o mito da desigualdade”, da Dulce Whitaker. Então, no colegial, conheci, assim como ocorre nos dias de hoje com as jovens secundaristas, o que era o debate feminista para assegurar os direitos das mulheres nas suas diferentes condições sociais, nas suas diferentes raças. Então, quando cheguei à Faculdade de Educação da USP, fui atrás das professoras que podiam ser feministas. Junto com elas, formei, em 1992, o núcleo feminista, que hoje continua lá vivo e atuante. Comecei a participar de diferentes organizações em São Paulo, Rio de Janeiro e agora, em Juiz de Fora, temos o coletivo feminista e o grupo de pesquisa Flores Raras.

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Como a área de estudo de gênero é ampla, não é possível dizer que se estude gênero sem que se milite de modo feminista. Nessa perspectiva, é uma militância que remonta à minha adolescência. Assim como hoje existem as jovens secundaristas que fazem uma “primavera feminista” nas ruas. Fui para a graduação, o mestrado, atuando na mesma área de conhecimento e continuando a militância. Fiz o doutorado parte em Paris, encontrando-me assim com a tradicional escola feminista e a militância francesa, sendo recebida pela professora Helena Hirata, que é socióloga e, embora brasileira, tem carreira sólida de pesquisa na França. Ao voltar, entrei para a Universidade Federal de São Paulo e pude ter o meu próprio grupo de pesquisa. Apenas o grupo de pesquisa não dá conta de todas as atividades de militância. O caráter das atividades, das ações, é diferenciado, embora se complemente. Por isso, nosso coletivo Flores Raras é um coletivo feminista e um grupo de pesquisa.

Tem, inclusive, neste ano, diferentes ações. Há os dias de reuniões para o grupo de pesquisa e há os dias do coletivo, com as pessoas participando em um dos dias ou nos dois. É assim que se dá a construção dessa participação, dessa representação. Nós vamos fazer atividades, utilizando os espaços da UFJF, com apoio da Reitoria. No segundo semestre, vamos fazer o evento “Flores Raras plantam igualdade e colhem o observatório”, com a implantação, aqui na UFJF, do Observatório de Gênero e de Raça, do qual sou representante no Governo do estado. Esperamos chamar representantes de grupos de feministas de toda a Zona da Mata.

 

– No seu ponto de vista, como tem sido feito o debate sobre o gênero feminino nas questões envolvendo violência e preconceito hoje? É possível comemorar avanços?

– Lógico que temos avanços. No entanto, há um tensionamento para que exista um retrocesso. Temos hoje um Governo federal que tem homens, brancos, representantes da classe dominante e que querem invisibilizar mulheres, mulheres negras, toda a população LGBTI. Temos esse tensionamento aqui no Brasil e em outros lugares do mundo. E não é à toa que, justamente por isso, neste 8 de março, houve uma parada mundial das mulheres. Sim, estamos no mercado de trabalho, mas ainda temos que lutar para igual salário, para igual função. Sim, já temos a Lei Maria da Penha, e ela é muito importante, pois pune crimes como feminicídio de maneira diferenciada e mostra para toda a sociedade que algumas pessoas são mortas pelo fato de serem mulher e não por outro motivo. É possível dizer que existem homens e mulheres perversos, sim, mas, numericamente, são as mulheres que são assassinadas, estupradas de modo epidêmico muito mais que os homens.

Numericamente, os homens não são surrados, não sofrem violência física, psicológica e patrimonial da mesma maneira que as mulheres sofrem. São muitos os exemplos, mas, sim, estamos mais desenvoltas na vida em sociedade, já temos melhores níveis de escolarização, muitas vezes melhores que os homens em alguns momentos comparativos. Mas, ainda ganhamos menos, ainda temos que lutar muito mais para ter reconhecimento. Isso mostra que o feminismo é necessário, que áreas de participação e representação são importantes e que devemos ocupá-las para assegurar os direitos já existentes e para abrir novas áreas de participação e de direito.

 

– Você é autora do livro: “Educar meninas e meninos: relações de gênero na escola” . Por que a escola deve combater a desigualdade de gênero?

– A escola que cumpre a função de ensinar, ler, escrever e contar, também deve cumprir a função de preservar os direitos humanos. E não há direitos humanos sem os direitos das mulheres, sem os direitos da população negra, sem os direitos da população LGBTI. Então, se alguma família por ventura não gostar de negros e negras e achar que pode ter preconceito, a instituição deve informar a essa família que na escola isso não pode ocorrer e que nos espaços coletivos isso não pode ser perpetuado e da mesma maneira a violência contra a mulher. Ora, se um pai acha que pode bater na esposa, e a criança vê essa perspectiva como algo natural na sua casa, é na escola que ela aprenderá que este modelo não corresponde a uma realidade igualitária. É na escola que a criança irá aprender eventualmente que, se ela sofre abuso sexual de um familiar ou conhecido, aquilo é um abuso e não algo normal, embora possa ser comum, mas sim que deve ser combatido.

Então, não falar de gênero, ensina que esse silêncio colabora para que as meninas sejam surradas, para que os meninos sejam valentões e as meninas, quietinhas. Então temos que trabalhar os conteúdos que já aparecem e não esperar aparecer. A gente tem que trabalhar temáticas de violência contra meninas na escola. Se há bullying contra elas, de que maneira também pode haver bullying contra os meninos, xingando-os de mulherzinha, de gay. Não é possível xingar as outras pessoas daquilo que as outras pessoas são, porque ninguém fala para você: “seu heterossexual”, “seu branco”, como se isso fosse um demérito.

Então, xingar alguém de negro, de homossexual, mostra que isso tem que ser trabalhado na escola, para que nenhuma identidade seja um xingamento possível, seja uma desvalorização. A escola tem que trabalhar isso não por ser feminista, porque ensina gênero, mas porque ensina o respeito aos direitos humanos, porque o desrespeito aos direitos humanos cria situações em que crimes acontecem e nenhuma família quer ter um filho preso por ter assassinado uma travesti, um transexual. Nenhuma família quer ter um filho preso porque cometeu crime de racismo. Então, a escola tem a missão de preservar as crianças daquilo que poderia ser cometer um crime.

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